domingo, 11 de agosto de 2013

OSCIP e Licitação

Silvia Ferreira Persechini

Advogada, especialista em Direito de Empresas pela PUC/MG e mestranda em Direito de Empresa pela na Faculdade de Direito Milton Campos

*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 06, em 05/09/2008

Atualmente, há uma confusão generalizada sobre a dispensa ou não do procedimento licitatório para as atividades desenvolvidas pelas OSCIPs. Para tentarmos esclarecer essa questão, devemos, primeiramente, entender o que é OSCIP e verificar por meio de qual forma legal esta Organização presta seus serviços aos órgãos estatais.
A OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – surgiu para fortalecer o Terceiro Setor, sendo regida pela Lei nº 9.790/1999 e regulamentada pelo Decreto nº 3.100/1999. Nos termos do art. 1º dessa legislação, “podem qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta Lei”.

Verifica-se que a Lei nº 9.790/1999 não definiu o que seria uma OSCIP, mas tão somente registrou que, para se qualificar como tal, faz-se necessário o cumprimento dos requisitos legais e a determinação de objetivos sociais ligados às finalidades discriminadas no art. 3º desse ordenamento jurídico¹. Assim, o reconhecimento de uma pessoa jurídica sem fins lucrativos, como OSCIP, é ato vinculado dos requisitos instituídos por essa Lei.

Lado outro, devemos destacar que as OSCIPs não agem no que é próprio do Estado e muito menos o substituem. Essas organizações são criadas e administradas totalmente pelos particulares, de acordo com as regras do Direito Privado, mas para prestarem serviços de interesses públicos, atendendo à necessidade da coletividade.

Diante dessas características, Luis Eduardo Regules (2006) define as OSCIPs como sendo “pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, destinadas ao cumprimento de serviços de interesse público, colaboradoras da ação estatal nas áreas sociais definidas pela Lei 9.790/1999, criadas e geridas exclusivamente pelos particulares, qualificadas e continuamente fiscalizadas pelo estado, sob a égide de regime jurídico especial – adoção de normas de direito privado com as derrogações originárias do regime jurídico de direito público”².

Para que as OSCIPS possam executar os interesses públicos no Estado Social, a Lei nº 9.790/1999 inventou o chamado Termo de Parceria que, de acordo com José Eduardo Paes é o “instrumento destinado à formação de vínculo de cooperação entre o poder público e as entidades qualificadas como OSCIP para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no já referido art. 3. da referida lei”³.

Esse Termo de Parceria será firmado entre Poder Público e a OSCIP, mediante modelo padrão próprio do órgão estatal, no qual serão registrados os direitos, responsabilidades e obrigações das partes signatárias.

O órgão estatal, com o objetivo de escolher a OSCIP mais adequada para determinado tipo de prestação de serviço, deverá submeter, antecipadamente, a celebração do Termo de Parceria à consulta aos Conselhos de Políticas Públicas das correspondentes áreas de atuação da entidade, nos respectivos níveis de governo.

A qualificação de uma pessoa jurídica sem fins lucrativos como OSCIP não significa que essa Organização irá receber recursos públicos. Uma OSCIP se torna parceira de um órgão estatal mediante (i) vontade do parceiro proponente -- o órgão estatal tem interesse em promover a parceria para a realização de projetos; (ii) concursos de projetos (arts. 23 a 31, do Decreto nº 3.100/1999) – o órgão estatal irá indicar áreas de interesse para parceria com OSCIP, podendo, para seleção, realizar concursos de projetos e (iii) proposição própria – a própria OSCIP propõe a parceria por meio de projetos, de acordo com as diretrizes e políticas do órgão estatal, demonstrado cabalmente o interesse da coletividade e os benefícios para o público-alvo.

Diante disso, percebemos que o Termo de Parceria criou uma forma própria -- diferente do procedimento licitatório regulado pela Lei nº 8.666 de 1993 – para que a Organização Civil de Interesse Público possa prestar seus serviços ao Estado. À simples leitura da Lei nº 9.790/99 e do Decreto nº 3.100/99, verificamos que essa foi a intenção do próprio legislador.

Nesse particular, ressaltamos que o Termo de Parceria não se confunde com o contrato firmado com o órgão estatal -- que requer o procedimento licitatório -- em razão deste abranger posturas e interesses conflitantes. O Termo de Parceria, por outro lado, é resultado de interesses comuns, consolidando um acordo de cooperação entre as partes signatárias.

A prestação de serviços das OCISPs, nos termos do art. 3º, da Lei nº 9.790/99, tem que ter como finalidade exclusiva o interesse público, atendendo as necessidades da coletividade, sempre objetivando o desenvolvimento social, humano e ético do país. Por sua vez, os contratos firmados entre particulares e órgãos ou entidades da Administração Pública – que estão sujeitos à Lei nº 8.666/93 --têm como objetivo a prestação de serviços “destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais” (art. 6, inc. II, da Lei n 8.666/93).

Somemos a isso o disposto no art. 24, inc. XXIV, da Lei nº 8.666/93 que registra ser dispensável a licitação para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas do governo, para atividades contempladas no contrato de gestão.

Portanto, reprisamos que a Lei nº 9.790/99, por regulamentar a Organização Civil de Interesse Público que tem como objetivo exclusivo a prestação de serviços sociais, criou o seu próprio método para firmar parceria com o órgão estatal, sendo certo que, enquanto os dispositivos dessa lei estiverem em vigor, a celebração do Termo de Parceria não impõe o prévio procedimento licitatório. O que gera essa confusão entre OSCIP e licitação, é que, infelizmente, nos dias atuais, algumas OSCIPs estão sendo criadas sem terem como objetivo primordial o de aprimorar as necessidades da sociedade -- atendendo exclusivamente aos interesses públicos -- mas tão somente para intermediação de mão-de-obra à Administração Pública.

________________________

¹guniversalização dos serviços, no respectivo âmbito de atuação das Organizações, somente será conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades:

I - promoção da assistência social;

II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;

III - promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei;

IV - promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei;

V - promoção da segurança alimentar e nutricional;

VI - defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável;

VII - promoção do voluntariado;

VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;

IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;

X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar;

XI - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais;

XII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo.

²REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro Setor Regime Jurídico das OSCIPS. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 139.

³ PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários. 4 ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 135

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