Silvia Ferreira
Persechini
Advogada, especialista em Direito de Empresas pela PUC/MG
e mestranda em Direito de Empresa pela na Faculdade de Direito Milton Campos
*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 06, em 05/09/2008
Atualmente,
há uma confusão generalizada sobre a dispensa ou não do procedimento licitatório
para as atividades desenvolvidas pelas OSCIPs. Para tentarmos esclarecer essa questão,
devemos, primeiramente, entender o que é OSCIP e verificar por meio de qual forma
legal esta Organização presta seus serviços aos órgãos estatais.
Verifica-se
que a Lei nº 9.790/1999 não definiu o que seria uma OSCIP, mas tão somente registrou
que, para se qualificar como tal, faz-se necessário o cumprimento dos requisitos
legais e a determinação de objetivos sociais ligados às finalidades discriminadas
no art. 3º desse ordenamento jurídico¹. Assim, o reconhecimento de uma pessoa jurídica
sem fins lucrativos, como OSCIP, é ato vinculado dos requisitos instituídos por
essa Lei.
Lado outro,
devemos destacar que as OSCIPs não agem no que é próprio do Estado e muito menos
o substituem. Essas organizações são criadas e administradas totalmente pelos particulares,
de acordo com as regras do Direito Privado, mas para prestarem serviços de interesses
públicos, atendendo à necessidade da coletividade.
Diante dessas
características, Luis Eduardo Regules (2006) define as OSCIPs como sendo “pessoas
jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, destinadas ao cumprimento de
serviços de interesse público, colaboradoras da ação estatal nas áreas sociais definidas
pela Lei 9.790/1999, criadas e geridas exclusivamente pelos particulares, qualificadas
e continuamente fiscalizadas pelo estado, sob a égide de regime jurídico especial
– adoção de normas de direito privado com as derrogações originárias do regime jurídico
de direito público”².
Para que as
OSCIPS possam executar os interesses públicos no Estado Social, a Lei nº 9.790/1999
inventou o chamado Termo de Parceria que, de acordo com José Eduardo Paes é o “instrumento
destinado à formação de vínculo de cooperação entre o poder público e as entidades
qualificadas como OSCIP para o fomento e a execução das atividades de interesse
público previstas no já referido art. 3. da referida lei”³.
Esse Termo
de Parceria será firmado entre Poder Público e a OSCIP, mediante modelo padrão próprio
do órgão estatal, no qual serão registrados os direitos, responsabilidades e obrigações
das partes signatárias.
O órgão estatal,
com o objetivo de escolher a OSCIP mais adequada para determinado tipo de prestação
de serviço, deverá submeter, antecipadamente, a celebração do Termo de Parceria
à consulta aos Conselhos de Políticas Públicas das correspondentes áreas de atuação
da entidade, nos respectivos níveis de governo.
A qualificação
de uma pessoa jurídica sem fins lucrativos como OSCIP não significa que essa Organização
irá receber recursos públicos. Uma OSCIP se torna parceira de um órgão estatal mediante
(i) vontade do parceiro proponente -- o órgão estatal tem interesse em promover
a parceria para a realização de projetos; (ii) concursos de projetos (arts. 23 a
31, do Decreto nº 3.100/1999) – o órgão estatal irá indicar áreas de interesse para
parceria com OSCIP, podendo, para seleção, realizar concursos de projetos e (iii)
proposição própria – a própria OSCIP propõe a parceria por meio de projetos, de
acordo com as diretrizes e políticas do órgão estatal, demonstrado cabalmente o
interesse da coletividade e os benefícios para o público-alvo.
Diante disso,
percebemos que o Termo de Parceria criou uma forma própria -- diferente do procedimento
licitatório regulado pela Lei nº 8.666 de 1993 – para que a Organização Civil de
Interesse Público possa prestar seus serviços ao Estado. À simples leitura da Lei
nº 9.790/99 e do Decreto nº 3.100/99, verificamos que essa foi a intenção do próprio
legislador.
Nesse particular,
ressaltamos que o Termo de Parceria não se confunde com o contrato firmado com o
órgão estatal -- que requer o procedimento licitatório -- em razão deste abranger
posturas e interesses conflitantes. O Termo de Parceria, por outro lado, é resultado
de interesses comuns, consolidando um acordo de cooperação entre as partes signatárias.
A prestação
de serviços das OCISPs, nos termos do art. 3º, da Lei nº 9.790/99, tem que ter como
finalidade exclusiva o interesse público, atendendo as necessidades da coletividade,
sempre objetivando o desenvolvimento social, humano e ético do país. Por sua vez,
os contratos firmados entre particulares e órgãos ou entidades da Administração
Pública – que estão sujeitos à Lei nº 8.666/93 --têm como objetivo a prestação de
serviços “destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração,
tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação,
adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos
técnico-profissionais” (art. 6, inc. II, da Lei n 8.666/93).
Somemos a isso
o disposto no art. 24, inc. XXIV, da Lei nº 8.666/93 que registra ser dispensável
a licitação para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações
sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas do governo, para atividades
contempladas no contrato de gestão.
Portanto, reprisamos
que a Lei nº 9.790/99, por regulamentar a Organização Civil de Interesse Público
que tem como objetivo exclusivo a prestação de serviços sociais, criou o seu próprio
método para firmar parceria com o órgão estatal, sendo certo que, enquanto os dispositivos
dessa lei estiverem em vigor, a celebração do Termo de Parceria não impõe o prévio
procedimento licitatório. O que gera essa confusão entre OSCIP e licitação, é que,
infelizmente, nos dias atuais, algumas OSCIPs estão sendo criadas sem terem como
objetivo primordial o de aprimorar as necessidades da sociedade -- atendendo exclusivamente
aos interesses públicos -- mas tão somente para intermediação de mão-de-obra à Administração
Pública.
________________________
¹guniversalização dos serviços, no respectivo âmbito de atuação
das Organizações, somente será conferida às pessoas jurídicas de direito privado,
sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das seguintes
finalidades:
I - promoção da assistência social;
II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e
artístico;
III - promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de
participação das organizações de que trata esta Lei;
IV - promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação
das organizações de que trata esta Lei;
V - promoção da segurança alimentar e nutricional;
VI - defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento
sustentável;
VII - promoção do voluntariado;
VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;
IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de
sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;
X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria
jurídica gratuita de interesse suplementar;
XI - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia
e de outros valores universais;
XII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção
e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito
às atividades mencionadas neste artigo.
²REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro Setor Regime Jurídico das OSCIPS. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 139.
³ PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social:
aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários. 4 ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 135
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