Isabela Mello
da Mata
Advogada, pós-graduanda em
Direito Tributário pela Faculdade Milton Campos
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 08, em 24/10/2008
Planejamento tributário é a estruturação dos negócios de uma
determinada pessoa (física ou jurídica) com o intuito de suportar a menor carga
tributária possível, dentro dos ditames legais. Em outras palavras, a premissa
do planejamento tributário é que seja escolhido o melhor caminho para se chegar
ao fim almejado, qual seja, economia de tributo.
Mas, o que diferenciaria a economia lícita da ilícita? Bem, a
melhor diferenciação, neste caso, baseia-se em alguns critérios. O primeiro e
mais antigo é o critério cronológico, segundo o qual só se tem elisão fiscal
quando o ato praticado para economizar o tributo se verifica antes da
ocorrência do fato gerador. Já a evasão é concomitante ou posterior à
ocorrência deste. Porém, este critério não é absoluto, já que em alguns casos
pode-se verificar que o ato praticado visando à economia dá-se antes mesmo da
ocorrência do fato gerador. Um segundo critério seria a licitude dos meios
utilizados, adotado internacionalmente para a diferenciação entre elisão e
evasão fiscal. O International Bureau of Fiscal Documentation (IBFD) afirma que
a elisão fiscal é a redução dos encargos tributários por meios legais, ao passo
que a evasão é a redução de tributos obtida por meios ilícitos. É, portanto, a
junção destes dois critérios que permitirá aferir-se se determinada operação
consiste em elisão ou evasão fiscal.
Os Planejamentos tributários sempre foram objeto de grandes
disputas entre contribuintes e fiscos, e, há algum tempo os tribunais
administrativos vinham vedando os planejamentos que tinham como objetivo único
e exclusivo a diminuição do recolhimento de tributo ao erário. Isto, com base
na doutrina oriunda do Direito Anglo Saxão, pela utilização do conceito business
purpose test, que pode ser definido como o teste que verifica, por meio do
critério jurídico de abuso de direito ou de formas, se o negócio ou ato
praticado possuía finalidade única de afastar, reduzir ou retardar a incidência
de tributos. Ou seja, além da economia de tributos é necessário haver o
interesse negocial.
Nestes casos, a autoridade administrativa, com o intuito de
coibir a evasão fiscal, descaracteriza os atos ou negócios jurídicos praticados
que, de alguma forma, dissimulam o fato gerador do imposto, eis que o
procedimento carece de interesse negocial.
Vários doutrinadores brasileiros já se manifestaram contra
este entendimento, vejamos:
Sacha Calmon, transcrevendo os artigos 109, 110 e 118 do
Código Tributário Nacional assevera:
‘Art. 109 – Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para a definição dos respectivos efeitos tributários.’ (destacamos)‘Art. 110 – A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.’‘Art. 118 – A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelo contribuinte, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos.II – dos efeitos efetivamente ocorridos."Dos textos acima transcritos infere-se que: os princípios gerais do Direito Privado prevalecem para a pesquisada da definição, do conteúdo e do alcance dos institutos de Direito Privado, de tal sorte que ao aludir a tais institutos sem lhes dar definições próprias para efeitos fiscais (sujeito à limitação do artigo 118), o legislador tributário ou o aplicador ou intérprete da lei tributária deverá ater-se ao significado desses princípios como formulados no Direito Privado, mas não para definir efeitos tributários de tais princípios; exemplo: se a lei tributária é silente na matéria, e apenas alude, como elemento de conexão ou gênese de obrigação tributária a ‘titularidade dominial’ prevalece, para caracterizar a situação que ele definiu, o conceito privatístico de titularidade dominial.(...)Absurdo é, ao que penso, dizer que para efeitos tributários pode ser abusivo o recurso a formas de Direito Privado que neste campo são legítimas, pois a abusividade não decorre da prescrição legal, senão, e apenas, da convicção de algum agente da Administração Pública ou de magistrado de que o legislador teria querido dizer, ao expedir a lei, muito mais que efetivamente disse. É claro que a realidade econômica se apresenta como pressuposto lógico relevante dos tributos, mas só é presente na obrigação tributária se tiver sido jurisdicizado pela lei, dado o princípio da legalidade." (COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999)
Sampaio Dória, assim afirma:
"Não cremos que seja o momento para desenvolvermos uma crítica a teoria da interpretação econômica. O problema desta teoria, a nosso ver, é que ela é exatamente imprecisa e ambígua, oferecendo uma latitude de ação ao intérprete de tal amplitude que o converte em legislador. No direito brasileiro o tributo só decorre da lei. Se o intérprete ou o aplicador da lei puder ter essa ação, ele estará invadindo uma esfera de competência legislativa.Em segundo lugar, essa teoria é muito ambígua no que seja o conceito de identidade de efeitos econômicos. Os efeitos econômicos reduzem-se a certas formas de exteriorização de renda: a renda auferida, a renda despendida e a renda poupada. Se os tributos forem definidos em função apenas do seu substrato econômico, reduzir-se-ão a três ou quatro tributos, quando na realidade todos os ordenamentos positivos, na maioria dos casos, seguiam não pela realidade econômica subjacente, mas pela exteriorização formal desses fenômenos econômicos.Em terceiro lugar e último – e nos parece um argumento bastante importante, não se vê por que se deva tanto presumir que o legislador, quando indicou uma certa fórmula jurídica como tributável, tivesse pretendido tributar todas as outras fórmulas jurídicas análogas, isto é, fórmulas que permitissem atingir o mesmo resultado econômico, quando ele poderia, facilmente, indicar essa intenção, se quisesse. O que torna legítima a adoção de uma forma jurídica menos onerosa é, justamente, o direito fundamental, garantido em sede constitucional, da preservação da propriedade."( SAMPAIO DÓRIA, Antônio. Elementos de Direito Tributário, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1978, páginas 447-459)
Conforme afirmado alhures, quando da análise dessas
operações, o Fisco procura demonstrar que o procedimento adotado é artificial,
fraudulento e/ou simulado, porquanto sua aplicação enseja decréscimo de imposto
a ser recolhido e gera, por decorrência lógica, uma economia para o
contribuinte.
Este entendimento, entretanto, ignora que os atos praticados
pelo contribuinte, respaldados na legislação comercial/societária, não podem
ser considerados fraudulentos ou simulados em razão de lhes faltar propósito
negocial.
Exatamente neste sentido, o Primeiro Conselho de
Contribuintes assentou posicionamento de que inexiste simulação quando uma
empresa desmembrar suas atividades, antes desenvolvidas por uma única empresa,
de modo a racionalizar sua operacionalização, bem como reduzir a carga
tributária.
Neste sentido, o Acórdão 103-23357, cuja ementa se transcreve
a seguir:
“SIMULAÇÃO – INEXISTÊNCIA – Não é simulação a instalação de duas empresas na mesma área geográfica com o desmembramento das atividades antes exercidas por uma delas, objetivando racionalizar as operações e diminuir a carga tributária.”
Cumpre destacar que a implementação de Planejamento
Tributário ocorre, em sua maioria, através de procedimentos atinentes a cisão e
a incorporação de empresas, operações que muitas vezes ocorrem simultaneamente.
Note-se que o Acórdão em comento demonstra o entendimento, ao
menos de parte do Conselho, de que agindo a empresa objetivando racionalizar
suas operações e ainda diminuir a sua carga tributária não fica caracterizada a
simulação, pois plenamente viável a utilização pelo contribuinte de atos
respaldados pela legislação comercial/societária, desde que tais atos
correspondam à realidade implementada na empresa.
Ressalta-se aqui, a importância da correspondência da
realidade societária com os atos praticados com intuito de implementação de
planejamento tributário. Isto porque, torna claro o propósito negocial buscado
pelo Conselho, ou ao menos, a intenção do mesmo, inviabilizando a alegação de
negócio fraudulento ou simulado.
Cita-se o artigo 131 do já revogado Código Comercial para
ilustrar a presente afirmação:
“Art. 131 - Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases:(...)3 - o fato dos contraentes posterior ao contrato, que tiver relação com o objeto principal, será a melhor explicação da vontade que as partes tiverem no ato da celebração do mesmo contrato; (..)”
Baseado neste entendimento, conclui-se que há
chances de êxito para adoção do procedimento de segregação das atividades da
empresa, porém este fica condicionado às peculiaridades do caso concreto, vez
que, apesar de a matéria ainda não ter jurisprudência administrativa/judicial
definidas, não havendo simulação, correspondendo a operação societária à
realidade implementada pela empresa, têm-se argumentos de defesa consistentes,
sendo, portanto, possível este tipo de Planejamento Tributário. Ademais,
ressalta-se que a legislação tributária brasileira não veda a implementação de
planejamentos tributários lícitos, ainda que com o único objetivo de economia
de tributos.
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