Patrícia
Rosendo de Lima Costa
Advogada, bacharelada em
Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 05, em 11/08/2008
Inicialmente apresentados no ordenamento jurídico pátrio
através da Lei 7.244/84, os “Juizados de pequenas causas” foram definitivamente
incorporados à Constituição da República em 1988, no artigo 98, cujo teor
dispõe: “ A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I- juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos,
competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de
menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os
procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a
transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau”.
Criados com intuito de levar aos cidadãos a efetiva tutela
jurisdicional e o acesso à justiça, os Juizados Especiais se pautam pelos
princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e
celeridade. Buscam, primordialmente, a conciliação.
Algo intrigante tem acontecido no dia-a-dia dos Juizados. O
devido processo legal tem sido preterido à informalidade e oralidade dos
juizados de forma indiscriminada. Frise-se que não se trata de maioria, porém
algumas decisões têm demonstrado certa dificuldade no que tange à aplicação
conjunta dos princípios utilizados pela Lei 9.099/95 e as regras processuais
civis já existentes.
Segundo Hermano Devis Enchandia (Teoria General del Processo,
tomo I, Buenos Aires: Editorial Universidad, 1984), renomado processualista
colombiano, o Direito Processual é “o ramo do Direito que estuda o conjunto de
normas e princípios que regulam a função jurisdicional do Estado em todos os
seus aspectos e que, portanto, fixam o procedimento que se há de seguir para
obter a atuação do direito positivo nos casos concretos, e que determinam as
pessoas que devem submeter-se à jurisdição do Estado e os funcionários
encarregados de exercê-la”.
Destaca Enrico Tellio Liebman que o Direito Processual é o
“ramo do Direito destinado precisamente à tarefa de garantir a eficácia prática
e efetiva do ordenamento jurídico, instituindo órgãos públicos com a
incumbência de atuar essa garantia e disciplinando as modalidades e formas da
sua atividade” (Manual de Direito Processual Civil, vol. I, trad. Brás. De
Cândido Rangel Dinamarco, Rio de janeiro: Forense, 2 ed., 1985).
Nota-se que o Direito Processual foi criado justamente para
assegurar o cumprimento das normas. Pode-se dizer que o processo é a forma que
o Estado tem de garantir a seus cidadãos a aplicação das regras estabelecidas
por eles mesmos, é o que garante a manutenção do Estado Democrático de Direito.
Contudo, não raras as decisões em sede de juizados especiais
cíveis que desconsideram indistintivamente as normas processuais sob o
fundamento de aplicação da informalidade, oralidade e celeridade.
Tem-se como exemplo decisão dando provimento a pedidos
iniciais firmada única e exclusivamente na presunção de veracidade do
depoimento pessoal da própria parte interessada, em desfavor do depoimento em
contrário da parte adversa. Ora, a boa-fé se presume para ambos os lados, desta
forma, seria a palavra do autor contra a palavra do réu ou vice e versa.
Insurge-se aqui apenas contra os abusos. Tem-se constatado a
distorção da aplicação dos princípios da oralidade, simplicidade e
informalidade para se chegar, indiscriminadamente, ao provimento do pedido da
parte tida como fraca. Contudo, a aplicação da equidade não necessariamente
quer dizer supressão do Direito Processual.
É preciso repensar a aplicação de tais princípios. Antes não
houvesse a possibilidade de ingressar em juízo sem a assistência de advogado.
Mas, a partir do momento que em que o Estado facultou ao cidadão pleitear
direitos sem amparo de profissional habilitado, não pode compensar a falta de
conhecimento técnico jurídico da parte com a procedência do pedido em si,
impingindo à parte adversa tratamento diferenciado em relação às leis
processuais.
Não se critica aqui o rito especial criado para atender aos
objetivos dos juizados. Ao contrário, aponta-se como indevida apenas a ausência
de critérios para julgamento de tais causas tidas como simples e financeiramente
pouco expressivas.
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