Ana Carolina
Barbosa
Advogada, especialista em Direito Tributário pelo CAD
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 07, em 03/10/2008
Visando satisfazer um antigo anseio dos contribuintes
exportadores, a Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001,
acrescentou 3 parágrafos ao art. 149 da Constituição Federal, e é o §2º que nos
interessa:
“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. (...) § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;”
O constituinte derivado visou, com a nova imunidade,
desonerar os exportadores do pagamento das contribuições fomentando as
operações de comércio exterior, fazendo com que os produtos de origem
brasileira atingissem o mercado
internacional com preços menores, e consequentemente mais competitivos.
A referida imunidade passou a integrar as legislações de
cobrança do PIS e da COFINS, apesar da desnecessidade deste tratamento por
norma hierarquicamente inferior. Mas a Secretaria da Receita Federal do
Brasil tem mantido o entendimento de que a Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido - CSLL não estaria compreendida no rol de contribuições sociais que não
mais podem incidir sobre as receitas advindas de exportações.
Este entendimento restritivo levou as empresas exportadoras
ao Poder Judiciário, e até recentemente, os Tribunais Regionais pátrios se
posicionavam de maneira contrária aos contribuintes, acatando a tese do Fisco
Federal, no sentido de que somente as contribuições que têm como base de
cálculo receitas, teriam sido alcançadas pela imunidade.
Em 17 setembro de 2007, o Plenário do Supremo Tribunal
Federal deferiu Medida Cautelar em Ação Cautelar nº 1.738-6 São Paulo,
concedendo efeito suspensivo ao Recurso Extraordinário da EMBRAER – Empresa
Brasileira de Aeronáutica S/A, que visa questionar a impossibilidade de
incidência da CSLL sobre as receitas advindas de exportações, após 12 de
dezembro de 2001, com a imunidade instituída pela Emenda Constitucional nº
33/2001.
O acórdão é de relatoria do Ministro Cezar Peluso, assim
ementado:
“EMENTA: TRIBUTO. Contribuição Social sobre Lucro Líquido - CSLL. Incidência sobre as receitas e o lucro decorrentes de exportação. Inadmissibilidade.
Ofensa aparente ao disposto no art. 149, § 2º, inc. I, da CF, incluído pela Emenda Constitucional nº 33/2001.Pretensão de inexigibilidade. Razoabilidade jurídica, acrescida de perigo de dano de repação dificultosa. Efeito suspensivo ao recurso extraordinário admitido na origem. Liminar cautelar concedida para esse fim. Aparenta ofender o disposto no art. 149, § 2º, inc. I, da Constituição da República, incluído pela Emenda nº 33/2001, a exigência da Contribuição Social sobre Lucro Líquido - CSSL calculada sobre as grandezas específicas que decorram de receitas de exportação.” (AC-MC 1738 / SP - SÃO PAULO" MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO CAUTELAR Relator(a): Min. CEZAR PELUSO. Julgamento: 17/09/2007, Órgão Julgador: Tribunal Pleno. DJ 19-10-2007, PP-00027, EMENT VOL-02294-01, PP-00109)
Da simples leitura do acórdão é possível verificar que os
principais pontos do questionamento aqui exposto foram devidamente apreciados
pelos Ministros.
- a abrangência da regra imunitória:
“3. A Emenda Constitucional nº 33, em 12 de dezembro de 2001, modificou o texto do art. 149 da Constituição da República, afastando, no §2º, inciso I, sobre as receitas decorrentes de exportação, incidência de todas as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, entre as quais a de que cuida esta ação, a CSLL.
Tal imunidade implicou em verdadeira limitação ao poder de tributar, com estender, sem restrição nem distinção alguma, o campo da não-incidência ou da incompetência tributária às “receitas decorrentes de exportação”, genericamente consideradas, as quais já não podem ser alvo de contribuições sociais de nenhuma espécie, quer incidam, formal e nominalmente, sobre a receita (art. 195, inc. I, “b”, como o PIS/COFINS), quer atinjam o lucro (195, I , “c”)” (p. 4 e 5)
- o conceito de lucro sendo inseparável do de receita
“O lucro, portanto, embora se não confunda com a receita, desta depende estruturalmente,
como uma elaboração do seu conceito mesmo:
“ao referir-se a lucro, a Constituição, em seu artigo 195, I, c, quis que a contribuição ali prevista recaia sobre um resultado final, que leve aem conta as receitas da pessoa jurídica, ajustadas pelos ditames legais acima apontados. Em suma, que leve em conta modalidade qualificada de receita. Mas sempre receita.”.
A base de cálculo da CSLL compõe-se, portanto, de elemento econômico haurido, diretamente, das receitas de exportação, de modo que, imunes estas, não há como aproveitá-las na definição da base de calculo e da própria hipótese de incidência (fattispecie) daquele tributo. Inconcebível admitir-se a existência de receitas de exportação “redividas”, que, resgatadas da zona inerte da imunidade, pudessem integrar, a final, elementos da regra matriz de incidência da CSLL.” (p. 115)
- a necessidade da interpretação extensiva para impedir a
inocuidade da regra constitucional
“O raciocínio afigura-se irrefutável. Ao estatuir a imunização das “receitas decorrentes de exportação”, a Emenda Constitucional nº 33/01 não lhe ressalvou nem distinguiu nenhuma modalidade de contribuição social. Daí, aparecer, quando menos neste juízo provisório, de todo ilegítima a restrição hermenêutica fazendária, segundo a qual a imunidade alcançaria apenas as contribuições previstas no art. 195, I, “b”, que aludem, nominalmente, ao termo “receita”
Exegese menos forçosa do regramento constitucional-triutário deixa evidente que o texto do art. 149, no qual se introduziu a norma imunizante, cuida, in genere, das contribuições todas de competência da União (p. ex. sociais, CIDE, no interesse de categorias profissionais econômicas). Quase tão abrangente quanto o alcance do caput do artigo é seu §2º, inc. I, que enuncia: “as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: i – não incidirão sobre receitas decorrentes de exportação.”Não precisa, pois, grande esforço por ver, logo, que o preceito da imunidade tende a excluir toda receita decorrente de exportação à incidência de quaisquer contribuições sociais e da CIDE. Não se atém, como o exigiria a disposição expressa ou outra razão perceptível, às contribuições que tomem por base de cálculo nominal “receitas”, pressupondo, antes, raciocínio inverso, o de que são as “receitas de exportação” que não podem sofrer incidência de contribuições sociais, inclusive a do art. 195, inc. I, “c” e da CIDE. A intuitiva racionalidade da Emenda nº 33/01, inequivocamente relacionada à política de desoneração das exportações, tendo em vista o princípio da neutralidade fiscal internacional, confirma o largo e incondicional objetivo da norma de imunidade, desacreditando interpretações que pudesse culminar na tributação de receitas de exportação por CSLL.”
O entendimento não foi isolado, tendo-se repetido na Ação
Cautelar nº 1.980, em decisão do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito,
vejamos:
“Destaco, inicialmente, que esta Corte ainda não se pronunciou quanto à questão posta nestes autos, tendo o Ministro Marco Aurélio determinado o sobrestamento do RE nº 518.532/RJ até o julgamento dos Recursos Extraordinários nºs 462.298-0/PR e 471.287-3/RS, que tratam da legitimidade da exigência da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) incidente sobre a receita decorrente de exportação. Em caso semelhante, o Tribunal Pleno concedeu liminar para conferir efeito suspensivo ao recurso extraordinário, estando o acórdão assim ementado:
“TRIBUTO. Contribuição Social sobre Lucro Líquido – CSLL. Incidência sobre as receitas e o lucro decorrentes de exportação. Inadmissibilidade. Ofensa aparente ao disposto no art. 149, § 2º, inc. I, da CF, incluído pela Emenda Constitucional nº 33/2001. Pretensão de inexigibilidade. Razoabilidade jurídica, acrescida de perigo de dano de reparação dificultosa. Efeito suspensivo ao recurso extraordinário admitido na origem. Liminar cautelar concedida para esse fim. Aparenta ofender o disposto no art. 149, § 2º, inc. I, da Constituição da República, incluído pela Emenda nº 33/2001, a exigência da Contribuição Social sobre Lucro Líquido – CSSL calculada sobre as grandezas específicas que decorram de receitas de exportação” (AC 1.738-MC/SP, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJ de 19/10/07).Com relação ao recolhimento da CSLL, portanto, presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, ressaltando-se o argumento da requerente, à fl. 10, de que a cobrança da contribuição, cuja constitucionalidade está sendo questionada nesta Corte, implicará transtornos ao exercício regular de suas atividades.”
Os Recursos Extraordinários nºs. 462.298 e 471.287 sob a
relatoria do Ministro Marco Aurélio ainda não foram julgados, mas o Supremo
Tribunal Federal já deu indícios de que repudiará as cobranças perpetradas pela
Secretaria da Receita Federal do Brasil.
O entendimento já tem sido seguido pelos Tribunais Regionais
Federais, de modo que entendemos que a tese possui grandes chances de êxito, e
que as empresas poderão excluir da base de cálculo da CSLL, as receitas
decorrentes de exportações.
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