Bernardo José
Drumond Gonçalves
Advogado, especializando em
direito processual pelo IEC – Instituto de Educação Continuada - da PUC/MG,
Professor de Direito Civil da Unifenas-BH
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 08, em 24/10/2008
Pode ser observado nos últimos anos uma crescente demanda do
número de pesquisas clínicas com seres humanos. Estima-se que mais de dez mil
estudos estão sendo realizados no Brasil, sendo que setenta por cento estariam
focados em São Paulo¹.
Sabe-se que a Declaração de Genebra da Associação Médica Mundial compromete os médicos com as seguintes palavras: “A Saúde do meu paciente será minha primeira consideração” e o Código de Ética Médica Internacional declara que “um médico deve agir somente no interesse do paciente quando fornecer cuidados médicos que talvez possam prejudicar a condição física e mental do paciente”.
O bom senso do pesquisador de conciliar os procedimentos
corretos e os princípios éticos com a oportunidade de uma evolução
técnico-científica implica jamais colocar em detrimento a pessoa pesquisada
diante das circunstâncias.
Tanto quem se submete à pesquisa quanto quem aguarda os
avanços podem ser considerados como pacientes, em sentido estrito, sendo que
ambos estão adstritos aos limites da medicina, mas o pesquisado é o meio pelo
qual um fim poderá significar o avanço.
Cumpre verificar a real necessidade da utilização de seres
humanos face à opção mais conveniente de se utilizar animais, seja para o
descobrimento de curas, aprofundamento das práticas atualmente utilizadas,
melhoria dos procedimentos profiláticos, diagnósticos terapêuticos ou, ainda,
para entender a etiologia, assim como a patogênese da doença.
Isso, porque toda pesquisa apresenta um sério grau de risco
iminente. Portanto, havendo uma alternativa suficientemente eficaz, não há
razões para que pessoas sejam submetidas a tais procedimentos, pois o bem estar
dos seres humanos envolvidos numa experiência científica deverá prevalecer
sobre os interesses da ciência e sociedade.
Diante dessa concepção, só é aceitável uma pesquisa
científica quando ela responde preliminarmente às conveniências do diagnóstico
e da terapêutica do próprio experimentado, a fim de estabelecer sua saúde ou
minorar seu sofrimento. Qualquer pesquisa sem as considerações desses
interesses é condenável.
No que concerne à regulamentação vigente, há um rol de
Códigos, Declarações, Leis, Resoluções, Portarias e regras internacionais de
Boas Práticas Clínicas capazes de proporcionar um embasamento jurídico hábil a
fim de evitar que equívocos nesse particular sejam cometidos.
Uma das mais antigas normatizações vigentes que tratam a
respeito é o Código de Nuremberg (1947), que, diante das atrocidades
experimentais em seres humanos ocorridos no período da Segunda Guerra Mundial
tratou da relação ser humano e pesquisador, com o propósito de tornar o
consentimento do paciente embasado num esclarecimento profundo, estabelecendo
que as pessoas, ao aderirem a um projeto de pesquisa como objeto da mesma,
deverão ser legalmente capazes de dar consentimento, exercendo livre direito de
escolha sem qualquer intervenção de elementos de força, fraude, coação, astúcia
ou constrangimento.
No entanto, considerando a pessoa “livre” para consentir,
cabe ao médico, também, consentir em adotar os procedimentos padrões adequados,
mesmo que com riscos possíveis, mas com
responsabilidade e comprometimento aliados ao escopo de se chegar à meta
almejada, sem comprometer a vida do paciente.
Sob alguns pontos de vista, ao contemplar a experiência
científica no ser humano, a Declaração de Helsinki (1964) e as “diretrizes
internacionais propostas para a pesquisa biomédica em seres humanos”,
percebe-se um aspecto claro da questão: a experiência é admissível somente
quando representa ato médico, dentro da atenção médica. Isso significa que, no
lugar de Comissão de Ética, ao lado do sujeito passivo da experiência, deve
estar o seu médico assistente, como guardião competente, legítimo e confiável
de sua saúde.
Se na experiência tudo tiver sido feito em conformidade com
as deliberações do médico assistente, tudo terá sido feito em harmonia com os
princípios básicos da Medicina, em nome do próprio paciente. Assim, uma
experiência lícita e ética. Do contrário, ela constituirá violência, ao
desconsiderar o “consentimento voluntário” do paciente, pelo que será insuficiente
o acordo do paciente com a proposta da pesquisa, abrangendo seus riscos
inerentes.
O Código de Ética Médica, em seu artigo 122, proíbe os
médicos de participarem de alguma experiência com seres humanos, desde que seja
com fins bélicos, políticos, raciais ou eugênicos. Portanto, essas
investigações não podem ser instrumentos de exclusão ou eliminação de pessoas,
mas justamente fazer com que a sobrevivência das mesmas se perfaça diante de
patologias e métodos prejudiciais.
O resultado, por melhor que seja para o campo
biomédico-científico, não justificaria o sacrifício extremo numa pesquisa.
Sabe-se que qualquer exame de maior complexidade envolve risco, advindo das
circunstâncias radioativas, químicas, ou melhor, fisiologicamente prejudiciais
à saúde. Baseando-se nessa prerrogativa, é que se embasa o consentimento do
paciente. Não somente do resultado benéfico deverá constar o termo, mas também
dos riscos maléficos que as conseqüências irão proporcionar.
Ressalte-se que tanto o médico, quanto a instituição fornecedora
de materiais, aparelhagens e local para realização da pesquisa, assim como o
patrocinador podem ainda ser responsabilizados pelos danos causados, sobretudo
porque é inadmissível a remuneração pela participação em pesquisa. A Resolução
196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde, em plena
vigência, aprovou diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo
seres humanos, adotando em suas definições que o participante pesquisado deverá
ser voluntário, sendo que é vedada remuneração pelo feito. É evidente que, na
hipótese de haver despesas ou danos causados, ter-se-á um ressarcimento como
forma de cobrir toda e qualquer dano cometido.
Quanto aos aspectos éticos, há que se ressaltar, a priori,
o consentimento livre e esclarecido do indivíduo-alvo, de acordo com o artigo
123 do Código de Ética Médica, assim como a devida proteção a grupos
vulneráveis ou incapazes legalmente, sendo representados ou assistidos por seus
representantes legais ou entidades protetoras, no caso dos silvícolas, por
exemplo.
Os procedimentos, além de fornecerem segurança, deverão
seguir algumas exigências determinadas pela Resolução 196/1996. O fato da
pesquisa ser fundamentada na experimentação prévia realizada em laboratórios,
animais ou outros fatos científicos é indispensável, uma vez que os caminhos a
serem adotados deverão ser de cunho preciso, com o propósito evidente de se
evitar danos previsíveis.
Decerto que a pesquisa também deverá assegurar a
confidencialidade e a privacidade do paciente, assim como a proteção da imagem
e a não estigmatização, ou seja, deixando uma “marca” na pessoa, procurando
garantir a auto-estima, mesmo porque, o nível de exposição já é extremamente
considerável, o que torna dispensável outros níveis de desgaste psicológico.
Deve-se, ainda, assegurar a inexistência de conflito de
interesses entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa ou patrocinador do
projeto, o que compete ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), mediante análise
prévia das razões.
Pormenorizando as formalidades do consentimento expresso, a
regulamentação enumera alguns requisitos para conferir-lhe validade, como
linguagem acessível para leigos. Deve constar, ainda, a justificativa, os
objetivos, os desconfortos, riscos possíveis e procedimentos escolhidos, assim
como métodos alternativos, não necessariamente em termos técnicos, mas de
maneira superficial, desde que temas prejudiciais não sejam omitidos, sob pena
de indeferimento pelo CEP - Comitê de Ética em Pesquisa.
É importante frisar que o consentimento poderá ser revogado
em qualquer fase da pesquisa, porém sem caráter retroativo, sem penalização
alguma e sem prejuízo ao seu cuidado por já ter sido iniciado. Em se tratando
de dados pessoais envolvidos na pesquisa, rege-se pela garantia do sigilo. Deve-se
ainda estabelecer as formas de indenização diante de eventuais danos
decorrentes, por mais que os mesmos sejam imprevisíveis ao tempo da pesquisa, o
que é irrenunciável.
O protocolo compreende a apresentação do projeto com
exposição clara de seus objetivos e perfil do sujeito da investigação ao Comitê
de Ética em Pesquisa para apreciação, que deverá encaminhar à Comissão Nacional
de Ética em Pesquisa (Ministério da Saúde) e fazer seu pronunciamento
autorizando ou não o início da pesquisa. Deve-se fazer um detalhamento dos
recursos financeiros envolvidos, abrangendo a fonte, forma e valor de
remuneração do pesquisador e outros recursos humanos, gastos com
infra-estrutura, impacto na rotina do
serviço de saúde da instituição onde se realizará e qualificação dos Centros de
Pesquisa envolvidos no estudo, assim como as qualificações dos investigadores
responsáveis.
Hipoteticamente, qualquer cidadão poderá vir a ser um sujeito
de pesquisa, desde que seja adequadamente esclarecido sobre todos os aspectos
envolvidos, como procedimentos adotados, pelos quais será submetido, possíveis
riscos, direitos que lhe são garantidos, deveres como participante e qual
acordo deverá subscrever para convalidar sua situação.
Ao serem publicados os resultados da pesquisa, autores e
editores têm obrigações éticas, devendo preservar a precisão dos feitos.
Resultados tanto positivos, quanto negativos, devem ser publicados ou, caso
contrário, devem estar disponíveis para publicação. As fontes de financiamento,
afiliações institucionais e quaisquer conflitos de interesse devem ser também
declarados. Tamanha exigência justifica-se pela necessidade de evitar-se que
erros cometidos sejam repetidos.
Tanto os ônus quanto os benefícios advindos do processo de
investigação e dos resultados da pesquisa devem ser distribuídos de forma justa
entre as partes envolvidas, e devem estar explicitados no protocolo, ou seja,
previamente determinados, de acordo com a Resolução 292, de 08 de julho de
1999.
A lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula os direitos
e obrigações relativos à propriedade industrial, trata em seu artigo 10º,
inciso VIII, das técnicas, métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos
terapêuticos ou de diagnósticos para a aplicação no corpo humano ou animal, não
considerando como invenção nem modelo de utilidade passíveis de
patenteabilidade.
Já existem, no Brasil, Certificados que fornecem “Selos de
Qualidade em Pesquisa Clínica”, o que certamente permite a interessados, como
patrocinadores, editoras e profissionais clínicos, identificar os Centros de
Pesquisa que atuam dentro dos critérios éticos e técnicos exigidos pelas
normatizações nacionais e internacionais aplicáveis, permitindo níveis de
aplicabilidade de confiança para quem é pesquisado, segurança para quem investe,
assim como respaldo para quem reputa seu projeto. De certa forma, leva à uma
exclusão para os grupos que ainda não se adaptaram ou não se atentam para
detalhes como esses, mas que, para quem se foca num padrão de excelência a fim
de conciliar informações precisas com procedimentos corretos, considera-se de
cunho fundamental a aquisição de um reconhecimento pela busca da credibilidade.
BIBLIOGRAFIA
DE FRANÇA, Genival Veloso, Comentários
ao Código de Ética Médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite
Santos, Biodireito. Ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: RT, 2001
DE FREITAS, João, Bioética. Belo
Horizonte: Interlivros jurídica, 1995
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¹Fonte: Conep, Anvisa – 2001
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