Stanley Martins
Frasão¹ e Thomaz Carneiro Drumond²
¹Advogado, mestre em
Direito Empresarial pela Faculdade Milton Campos
²Graduando em Direito pela
Universidade Federal de Minas Gerais
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 04, em 16/07/2008
O passe livre constitui direito à gratuidade no transporte
coletivo, seja público ou privado. É um benefício concedido a certas categorias
de funcionários públicos que necessitam utilizar-se do transporte para a melhor
consecução de suas atividades, como carteiros e oficiais de justiça, sendo tal
gratuidade estendida, inclusive, aos portadores de necessidades especiais.
A lei orgânica do Município de Belo Horizonte (MG) dispõe
sobre o transporte público coletivo municipal e assim dispõe acerca das
garantias ao portador de qualquer deficiência:
“Art. 181 - O Município garantirá ao portador de deficiência, nos termos da lei:I - a participação na formulação de políticas para o setor;II - o direito à informação, à comunicação, à educação, ao transporte e à segurança, por meio, entre outros, da imprensa braile, da linguagem gestual, da sonorização de semáforo e da adequação dos meios de transporte;III - programas de assistência integral para o excepcionais não-reabilitáveis;IV - sistema especial de transporte para a freqüência às escolas e clínicas especializadas, quando impossibilitado de usar o sistema de transporte comum, bem como passe livre, extensivo, quando necessário, ao acompanhante.”
O Município de Belo Horizonte garante ao portador de
deficiência, qualquer que seja, o passe livre, sem qualquer condição ou
restrição. A lei orgânica municipal de Belo Horizonte não estabeleceu requisito
para a concessão do passe livre, devendo este benefício ser concedido a
qualquer cidadão considerado deficiente. Nesse contexto, há anos o Município de
Belo Horizonte vinha concedendo o passe livre aos cidadãos portadores de
necessidades especiais.
Contudo, em 10 de Fevereiro de 2008, a BHTRANS, por meio da
Portaria nº 025/2008, estabeleceu, dentre outros requisitos, que o deficiente,
para fazer jus ao benefício do passe livre, deverá ser considerado carente, com renda per capta
familiar não superior a 01 (um) salário mínimo. Até então, as portarias
editadas pela BHTRANS não estampavam qualquer requisito financeiro para a
concessão do passe livre aos deficientes.
O princípio da legalidade é norteador de toda a atuação do
Estado, devendo este ser submisso à lei, não podendo atuar em sobreposição ou
em contrariedade ao nela disposto.
As Instruções Normativas, assim como as Resoluções, Portarias, etc., são atos administrativos com
função de regulamentar texto legal, esclarecendo questões técnicas ou
precisando o sentido em que a lei deve ser interpretada. São instrumentos
normativos secundários, que visam nortear a aplicação legal. Não podem, jamais,
dispor contrariamente ou ir além do que diz a lei às quais são subordinadas,
sob pena de violarem o aludido princípio da legalidade, segundo o qual “ninguém
é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”,
art. 5º, inciso II, da Constituição Federal.
Nesse norte, não poderá o Poder Executivo municipal, nos
termos do que atualmente está disposto no art. 181, da Lei Orgânica de Belo
Horizonte/MG, criar novos requisitos não previstos em lei para a concessão do
passe livre, por meio de ato secundário, a Portaria, em patente contrariedade à
garantia da Lei Municipal.
Dessa forma, percebe-se que a Portaria da BHTRANS, como
posta, fere de forma frontal a legislação municipal, não podendo prevalecer a
necessidade de o portador de necessidade especial ter que comprovar ser
carente, qualquer que seja a renda mínima imposta como requisito. A Portaria
não pode criar condição que não decorre da lei, tampouco reduzir garantia por
esta estabelecida, devendo ser garantido o transporte público gratuito a
qualquer cidadão comprovadamente deficiente.
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