Ana Carolina
Barbosa
Advogada, especialista em
Direito Tributário pelo CAD
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 03, em 16/06/2008
A descoberta de novos campos de petróleo e gás natural no
Brasil e a alta nos preços destes recursos minerais no mercado internacional
têm impulsionado as empresas nacionais e estrangeiras a investirem no setor.
Estas condições atreladas à situação infindável de conflitos nos grandes países produtores e exportadores de petróleo aquece o mercado nacional e desvenda um novo perfil de investidores nas Rodadas de licitações da Agência Nacional de Petróleo, os consórcios formados por empresas nacionais.
Desde 1995, com a Emenda Constitucional nº 9/95, a União está
autorizada a conceder ou autorizar as pesquisas, a exploração de jazidas de
petróleo e gás natural, além da industrialização, importação e exportação dos
produtos derivados básicos e refinação do petróleo nacional ou estrangeiro,
atividades que eram de seu monopólio, e a regulamentação desta possibilidade se
deu com a Lei nº 9.478/97 (Lei do Petróleo), que dispôs:
“Art. 4º. Constituem monopólio da União, nos termos do art. 177 da Constituição Federal, as seguintes atividades:
I - a pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
II - a refinação de petróleo nacional ou estrangeiro;
III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem como o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e de gás natural.
Art. 5º. As atividades econômicas de que trata o artigo anterior serão reguladas e fiscalizadas pela União e poderão ser exercidas, mediante concessão ou autorização, por empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País.”
A alteração da Constituição Federal por meio de Emenda
Constitucional e a instituição da Agência Nacional do Petróleo com a
regulamentação do setor abriu a possibilidade das empresas privadas explorarem
um mercado que antes era exclusivo da Petrobrás.
Apesar da clara intenção do legislador constituinte em abrir
o mercado no setor, o baixo preço do petróleo na época e a necessidade de altos
investimentos na descoberta de novos campos de petróleo e gás natural anularam
qualquer intenção das empresas nacionais à época, mas hoje a situação
verificada é inversa.
Com a participação crescente das empresas nacionais na
exploração do petróleo e do gás natural, ficou clara a necessidade de adequação
da legislação fiscal sobre a matéria.
O Regulamento do Imposto de Renda – Decreto nº 3.000/99 traz
dispositivo claramente inconstitucional, in verbis:
“Art. 416. A Petróleo Brasileiro S.A. - PETROBRÁS poderá deduzir, para efeito de determinação do lucro líquido, as importâncias aplicadas, em cada período de apuração, na prospecção e extração de petróleo cru (Decreto-Lei nº 62, de 21 de novembro de 1966, art. 12).”
Há que se destacar a falha na redação do dispositivo que, por
ser posterior à Lei do Petróleo deveria manter coerência nos termos técnicos
utilizados, ou seja, prospecção e extração deveriam ser substituídos por
exploração e produção.
Mas o que mais surpreende é que o dispositivo somente garante
o direito à Petrobrás, de dedução das despesas para efeito de determinação do
lucro líquido, em flagrante afronta ao Princípio da Isonomia e da Livre
Concorrência.
Ora, a partir do momento em que possibilitou-se às empresas
nacionais serem concessionárias das atividades de pesquisa, exploração e
industrialização de petróleo e gás natural, e equiparou todas as
concessionárias no que diz respeito às obrigações, é inadmissível a
discriminação para fins tributários da Petrobrás.
A impossibilidade de tratamento tão desigual é garantia
constitucional, in verbis:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”(sem grifos no original)
Não há como se questionar que hoje todas as empresas
concessionárias dos serviços da União relacionados a petróleo são legalmente
equiparadas, não sendo justificável garantir-se à Petrobrás tratamento tão
vantajoso na apuração do Imposto de Renda devido.
A aplicação do Princípio da Igualdade pelo Supremo Tribunal
Federal mantém estreita vinculação com as finalidades estatais, de modo que
somente é considerado atentatório o tratamento diferenciado injustificadamente
entre os contribuintes¹.
O Supremo ainda não tem estabelecidos os critérios utilizados
para a aplicação do Princípio da Igualdade sob o aspecto de limitação ao poder
de tributar, mas pela análise das decisões verifica-se que o dispositivo do
Regulamento de Imposto de Renda seria facilmente questionado.
Não há justificativas plausíveis para se privilegiar a
Petrobrás, quando a intenção da União com a alteração da Constituição Federal e
a Lei do Petróleo foi exatamente incentivar os investimentos de empresas
nacionais na exploração e produção de petróleo e gás natural².
O tratamento diferenciado da Petrobrás ainda afronta o
Princípio da Livre concorrência, previsto na Constituição Federal em seu artigo
17, inciso IV:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
IV - livre concorrência;”
Diante do exposto, resta clara a inconstitucionalidade do
dispositivo e a necessidade de sua alteração pelo legislador, para permitir a
todas as empresas a dedução dos gastos exploratórios e de desenvolvimento no
momento de apuração do lucro líquido.
____________________________
¹ Recurso
Extraordinário nº 203.954-3-CE, Relator Ministro Ilmar Galvão, DJ 07.02.97
(Tribunal Pleno, maioria).
² De
acordo com a jurisprudência do STF, o tratamento diferenciado pode ser
justificado por fundamento constitucional, mas no presente caso o que se
verifica é exatamente o contrário. RE nº 236931-8-SP, Relator Ministro Ilmar
Galvão, DJ 10.08.99.
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