Orlando José de Almeida
Sócio Coordenador do Departamento Trabalhista, Pós-Graduado em
Direito Processual pelo IEC - Instituto de Educação Continuada da PUC/MG,
Diretor Jurídico da Fundamar , Membro do Comitê
Trabalhista e Previdenciário do CESA, Membro da Comissão de Estágio da OAB/MG.
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 03, em 16/06/2008
O jurista Manoel Antônio Teixeira Filho¹ ensina que a
denunciação da lide "traduz a ação incidental, ajuizada pelo autor ou
pelo réu, em caráter obrigatório, perante terceiro, com o objetivo de fazer com
que este seja condenado a ressarcir os prejuízos que o denunciante vier a
sofrer, em decorrência da sentença, pela evicção, ou para evitar posterior
exercício da ação regressiva, que lhe assegura a norma legal ou disposição do
contrato".
Por seu turno, estabelecem o caput e os incisos do artigo 70 do Código de Processo Civil:
Por seu turno, estabelecem o caput e os incisos do artigo 70 do Código de Processo Civil:
“Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:
I - ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção lhe resulta;II - ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em caso como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada;III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.”
De plano, deve ser observado que o caput do
dispositivo processual em comento reza que é obrigatória a denunciação nas
situações elencadas, sob pena de preclusão,
ressalvados, contudo, posicionamentos doutrinários diversos, como é o
magistério de Manoel Antônio Teixeira Filho² ao aduzir que "se a
denunciação não for efetuada, a parte, que a deveria ter realizado, não perderá
o direito de exercitar, mais tarde, em processo autônomo, a ação regressiva para
reembolsar-se do que teve de pagar, por força da sentença: perderá,
tão-somente, o benefício legal de munir-se, no mesmo processo em que a
intervenção de terceiro deveria ter ocorrido, de título executivo,
materializado na sentença que compôs a lide (CPC, art. 76)".
Entendemos que o manejo da medida processual deve ser
exercido logo na primeira oportunidade, evitando-se, assim, eventual alegação
de preclusão e a perda dos benefícios que a medida proporciona, especialmente
no que diz respeito à rápida entrega da prestação jurisdicional, o que traduz,
inevitavelmente, numa maior economia de atos processuais.
A aplicação do instituto na Justiça do Trabalho tem sido
palco de grandes controvérsias, sendo que considerável parte da doutrina, bem
como da jurisprudência de nossos Tribunais, continuam se posicionando na
direção da incompatibilidade do instituto no processo trabalhista.
Ressalte-se, no que se refere aos incisos I e II, do artigo
70 do CPC, a polêmica não atinge maiores proporções, porque a não utilização
dos mesmos no âmbito trabalhista é tranqüila.
No entanto, relativamente ao inciso III do mesmo dispositivo,
a controvérsia é acentuada e atual.
Luís Antônio Giampaulo Sarro e Márcio Alexandre Malfatti³
lembram:
“No âmbito da Justiça do Trabalho, contudo, a Doutrina e a Jurisprudência não são uniformes quanto à possibilidade de utilização da denunciação à lide. Sérgio Pinto Martins cita a opinião dos doutrinadores a respeito do tema: "Discute-se o cabimento da denunciação da lide no processo do trabalho, inexistindo unanimidade de posicionamento a respeito do tema. Na doutrina, Amauri Mascaro Nascimento (1991: 194), Carlos Coqueijo Costa (1977: 162) e Christóvão Piragibe Tostes Malta (1991: 228) admitem a denunciação da lide em casos em que se discuta a sucessão de empregadores, podendo o sucedido denunciar à lide o sucessor, se estiver obrigado pela lei ou pelo contrato a indenizar em ação regressiva o prejuízo decorrente da perda da demanda. José Augusto Rodrigues Pinto (1991: 193) entende cabível a denunciação da lide e a recomenda em razão da celeridade processual, todavia sob a forma voluntária. Seria, portanto, o caso da aplicação dos arts. 70 e ss.do CPC, em função da omissão da CLT sobre o tema e da compatibilidade da denunciação da lide com os princípios do processo do trabalho (art. 769 da CLT). Wagner Giglio (1984:124) e Manoel Antônio Teixeira Filho (1991: 215/20) entendem ser inaplicável a denunciação da lide no processo do trabalho, principalmente pelo fato da incompetência da Justiça do Trabalho para resolver a controvérsia entre o denunciante e o denunciado."
O principal fundamento para que não seja aplicado o
instituto, reside no fato de que trata-se de uma intervenção de terceiro,
incompatível com o processo do trabalho, considerando-se que seria necessário
estender a competência desta Justiça Especializada para dirimir litígios entre
empregadores. Relatam os defensores, ainda, que uma possível responsabilidade
regressiva do denunciado constituiria em
matéria de índole civil, que ultrapassa as fronteiras da competência da
Justiça Especializada.
Todavia, ousamos divergir.
É que, com o advento da Emenda Constitucional nº 45,
publicada no Diário Oficial da União em 31.12.04, a competência da Justiça do
Trabalho foi amplamente dilatada, devido à modificação do art. 114 da Carta
Magna.
Nesse norte, a competência não mais cinge-se às controvérsias
decorrentes da relação empregado e empregador, sendo possível a intervenção de
terceiros no processo de trabalho, como se pode inferir das alterações
ocorridas, especialmente, nos incisos I, VI e IX do artigo supracitado, que
dispõem:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;IX- outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.”
Logo, é plenamente plausível a interpretação de que, após a
Emenda Constitucional nº 45/04, tornou-se possível a intervenção de terceiros
na Justiça do Trabalho, entre pessoas que não são empregados e empregadores,
porque a competência foi estendida às relações de trabalho e seus
desdobramentos, naturalmente, não ficando vinculada somente às relações de
emprego.
A respeito do assunto, é bom lembrar que após a modificação
constitucional, o Tribunal Superior do
Trabalho, em 2005, resolveu cancelar a Orientação Jurisprudencial nº 227
da SBDI-1, que havia pacificado a jurisprudência na direção de que a
Denunciação da Lide era incompatível com o processo do trabalho.
De outro lado, levando-se em consideração os princípios da
celeridade e economia processuais, na moderna concepção do Direito, é
injustificável o argumento de se fazer necessário o ajuizamento de uma nova
demanda para discutir questões de uma lide já resolvida, inerentes ao
ressarcimento da parte que sofrer uma condenação, quando, na mesma causa, torna-se
viável a solução de duas pendências judiciais.
O procedimento indicado, portanto, acelera a entrega da
prestação jurisdicional e contribuiu para o desafogamento da Justiça, cuja
máquina não está preparada para atender ao grande número de processos que são
ajuizados.
Com efeito, eventual posicionamento em sentido diverso
provoca violação ao art. 114, da Constituição Federal, e ao artigo 70, inciso
III, do CPC, porque diante da previsão legal acerca da denunciação à lide,
quando suscitada, deve ser acolhida.
É bom que se diga que a possibilidade de aplicação da
denunciação à lide prevista no processo civil em lides trabalhistas, guarda
amparo no art. 769 da CLT que estabelece:
“Art. 769. Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do Trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste título.”
Nessa direção, a título de ilustração, confira-se as ementas
oriundas dos Tribunais Regionais do Trabalho das 2ª, 9ª e 17ª Regiões:
“RECURSO ORDINÁRIO. CHAMAMENTO AO PROCESSO. JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPETÊNCIA. Em tese, não mais se exclui da competência judiciária trabalhista a pendência que empresas possam travar entre si - Desde que vinculada, por origem ou decorrência, a um conflito trabalhista surgido diretamente entre uma delas e um trabalhador -, se a reclamatória é distribuída já na vigência da Emenda Constitucional nº. 45/2004, que alterou o artigo 114 da Constituição Federal para ampliar a competência da Justiça do Trabalho e nela incluir todas as ações e outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho. Daí ser o chamamento ao processo admissível na esfera processual trabalhista, do mesmo modo que a denunciação da lide.” (TRT 2ª R.; RO 01506; Ac. 20060653056; Décima Primeira Turma; Relª Juíza Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva; Julg. 22/08/2006; DOESP 05/09/2006).
“AÇÃO DE COBRANÇA DE CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. DENUNCIAÇÃO À LIDE. CANCELAMENTO DA OJ 227 DA SDI-1 DO C. TST. A denunciação da lide é modalidade de intervenção que traz, para o processo, terceiro que não possui vínculo com a parte contrária, mas apenas com o denunciante. Há, na denunciação da lide, duas relações jurídicas distintas que buscam ser resolvidas numa só sentença. Atenta-se que esse tipo de intervenção de terceiro, disciplinada no artigo 70 do CPC, é compatível na Justiça do Trabalho, pois a Orientação Jurisprudencial 227 da SDI-I do TST foi cancelada e pelo teor do artigo 769 da CLT, que permite a aplicação subsidiária do direito comum à esta Justiça Especializada. E mesmo que assim não o fosse, tem-se que a presente lide não se trata de genuína reclamatória trabalhista, senão de ação de cobrança de contribuição sindical. In casu, não há o alegado cerceamento de defesa, visto que o conjunto probatório carreado nos autos permite a averiguação se a empresa demandada vincula-se ou não ao Sindicato-Autor, para fins de devida cobrança das contribuições sindicais perquiridas. Isso porque a prova sobre o enquadramento decorre da análise de documentos, restando despicienda a participação do sindicato denunciado (TRT 9ª R.; Proc. 03570-2007-010-09-00-4; Ac. 15458-2008; Quarta Turma; Rel. Des. Luiz Celso Napp; DJPR 13/05/2008)“DENUNCIAÇÃO À LIDE. Se o principal objetivo da aludida modalidade de intervenção de terceiros é exatamente primar pela economia processual, antecipando uma ação que o denunciante possa vir a ajuizar em face do denunciado, e se o óbice que antes impedia o ajuizamento dessa demanda regressiva nesta Especializada decorria da incompetência desta Justiça em razão da matéria para apreciá-la, impedimento este que já não subsiste após a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, conclui-se ser inconteste de dúvidas que se deve dar provimento ao recurso para admitir a intervenção pretendida, anulando pois a sentença a quo para determinar que se proceda à citação do denunciado, na forma do art. 75 do CPC.” (TRT 17ª R.; RO 00515.2005.009.17.00.7; Rel. Juiz Mário Ribeiro Cantarino Neto; Julg. 07/02/2006; DOES 29/09/2006).
Vale registro que o Tribunal Superior do Trabalho, também já
pronunciou acerca da matéria após o cancelamento da Orientação Jurisprudencial
227 da SBDI-1:
RECURSO DE REVISTA. CERCEAMENTO DE DEFESA. DENUNCIAÇÃO À LIDE. Com o advento da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que elasteceu a competência da Justiça do Trabalho, de modo a alcançar não somente a relação de emprego, mas, sim, a relação de trabalho em sentido amplo, é possível, a princípio, a denunciação da lide no processo do trabalho. Caberá, porém, a análise de sua pertinência caso a caso. Nesse sentido direcionou-se a jurisprudência desta Corte, ao cancelar a Orientação Jurisprudencial (OJ) nº 227 da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1), rejeitando, por conseguinte, a tese da incompatibilidade absoluta do instituto com o processo do trabalho. Entretanto, tanto a doutrina quanto a jurisprudência mostram cautela ao admitir a aplicação irrestrita da denunciação à lide no processo do trabalho, já que, para tanto, devem ser considerados os interesses do trabalhador, notadamente no rápido desfecho da causa, haja vista a natureza alimentar do crédito trabalhista. Neste sentido precedente de minha lavra (TST-RR-1.944/2001-018-09-40.7, 2ª Turma, DJU de 28.04.2006) e outros (TST-AIRR-698.356/2000.2, 6ª Turma, Relator Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJU de 18.08.2006; TST-AIRR714.252/2000.7, 6ª Turma, Relator Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJU de 30.06.2006). No presente feito, porém, não há que se cogitar de cerceamento de defesa decorrente do indeferimento da denunciação à lide porque o Tribunal Regional manteve o Banco, ora Reclamado, no pólo passivo da lide, por ser o sucessor do antigo empregador. Deste modo, resta incólume a literalidade do art. 70 do CPC. (....) (TST; RR 594.133/1999.0; Sexta Turma; Rel. Min. Horácio Raimundo de Senna Pires; DJU 13/10/2006; Pág. 1107) (Publicado no DVD Magister nº 17 - Repositório Autorizado do STJ nº 60/2006 e do TST nº 31/2007)
Existem, a bem da verdade, várias situações que permitem a
utilização da lide secundária no processo do trabalho, como é o caso de
relações securitárias, onde se busca o ressarcimento em decorrência de
sinistro, na hipótese de previsão contratual.
Aliás, Rodolfo Pamplona Filho e Fernanda Salinas Di Giacomo4
oferecem, de forma justificada, outros vários exemplos permitindo a
utilização do instituto desde que autorizado por lei ou contrato, quais sejam:
a. em casos de sucessão de
empregadores, quando há a continuidade da antecessora, sendo discutido no feito
passivo trabalhista do período anterior;
b. “quando há um contrato de
sub-empreitada, pois o art. 455 da CLT estabelece que o sub-empreiteiro
responderá pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar,
podendo o empregado, todavia, demandar em face do empreiteiro principal”;
c. nos casos de assédio moral ou
sexual, quando a alegada vítima ajuíza ação de indenização por danos morais
diretamente contra o empregador e não contra o efetivo assediador;
d. nas ações acidentárias
movidas contra o INSS;
e. nos casos de terceirização em
que for possível a condenação do tomador dos serviços;
f. quando ocorrer a paralisação
do labor determinada por fato do príncipe, nos termos do art. 486 da CLT;
g. na hipótese de um empregado
receber determinado prêmio ou gratificação quando, na verdade, era outro
obreiro que fazia jus à referida parcela; e,
h. no caso do empregador ser
condenado a pagar uma indenização por danos morais a um empregado, sendo que
esta derivou da conduta abusiva e desrespeitosa perpetrada por outro
trabalhador ou, ainda, pelo gerente ou preposto da empresa.
Em conclusão, sustentamos que, após a edição da Emenda
Constitucional 45/04 e do cancelamento da Orientação Jurisprudencial da SBDI-1
do TST, é possível e viável a aplicação da denunciação da lide, prevista no
art. 70, III, do CPC, no processo do trabalho.
O que se espera, de todo modo, é que seja brevemente
pacificada a questão, visando até mesmo a maior segurança jurídica para quem
tem o direito de promover a denunciação da lide, evitando-se o perecimento da
garantia, considerando-se que a norma processual estabelece que é obrigatório o
uso do instituto nas situações previstas no texto legal.
________________________
¹ TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Curso
de Processo do Trabalho, v. 4 (Litisconsórcio, Assistência e
Intervenção de Terceiros). São Paulo: LTr, 1996.
² TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio.
idem.
³ O contrato de seguro na
Justiça do Trabalho. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9549.
Acessado em 11.06.2008
4 A Aplicabilidade da Denunciação da
Lide no Processo do Trabalho, publicado na Revista Magister de Direito Trabalhista
e Previdenciário nº 18 - Maio/Jun de 2007.
Nenhum comentário:
Postar um comentário