segunda-feira, 29 de julho de 2013

Breves Considerações a Respeito da Denunciação da Lide no Processo do Trabalho

Orlando José de Almeida

Sócio Coordenador do Departamento Trabalhista, Pós-Graduado em Direito Processual pelo IEC - Instituto de Educação Continuada da PUC/MG, Diretor Jurídico da Fundamar , Membro do Comitê Trabalhista e Previdenciário do CESA, Membro da Comissão de Estágio da OAB/MG.

*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 03, em 16/06/2008

O jurista Manoel Antônio Teixeira Filho¹ ensina que a denunciação da lide "traduz a ação incidental, ajuizada pelo autor ou pelo réu, em caráter obrigatório, perante terceiro, com o objetivo de fazer com que este seja condenado a ressarcir os prejuízos que o denunciante vier a sofrer, em decorrência da sentença, pela evicção, ou para evitar posterior exercício da ação regressiva, que lhe assegura a norma legal ou disposição do contrato".

Por seu turno, estabelecem o caput e os incisos do artigo 70 do Código de Processo Civil:

“Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:

I - ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção lhe resulta;
II - ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em caso como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada;
III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.”
De plano, deve ser observado que o caput do dispositivo processual em comento reza que é obrigatória a denunciação nas situações elencadas, sob pena de preclusão,  ressalvados, contudo, posicionamentos doutrinários diversos, como é o magistério de Manoel Antônio Teixeira Filho² ao aduzir que "se a denunciação não for efetuada, a parte, que a deveria ter realizado, não perderá o direito de exercitar, mais tarde, em processo autônomo, a ação regressiva para reembolsar-se do que teve de pagar, por força da sentença: perderá, tão-somente, o benefício legal de munir-se, no mesmo processo em que a intervenção de terceiro deveria ter ocorrido, de título executivo, materializado na sentença que compôs a lide (CPC, art. 76)".

Entendemos que o manejo da medida processual deve ser exercido logo na primeira oportunidade, evitando-se, assim, eventual alegação de preclusão e a perda dos benefícios que a medida proporciona, especialmente no que diz respeito à rápida entrega da prestação jurisdicional, o que traduz, inevitavelmente, numa maior economia de atos processuais.

A aplicação do instituto na Justiça do Trabalho tem sido palco de grandes controvérsias, sendo que considerável parte da doutrina, bem como da jurisprudência de nossos Tribunais, continuam se posicionando na direção da incompatibilidade do instituto no processo trabalhista.

Ressalte-se, no que se refere aos incisos I e II, do artigo 70 do CPC, a polêmica não atinge maiores proporções, porque a não utilização dos mesmos no âmbito trabalhista é tranqüila.

No entanto, relativamente ao inciso III do mesmo dispositivo, a controvérsia é acentuada e atual.

Luís Antônio Giampaulo Sarro e Márcio Alexandre Malfatti³ lembram:

No âmbito da Justiça do Trabalho, contudo, a Doutrina e a Jurisprudência não são uniformes quanto à possibilidade de utilização da denunciação à lide. Sérgio Pinto Martins cita a opinião dos doutrinadores a respeito do tema: "Discute-se o cabimento da denunciação da lide no processo do trabalho, inexistindo unanimidade de posicionamento a respeito do tema.  Na doutrina, Amauri Mascaro Nascimento (1991: 194), Carlos Coqueijo Costa (1977: 162) e Christóvão Piragibe Tostes Malta (1991: 228) admitem a denunciação da lide em casos em que se discuta a sucessão de empregadores, podendo o sucedido denunciar à lide o sucessor, se estiver obrigado pela lei ou pelo contrato a indenizar em ação regressiva o prejuízo decorrente da perda da demanda. José Augusto Rodrigues Pinto (1991: 193) entende cabível a denunciação da lide e a recomenda em razão da celeridade processual, todavia sob a forma voluntária. Seria, portanto, o caso da aplicação dos arts. 70 e ss.do CPC, em função da omissão da CLT sobre o tema e da compatibilidade da denunciação da lide com os princípios do processo do trabalho (art. 769 da CLT). Wagner Giglio (1984:124) e Manoel Antônio Teixeira Filho (1991: 215/20) entendem ser inaplicável a denunciação da lide no processo do trabalho, principalmente pelo fato da incompetência da Justiça do Trabalho para resolver a controvérsia entre o denunciante e o denunciado.

O principal fundamento para que não seja aplicado o instituto, reside no fato de que trata-se de uma intervenção de terceiro, incompatível com o processo do trabalho, considerando-se que seria necessário estender a competência desta Justiça Especializada para dirimir litígios entre empregadores. Relatam os defensores, ainda, que uma possível responsabilidade regressiva do denunciado constituiria em  matéria de índole civil, que ultrapassa as fronteiras da competência da Justiça Especializada.

Todavia, ousamos divergir.

É que, com o advento da Emenda Constitucional nº 45, publicada no Diário Oficial da União em 31.12.04, a competência da Justiça do Trabalho foi amplamente dilatada, devido à modificação do art. 114 da Carta Magna.

Nesse norte, a competência não mais cinge-se às controvérsias decorrentes da relação empregado e empregador, sendo possível a intervenção de terceiros no processo de trabalho, como se pode inferir das alterações ocorridas, especialmente, nos incisos I, VI e IX do artigo supracitado, que dispõem:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;
IX- outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.”

Logo, é plenamente plausível a interpretação de que, após a Emenda Constitucional nº 45/04, tornou-se possível a intervenção de terceiros na Justiça do Trabalho, entre pessoas que não são empregados e empregadores, porque a competência foi estendida às relações de trabalho e seus desdobramentos, naturalmente, não ficando vinculada somente às relações de emprego.

A respeito do assunto, é bom lembrar que após a modificação constitucional, o Tribunal Superior do  Trabalho, em 2005, resolveu cancelar a Orientação Jurisprudencial nº 227 da SBDI-1, que havia pacificado a jurisprudência na direção de que a Denunciação da Lide era incompatível com o processo do trabalho.

De outro lado, levando-se em consideração os princípios da celeridade e economia processuais, na moderna concepção do Direito, é injustificável o argumento de se fazer necessário o ajuizamento de uma nova demanda para discutir questões de uma lide já resolvida, inerentes ao ressarcimento da parte que sofrer uma condenação, quando, na mesma causa, torna-se viável a solução de duas pendências judiciais.

O procedimento indicado, portanto, acelera a entrega da prestação jurisdicional e contribuiu para o desafogamento da Justiça, cuja máquina não está preparada para atender ao grande número de processos que são ajuizados.

Com efeito, eventual posicionamento em sentido diverso provoca violação ao art. 114, da Constituição Federal, e ao artigo 70, inciso III, do CPC, porque diante da previsão legal acerca da denunciação à lide, quando suscitada, deve ser acolhida.

É bom que se diga que a possibilidade de aplicação da denunciação à lide prevista no processo civil em lides trabalhistas, guarda amparo no art. 769 da CLT que estabelece:

“Art. 769. Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do Trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste título.”

Nessa direção, a título de ilustração, confira-se as ementas oriundas dos Tribunais Regionais do Trabalho das 2ª, 9ª e 17ª Regiões:

“RECURSO ORDINÁRIO. CHAMAMENTO AO PROCESSO. JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPETÊNCIA. Em tese, não mais se exclui da competência judiciária trabalhista a pendência que empresas possam travar entre si - Desde que vinculada, por origem ou decorrência, a um conflito trabalhista surgido diretamente entre uma delas e um trabalhador -, se a reclamatória é distribuída já na vigência da Emenda Constitucional nº. 45/2004, que alterou o artigo 114 da Constituição Federal para ampliar a competência da Justiça do Trabalho e nela incluir todas as ações e outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho. Daí ser o chamamento ao processo admissível na esfera processual trabalhista, do mesmo modo que a denunciação da lide.” (TRT 2ª R.; RO 01506; Ac. 20060653056; Décima Primeira Turma; Relª Juíza Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva; Julg. 22/08/2006; DOESP 05/09/2006).

“AÇÃO DE COBRANÇA DE CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. DENUNCIAÇÃO À LIDE. CANCELAMENTO DA OJ 227 DA SDI-1 DO C. TST. A denunciação da lide é modalidade de intervenção que traz, para o processo, terceiro que não possui vínculo com a parte contrária, mas apenas com o denunciante. Há, na denunciação da lide, duas relações jurídicas distintas que buscam ser resolvidas numa só sentença. Atenta-se que esse tipo de intervenção de terceiro, disciplinada no artigo 70 do CPC, é compatível na Justiça do Trabalho, pois a Orientação Jurisprudencial 227 da SDI-I do TST foi cancelada e pelo teor do artigo 769 da CLT, que permite a aplicação subsidiária do direito comum à esta Justiça Especializada. E mesmo que assim não o fosse, tem-se que a presente lide não se trata de genuína reclamatória trabalhista, senão de ação de cobrança de contribuição sindical. In casu, não há o alegado cerceamento de defesa, visto que o conjunto probatório carreado nos autos permite a averiguação se a empresa demandada vincula-se ou não ao Sindicato-Autor, para fins de devida cobrança das contribuições sindicais perquiridas. Isso porque a prova sobre o enquadramento decorre da análise de documentos, restando despicienda a participação do sindicato denunciado (TRT 9ª R.; Proc. 03570-2007-010-09-00-4; Ac. 15458-2008; Quarta Turma; Rel. Des. Luiz Celso Napp; DJPR 13/05/2008)
“DENUNCIAÇÃO À LIDE. Se o principal objetivo da aludida modalidade de intervenção de terceiros é exatamente primar pela economia processual, antecipando uma ação que o denunciante possa vir a ajuizar em face do denunciado, e se o óbice que antes impedia o ajuizamento dessa demanda regressiva nesta Especializada decorria da incompetência desta Justiça em razão da matéria para apreciá-la, impedimento este que já não subsiste após a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, conclui-se ser inconteste de dúvidas que se deve dar provimento ao recurso para admitir a intervenção pretendida, anulando pois a sentença a quo para determinar que se proceda à citação do denunciado, na forma do art. 75 do CPC.” (TRT 17ª R.; RO 00515.2005.009.17.00.7; Rel. Juiz Mário Ribeiro Cantarino Neto; Julg. 07/02/2006; DOES 29/09/2006).

Vale registro que o Tribunal Superior do Trabalho, também já pronunciou acerca da matéria após o cancelamento da Orientação Jurisprudencial 227 da SBDI-1:

RECURSO DE REVISTA. CERCEAMENTO DE DEFESA. DENUNCIAÇÃO À LIDE. Com o advento da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que elasteceu a competência da Justiça do Trabalho, de modo a alcançar não somente a relação de emprego, mas, sim, a relação de trabalho em sentido amplo, é possível, a princípio, a denunciação da lide no processo do trabalho. Caberá, porém, a análise de sua pertinência caso a caso. Nesse sentido direcionou-se a jurisprudência desta Corte, ao cancelar a Orientação Jurisprudencial (OJ) nº 227 da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1), rejeitando, por conseguinte, a tese da incompatibilidade absoluta do instituto com o processo do trabalho. Entretanto, tanto a doutrina quanto a jurisprudência mostram cautela ao admitir a aplicação irrestrita da denunciação à lide no processo do trabalho, já que, para tanto, devem ser considerados os interesses do trabalhador, notadamente no rápido desfecho da causa, haja vista a natureza alimentar do crédito trabalhista. Neste sentido precedente de minha lavra (TST-RR-1.944/2001-018-09-40.7, 2ª Turma, DJU de 28.04.2006) e outros (TST-AIRR-698.356/2000.2, 6ª Turma, Relator Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJU de 18.08.2006; TST-AIRR714.252/2000.7, 6ª Turma, Relator Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJU de 30.06.2006). No presente feito, porém, não há que se cogitar de cerceamento de defesa decorrente do indeferimento da denunciação à lide porque o Tribunal Regional manteve o Banco, ora Reclamado, no pólo passivo da lide, por ser o sucessor do antigo empregador. Deste modo, resta incólume a literalidade do art. 70 do CPC. (....)  (TST; RR 594.133/1999.0; Sexta Turma; Rel. Min. Horácio Raimundo de Senna Pires; DJU 13/10/2006; Pág. 1107) (Publicado no DVD Magister nº 17 - Repositório Autorizado do STJ nº 60/2006 e do TST nº 31/2007)

Existem, a bem da verdade, várias situações que permitem a utilização da lide secundária no processo do trabalho, como é o caso de relações securitárias, onde se busca o ressarcimento em decorrência de sinistro, na hipótese de previsão contratual.

Aliás, Rodolfo Pamplona Filho e Fernanda Salinas Di Giacomo4 oferecem, de forma justificada, outros vários exemplos permitindo a utilização do instituto desde que autorizado por lei ou contrato, quais sejam:

a. em casos de sucessão de empregadores, quando há a continuidade da antecessora, sendo discutido no feito passivo trabalhista do período anterior;

b. “quando há um contrato de sub-empreitada, pois o art. 455 da CLT estabelece que o sub-empreiteiro responderá pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, podendo o empregado, todavia, demandar em face do empreiteiro principal”;

c. nos casos de assédio moral ou sexual, quando a alegada vítima ajuíza ação de indenização por danos morais diretamente contra o empregador e não contra o efetivo assediador;

d. nas ações acidentárias movidas contra o INSS;

e. nos casos de terceirização em que for possível a condenação do tomador dos serviços;

f. quando ocorrer a paralisação do labor determinada por fato do príncipe, nos termos do art. 486 da CLT;

g. na hipótese de um empregado receber determinado prêmio ou gratificação quando, na verdade, era outro obreiro que fazia jus à referida parcela; e,

h. no caso do empregador ser condenado a pagar uma indenização por danos morais a um empregado, sendo que esta derivou da conduta abusiva e desrespeitosa perpetrada por outro trabalhador ou, ainda, pelo gerente ou preposto da empresa.

Em conclusão, sustentamos que, após a edição da Emenda Constitucional 45/04 e do cancelamento da Orientação Jurisprudencial da SBDI-1 do TST, é possível e viável a aplicação da denunciação da lide, prevista no art. 70, III, do CPC, no processo do trabalho.

O que se espera, de todo modo, é que seja brevemente pacificada a questão, visando até mesmo a maior segurança jurídica para quem tem o direito de promover a denunciação da lide, evitando-se o perecimento da garantia, considerando-se que a norma processual estabelece que é obrigatório o uso do instituto nas situações previstas no texto legal.

________________________

¹ TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Curso de Processo do Trabalho, v. 4 (Litisconsórcio, Assistência e Intervenção de Terceiros). São Paulo: LTr, 1996.

² TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. idem.

³ O contrato de seguro na Justiça do Trabalho. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9549. Acessado em 11.06.2008


4 A Aplicabilidade da Denunciação da Lide no Processo do Trabalho, publicado na Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário nº 18 - Maio/Jun de 2007.

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