quinta-feira, 25 de julho de 2013

O direito de arrependimento nos Contratos Virtuais de Consumo

Patrícia Rosendo de Lima Costa

Advogada, bacharelada em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos

*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 02, em 28/05/2008


É inegável que a informática está presente em tudo que fazemos, seja no armazenamento de números de telefone em uma agenda eletrônica, seja na imediata emissão de um boleto para recolhimento de custas judiciais de um processo.

Em apertada síntese, pode-se dizer que a revolução das telecomunicações que originou a internet teve suas primeiras pesquisas na década de sessenta, nas universidades de Stanford, Santa Bárbara (UCSB), Los Angeles (UCLA) e Utah, as quais desenvolveram um sistema de trocas de mensagens em rede através da interligação lógica entre usuários, denominado packet switched. Durante a Guerra Fria, o sistema packet switched já estava sendo usado em projeto militar dos Estados Unidos. Temerosos que um ataque soviético viesse a destruir todo o banco de dados e informações fundamentais, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América, em 1969, criou um sistema de rede local descentralizado que conectava vários computadores, no qual era possível a rápida transmissão de informações e documentos de um computador para outro. Finda a Guerra Fria, a tecnologia foi passada para universidades americanas que, a princípio, faziam uso do sistema apenas para trabalhos e pesquisas acadêmicas. Face à sua enorme eficiência, o sistema foi desenvolvido e aprimorado, de forma a possibilitar a conexão entre um maior número de computadores. Em Genebra, no ano de 1989, foi criada a World Wide Web ou www, na forma popular conhecida, e em 1993 foi integrado ao sistema o uso da linha telefônica, possibilitando a transmissão de mais dados em um menor período de tempo. Assim surgiu o ciberespaço, conveniente combinação da tecnologia dos computadores com a telecomunicação.

É notória a existência de um novo espaço, sem limites geográficos, destituído de elementos orgânicos, distinto dos limites físicos conhecidos. Definições à parte, é possível dizer, através de analogia, que os conflitos gerados no espaço virtual se assemelham àqueles existentes no direito comum, quais sejam, embates acerca de proteção da privacidade, da propriedade e do consumidor.

O ciberespaço apresenta grande desafio no que tange à regulamentação jurídicas dos atos ali praticados. Para que o mundo digital possa ser compreendido e devidamente incorporado com mais suavidade à ciência do direito, faz-se necessária a equiparação com os atos e conseqüências jurídicos já estabelecidos antes do surgimento do espaço virtual. Ao contrário do que propõe algumas correntes, o mundo virtual não é capaz de se auto-regular, sendo o Direito ramo da ciência necessário para tal organização.

E-commerce e os contratos eletrônicos

Partindo-se da concepção de contratos, bem como tendo em destaque o grande desenvolvimento do aparato físico do espaço virtual, tornou-se possível a realização de uma nova forma de comércio, qual seja, aquela realizada através da rede, com auxílio de meios eletrônicos.

Primeiramente, destaca-se que, antes de ser classificado como comércio do tipo eletrônico, os contratos celebrados via internet não devem ser desvinculados da teoria geral dos contratos, apresentando apenas algumas variações no que tange às suas peculiaridades. Vale dizer, os contratos celebrados através da rede têm que respeitar as normas contratuais gerais (tais como capacidade das partes, objeto lícito e manifestação de vontade), sob pena de ineficácia do negócio jurídico celebrado. Em virtude do grande desenvolvimento tecnológico, o ciberespaço oferece vantagens para o comércio, como a redução de custos, facilidade na busca de produtos e consumidores, transposição de barreiras nacionais e grande agilidade na contratação. Atento a estas vantagens, o mercado do comércio eletrônico, não obstante já representar significativa fatia do mercado, cresce assustadoramente em todo o mundo.

Diante destas considerações, conclui-se que os contratos realizados no comércio eletrônico, qual sejam, aqueles registrados pela transmissão de dados, têm a mesma validade dos contratos comerciais. O fato de serem celebrados no espaço virtual não mingua seus efeitos jurídicos.

Partindo-se da idéia de que o ordenamento jurídico brasileiro não veda a contratação via eletrônica, exceto nos casos expressos em que se exige forma solene para a validade e eficácia do negócio jurídico celebrado, já é possível conjecturar que os contratos eletrônicos são aqueles firmados através de aparato eletrônico como meio para sua celebração.

As transações comerciais feitas no ciberespaço são classificadas em três grupos, quais sejam, transações entre empresas, transações entre financeiras e de valores imobiliários e, por fim, transações entre empresas e consumidores finais. As relações entre as empresas e seus consumidores finais, também chamadas business to consumer ou simplesmente B2C, subdivide-se em três outros grupos, conforme o objeto do contrato: pode versar sobre prestação de serviços online, venda de bens tangíveis que, embora comercializados através da rede, demandam sua entrega fora do espaço cibernético, e a venda de bens intangíveis que são entregues ao consumidor diretamente pela rede.

Os contratos virtuais e a proteção do consumidor

Denota-se relevante preocupação dos doutrinadores e juristas acerca da proteção e defesa do consumidor no que tange ao comércio virtual. Entretanto, já constatada a existência de desigualdades entre fornecedores e consumidores no comércio pátrio, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece em seu artigo 49, a possibilidade de o consumidor desistir do contrato, no prazo de sete dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produto e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

A proteção estabelecida no artigo 49 do CDC teve como principais fundamentos, a omissão de informações acerca do produto, a falta de tempo para reflexão sobre o custo-benefício oferecido, impossibilidade de comparação com produtos similares e, ainda, a compra e venda por impulso, realizadas através de técnicas agressivas de marketing.

Seu objetivo é guardar o mínimo de boa-fé neste tipo de contratação, uma vez que os tradicionais instrumentos de direito (tais como erro e dolo) encontram demasiadas dificuldades de ordem prática para serem demonstrados e provados em juízo.

Em um primeiro momento, discute-se se o espaço virtual é ou não considerado estabelecimento comercial, para fins de aplicação do artigo 49 do CDC. Ainda que de forma bem distinta do estabelecimento comercial clássico, nos chamados sites, os produtos e serviços à venda também estão expostos para o consumidor. Ocorre que, no estabelecimento virtual, não há o contato físico do consumidor com as mercadorias e sua manifestação de vontade no sentido de aceitar a contratação é feita através da transmissão eletrônica de dados.

Embora a posição da doutrina majoritária seja favorável à aplicação do direito de arrependimento nos negócios jurídicos realizados à distância, não se pode deixar de mencionar o entendimento diverso de alguns autores que defendem que o interesse inicial é do consumidor, tendo em vista que é o próprio consumidor quem vai à procura do fornecimento de bens ou serviços.

Retornando ao posicionamento majoritário, a argumentação é de que caberia o direito de arrependimento nos contratos telemáticos, não em virtude das técnicas agressivas de vendas utilizadas, mas sim pela ausência de contato real do consumidor com o bem que está sendo adquirido através da rede.

Vale lembrar que, optando o consumidor por exercer seu direito de devolução dentro do prazo de reflexão, deve este cuidar para que o produto não estrague ou desvalorize, uma vez que o bem deve ser restituído ao fornecedor nas mesmas condições em que foi vendido.

Cumpre ressaltar a existência de controvérsia acerca da aplicação ou não do artigo 49 do CDC em relação à venda de bens intangíveis (produtos ou serviços incorpóreos). A principal questão levantada é como saber se o consumidor, após exercer seu direito de arrependimento, não conservou uma cópia do produto. Frente à inversão do ônus da prova estabelecida no inciso VIII do artigo 6º do CDC, de fato, com a tecnologia atual, seria extremamente difícil para o fornecedor produzir provas de que o produto vendido foi copiado antes da devolução.


Em se tratando da peculiar venda de bens imateriais através da rede, levando-se em consideração a imprescindibilidade da boa-fé, tanto do fornecer quanto do consumidor, quando da realização e execução do negócio jurídico contratado virtualmente, corrobora-se com a doutrina majoritária de que a aplicação do direito de arrependimento seria anti-funcional e até mesmo excessiva para as finalidades as quais se propõe.

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