Patrícia Rosendo de Lima Costa
Advogada, bacharelada em Direito pela Faculdade de
Direito Milton Campos
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 02, em 28/05/2008
É inegável
que a informática está presente em tudo que fazemos, seja no armazenamento de
números de telefone em uma agenda eletrônica, seja na imediata emissão de um
boleto para recolhimento de custas judiciais de um processo.
Em
apertada síntese, pode-se dizer que a revolução das telecomunicações que
originou a internet teve suas primeiras pesquisas na década de sessenta,
nas universidades de Stanford, Santa Bárbara (UCSB), Los Angeles (UCLA) e Utah,
as quais desenvolveram um sistema de trocas de mensagens em rede através da
interligação lógica entre usuários, denominado packet switched. Durante
a Guerra Fria, o sistema packet switched já estava sendo usado em
projeto militar dos Estados Unidos. Temerosos que um ataque soviético viesse a
destruir todo o banco de dados e informações fundamentais, o Departamento de
Defesa dos Estados Unidos da América, em 1969, criou um sistema de rede local
descentralizado que conectava vários computadores, no qual era possível a
rápida transmissão de informações e documentos de um computador para outro.
Finda a Guerra Fria, a tecnologia foi passada para universidades americanas
que, a princípio, faziam uso do sistema apenas para trabalhos e pesquisas
acadêmicas. Face à sua enorme eficiência, o sistema foi desenvolvido e
aprimorado, de forma a possibilitar a conexão entre um maior número de computadores.
Em Genebra, no ano de 1989, foi criada a World Wide Web ou www,
na forma popular conhecida, e em 1993 foi integrado ao sistema o uso da linha
telefônica, possibilitando a transmissão de mais dados em um menor período de
tempo. Assim surgiu o ciberespaço, conveniente combinação da tecnologia
dos computadores com a telecomunicação.
É notória
a existência de um novo espaço, sem limites geográficos, destituído de
elementos orgânicos, distinto dos limites físicos conhecidos. Definições à
parte, é possível dizer, através de analogia, que os conflitos gerados no
espaço virtual se assemelham àqueles existentes no direito comum, quais sejam,
embates acerca de proteção da privacidade, da propriedade e do consumidor.
O ciberespaço
apresenta grande desafio no que tange à regulamentação jurídicas dos atos ali
praticados. Para que o mundo digital possa ser compreendido e devidamente
incorporado com mais suavidade à ciência do direito, faz-se necessária a
equiparação com os atos e conseqüências jurídicos já estabelecidos antes do
surgimento do espaço virtual. Ao contrário do que propõe algumas correntes, o
mundo virtual não é capaz de se auto-regular, sendo o Direito ramo da ciência
necessário para tal organização.
E-commerce e os contratos eletrônicos
Partindo-se
da concepção de contratos, bem como tendo em destaque o grande desenvolvimento
do aparato físico do espaço virtual, tornou-se possível a realização de uma
nova forma de comércio, qual seja, aquela realizada através da rede, com
auxílio de meios eletrônicos.
Primeiramente,
destaca-se que, antes de ser classificado como comércio do tipo eletrônico, os
contratos celebrados via internet não devem ser desvinculados da teoria
geral dos contratos, apresentando apenas algumas variações no que tange às suas
peculiaridades. Vale dizer, os contratos celebrados através da rede têm que
respeitar as normas contratuais gerais (tais como capacidade das partes, objeto
lícito e manifestação de vontade), sob pena de ineficácia do negócio jurídico
celebrado. Em virtude do grande desenvolvimento tecnológico, o ciberespaço
oferece vantagens para o comércio, como a redução de custos, facilidade na
busca de produtos e consumidores, transposição de barreiras nacionais e grande
agilidade na contratação. Atento a estas vantagens, o mercado do comércio
eletrônico, não obstante já representar significativa fatia do mercado, cresce
assustadoramente em todo o mundo.
Diante
destas considerações, conclui-se que os contratos realizados no comércio
eletrônico, qual sejam, aqueles registrados pela transmissão de dados, têm a
mesma validade dos contratos comerciais. O fato de serem celebrados no espaço
virtual não mingua seus efeitos jurídicos.
Partindo-se
da idéia de que o ordenamento jurídico brasileiro não veda a contratação via
eletrônica, exceto nos casos expressos em que se exige forma solene para a
validade e eficácia do negócio jurídico celebrado, já é possível conjecturar
que os contratos eletrônicos são aqueles firmados através de aparato eletrônico
como meio para sua celebração.
As
transações comerciais feitas no ciberespaço são classificadas em três
grupos, quais sejam, transações entre empresas, transações entre financeiras e
de valores imobiliários e, por fim, transações entre empresas e consumidores
finais. As relações entre as empresas e seus consumidores finais, também
chamadas business to consumer ou simplesmente B2C, subdivide-se
em três outros grupos, conforme o objeto do contrato: pode versar sobre
prestação de serviços online, venda de bens tangíveis que, embora
comercializados através da rede, demandam sua entrega fora do espaço
cibernético, e a venda de bens intangíveis que são entregues ao consumidor
diretamente pela rede.
Os
contratos virtuais e a proteção do consumidor
Denota-se
relevante preocupação dos doutrinadores e juristas acerca da proteção e defesa
do consumidor no que tange ao comércio virtual. Entretanto, já constatada a
existência de desigualdades entre fornecedores e consumidores no comércio
pátrio, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece em seu artigo 49, a
possibilidade de o consumidor desistir do contrato, no prazo de sete dias a
contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre
que a contratação de fornecimento de produto e serviços ocorrer fora do
estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
A proteção
estabelecida no artigo 49 do CDC teve como principais fundamentos, a omissão de
informações acerca do produto, a falta de tempo para reflexão sobre o
custo-benefício oferecido, impossibilidade de comparação com produtos similares
e, ainda, a compra e venda por impulso, realizadas através de técnicas
agressivas de marketing.
Seu
objetivo é guardar o mínimo de boa-fé neste tipo de contratação, uma vez que os
tradicionais instrumentos de direito (tais como erro e dolo) encontram
demasiadas dificuldades de ordem prática para serem demonstrados e provados em
juízo.
Em um
primeiro momento, discute-se se o espaço virtual é ou não considerado
estabelecimento comercial, para fins de aplicação do artigo 49 do CDC. Ainda
que de forma bem distinta do estabelecimento comercial clássico, nos chamados sites,
os produtos e serviços à venda também estão expostos para o consumidor. Ocorre
que, no estabelecimento virtual, não há o contato físico do consumidor com as
mercadorias e sua manifestação de vontade no sentido de aceitar a contratação é
feita através da transmissão eletrônica de dados.
Embora a
posição da doutrina majoritária seja favorável à aplicação do direito de
arrependimento nos negócios jurídicos realizados à distância, não se pode
deixar de mencionar o entendimento diverso de alguns autores que defendem que o
interesse inicial é do consumidor, tendo em vista que é o próprio consumidor
quem vai à procura do fornecimento de bens ou serviços.
Retornando
ao posicionamento majoritário, a argumentação é de que caberia o direito de
arrependimento nos contratos telemáticos, não em virtude das técnicas
agressivas de vendas utilizadas, mas sim pela ausência de contato real do
consumidor com o bem que está sendo adquirido através da rede.
Vale
lembrar que, optando o consumidor por exercer seu direito de devolução dentro
do prazo de reflexão, deve este cuidar para que o produto não estrague ou
desvalorize, uma vez que o bem deve ser restituído ao fornecedor nas mesmas
condições em que foi vendido.
Cumpre
ressaltar a existência de controvérsia acerca da aplicação ou não do artigo 49
do CDC em relação à venda de bens intangíveis (produtos ou serviços
incorpóreos). A principal questão levantada é como saber se o consumidor, após
exercer seu direito de arrependimento, não conservou uma cópia do produto.
Frente à inversão do ônus da prova estabelecida no inciso VIII do artigo 6º do
CDC, de fato, com a tecnologia atual, seria extremamente difícil para o
fornecedor produzir provas de que o produto vendido foi copiado antes da
devolução.
Em se
tratando da peculiar venda de bens imateriais através da rede, levando-se em
consideração a imprescindibilidade da boa-fé, tanto do fornecer quanto do
consumidor, quando da realização e execução do negócio jurídico contratado
virtualmente, corrobora-se com a doutrina majoritária de que a aplicação do
direito de arrependimento seria anti-funcional e até mesmo excessiva para as
finalidades as quais se propõe.
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