Silvia Ferreira
Persechini
Sócia do Escritório
Homero Costa Advogados, especialista em Direito de Empresas pela PUC/MG e
Mestre em Direito de Empresa pela Faculdade de Direito Milton Campos
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 29 em 25/11/2010
Existir, valer e ser
eficaz são situações distintas em que se podem encontrar os fatos jurídicos,
mormente porque se passam em planos diferentes.
Nesse contexto, Pontes de
Miranda explica que:
Existir, valer e ser
eficaz são conceitos tão inconfundíveis que o fato jurídico pode ser, valer e
não ser eficaz, ou ser, não valer e ser eficaz. As próprias normas jurídicas
podem ser, valer e não ter eficácia (H. Kelsen, Hauptprobleme, 14). O que se
não pode dar é valer e ser eficaz, ou valer, ou ser eficaz, sem ser; porque não
há validade, ou eficácia do que não é¹.
No mesmo sentido,
Bernardes de Mello corrobora:
Na análise das
vicissitudes por que podem passar os fatos jurídicos, no entanto, é possível
encontrar situações em que o ato jurídico (negócio jurídico e ato jurídico
stricto sensu) (a) existe é válido e é eficaz (casamento de homem e mulher
capazes, sem impedimentos dirimentes, realizado perante autoridade competente),
(b) existe, é válido e é ineficaz (testamento de pessoa capaz, feito com
observância das formalidades legais, antes da ocorrência da morte do testador),
(c) existe, é inválido e é eficaz (casamento putativo, negócio jurídico
anulável, antes da decretação da anulabilidade), (d) existe, é inválido e é
ineficaz (doação feita pessoalmente, por pessoas absolutamente incapazes), ou,
quando se trata de fato jurídico stricto sensu, ato fato-jurídico, ou fato
ilícito lato sensu, (e) existe e é eficaz (nascimento com vida, a pintura de um
quadro, o dano causado a bem alheio) ou, excepcionalmente, (f) existe e é ineficaz,
porque a validade é questão que diz respeito, apenas, aos atos jurídicos
líticos².
Portanto, verifica-se que
é impossível tratar, da mesma forma, as expressões “existência”, “validade” e
“eficácia”, porque expressam três situações distintas pelas quais podem passar
os fatos jurídicos. No entanto, não é raro encontrar na doutrina e na
jurisprudência o emprego errôneo e/ou inadequado das expressões “existência”,
“validade” e “ineficácia”, como se fossem, até mesmo, sinônimas. Martinho
Garcez confunde os conceitos de ato nulo (grau máximo da invalidade) com ato
inexistente, ao definir o ato jurídico nulo, nos seguintes termos: “Um ato
jurídico é nulo: 1° quando a lei o declara tal, como contrário às suas
prescrições; 2° quando lhe faltam condições essenciais à sua existência; 3°
quando é contrário à ordem pública e aos bons costumes”³.
Não se pode concordar com
o mencionado autor. O plano da existência é a base para o da validade e o da
eficácia; não se pode ter um ato válido, inválido, eficaz ou ineficaz, sem que
ele, primeiramente, exista.
Assim, pode-se dizer que o
plano da existência é o plano do ser, passam por ele todos os fatos jurídicos,
sejam lícitos ou ilícitos. No momento em que a norma jurídica incide em um
determinado fato, este é ingressado no plano da existência.
Por seu turno, o plano da
validade corresponde à análise da perfeição do ato jurídico (ausência de
qualquer vício invalidante) e da existência de defeito invalidante.
Destaque-se que nem os
fatos jurídicos lícitos – aqueles que decorrem de fenômenos da natureza, sem a
intervenção humana – nem os ilícitos passam pelo plano de validade. Isso
porque, não há como caracterizar em nulo ou anulável (graus da invalidade) um
fato decorrente da natureza (fato jurídico stricto sensu) ou um ato-fato
jurídico (aquele que decorre de comportamento humano e gera consequências
jurídicas, sendo que o ato volitivo, ou seja, a vontade humana é irrelevante).
Da mesma forma, uma eventual aplicação de nulidade a um ato ilícito traria
benefício ao próprio figurante do ato, o que seria um verdadeiro contrassenso.
De acordo com Cristiano
Chaves de Farias e Nelson Rosenvald “há um certo paralelismo entre os elementos
do plano da existência e os elementos do plano da validade”4. Isso porque os
mencionados autores, ao tratarem do negócio jurídico, afirmam que seriam
pressupostos de existência: (i) agente; (ii) objeto; (iii) forma e (iv) vontade
exteriorizada consciente, sendo que a qualificação destes ensejam os requisitos
de validade: (i) agente capaz; (ii) objeto lícito, possível, determinado ou
determinável; (iii) forma adequada (prescrita ou não defesa em lei); (iv)
vontade exteriorizada conscientemente, de forma livre e desembaraçada.
Por fim, o plano da
eficácia será o momento em que os fatos jurídicos produzirão os seus
respectivos efeitos, criando, extinguindo, modificando ou substituindo relações
jurídicas.
Assim, pode-se dizer que
os fatos jurídicos podem passar por três planos distintos: o da existência, o
da validade e o da eficácia. Trata-se de situações diversas, sendo inconcebível
classificá-las como sinônimas.
___________
¹ PONTES DE MIRANDA,
Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte geral, t. IV, p. 15
² MELLO, Marcos Bernardes
de. Teoria do fato jurídico: plano da existência, 2007, p. 98.
³ GARCEZ, Martinho. Das
nulidades dos atos jurídicos, p. 16
4 FARIAS, Cristiano Chaves
de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral, p. 408
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