Simone Oliveira
Rocha¹
Mateus Victoria
Gontijo²
¹Sócia do Escritório
Homero Costa Advogados, pós-graduada em Gestão Estratégica de Empresas pela
Faculdade Newton Paiva
²Estagiário do
Escritório Homero Costa Advogados
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 27 em 14/07/2010
É devido o adicional de
transferência aos empregados de uma empresa que se transfere para outra
localidade dentro da mesma Região Metropolitana?
A solução do
questionamento passa necessariamente pela análise dos diplomas normativos
aplicáveis à questão. Inicialmente, faz-se necessário discorrer acerca das
alterações contratuais promovidas ao longo do pacto laboral, especificamente
quanto à transferência de empregados. A CLT aborda a questão em seus artigos 468,
469 e 470. Vejamos:
“Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
Parágrafo único - Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança.”
“Art. 469 - Ao empregador é vedado transferir o empregado, sem a sua anuência, para localidade diversa da que resultar do contrato, não se considerando transferência a que não acarretar necessariamente a mudança do seu domicílio .
§ 1º - Não estão compreendidos na proibição deste artigo: os empregados que exerçam cargo de confiança e aqueles cujos contratos tenham como condição, implícita ou explícita, a transferência, quando esta decorra de real necessidade de serviço. (Redação dada pela Lei nº 6.203, de 17.4.1975)
§ 2º - É licita a transferência quando ocorrer extinção do estabelecimento em que trabalhar o empregado.
§ 3º - Em caso de necessidade de serviço o empregador poderá transferir o empregado para localidade diversa da que resultar do contrato, não obstante as restrições do artigo anterior, mas, nesse caso, ficará obrigado a um pagamento suplementar, nunca inferior a 25% (vinte e cinco por cento) dos salários que o empregado percebia naquela localidade, enquanto durar essa situação.”
“Art. 470 - As despesas resultantes da transferência correrão por conta do empregador (grifos nossos).”
O teor da norma revela o
seu caráter protetivo, estabelecendo, inclusive, a invalidade de determinadas
modificações, mesmo que tenham anuência do empregado, se forem consideradas
prejudiciais.
Nesta seara afirma Amauri
Mascarenhas Nascimento¹:
“Nenhuma condição de trabalho pode ser modificada unilateralmente pelo empregador, regra contida em nossa lei ao dispor que, nos contratos de trabalho, só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.”
Noutro norte, é consagrado
pela jurisprudência e doutrina a figura do “jus variandi”, definido por Gabriel
Saad² como “o direito de o empregador alterar, unilateralmente, as condições
sob as quais é prestado o serviço, desde que não sejam atingidos os elementos
básicos do ajuste com o empregado. É legitima essa faculdade quando exigências
técnicas ou financeiras a justificam amplamente”.
Ante o exposto, conclui-se
pela necessidade de se utilizar do poder potestativo patronal de maneira
cautelosa, sob pena de ferir os dispositivos supracitados. Assim, não é demasiado
estabelecer que a mencionada prerrogativa encontra limite na inexistência de
prejuízos, sobretudo patrimoniais, ao empregado.
Prosseguindo-se no exame
da matéria, deve ser definido se a natureza da alteração proposta pode ser
considerada uma “transferência” e se acarretará prejuízos financeiros aos
empregados.
Na hipótese em análise, a
mudança de localidade da empregadora é feita dentro da mesma região
metropolitana, sendo razoável concluir que a alteração contratual pretendida
não importará na modificação substancial da logística adotada pelos empregados
para se apresentarem ao trabalho, principalmente em razão da existência de
transporte intermunicipal existente entre as cidades.
O entendimento apresentado
é, inclusive, adotado pela jurisprudência pátria:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. MUDANÇA DE RESIDÊNCIA NÃO CONFIGURADA. ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA. INDEVIDO. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, ante a constatação de divergência jurisprudencial. Agravo de instrumento provido. Recurso de revista. Mudança de residência não configurada. Adicional de transferência. Indevido. Restando incontroverso nos autos que, a despeito de o reclamante ter prestado serviço em localidade diversa, não houve mudança de residência, inviável, acolher o pedido de pagamento do adicional de transferência, visto que não preenchido um dos pressupostos indispensáveis para seu deferimento, qual seja, a mudança de sua efetiva residência. Recurso de revista conhecido e provido parcialmente.” (TST; RR 188740-69.2002.5.15.0020; Sexta Turma; Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado; DEJT 07/05/2010; Pág. 1146)
“RECURSO DE REVISTA. ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA. AUSÊNCIA DE MUDANÇA DE DOMICÍLIO. INDEVIDO. O tribunal regional, expressamente, consignou que a transferência do reclamante não acarretou a mudança de domicílio. Cumpre ressaltar que a aludida mudança é requisito exigido pelo caput do artigo 469 da CLT para a caracterização da transferência e do direito ao correspondente adicional, previsto no § 3º desse dispositivo. Recurso de revista não conhecido.” (TST; RR 840/2004-004-20-00.0; Segunda Turma; Rel. Min. Roberto Pessoa; DEJT 04/06/2010; Pág. 426)
Ademais, quanto ao
vocábulo “localidade” indicado no caput do art. 469 da CLT, é possível inferir
através de analogia, por aplicação do item X da Súmula n.º 6 do C. TST, que
versa sobre a equiparação salarial, a seguinte conceituação:
“Súmula nº 6
[…]
X - O conceito de "mesma localidade" de que trata o art. 461 da CLT refere-se, em princípio, ao mesmo município, ou a municípios distintos que, comprovadamente, pertençam à mesma região metropolitana. (ex-OJ da SBDI-1 nº 252 - inserida em 13.03.2002).”
Nesta mesma linha vale a
pena destacar outros julgados:
“EQUIPARAÇÃO SALARIAL – IDÊNTICA LOCALIDADE. Esta Corte Superior consagrou o entendimento de que o conceito de “mesma localidade” de que trata o art. 461 da CLT refere-se, em princípio, ao mesmo município, ou a municípios distintos que, comprovadamente, pertençam à mesma região metropolitana. Assim, devida a equiparação quando esclarecido na decisão regional que reclamante e paradigma prestavam serviços em municípios distintos, porém limítrofes, “onde as condições geográficas e econômicas eram idênticas” (fl. 435). Embargos a que se nega provimento”. (Processo TST-ERR-392364/01 – SBDI-1 – Relator Ministro Wagner Pimenta – Embargante: Universal Leaf Tabacos Ltda. – Embargada: Delmar Podelevski Tejada – julg. 12/11/01 – publ. DJ de 14/12/01)
Observa-se, assim, que a
alteração contratual, objeto da presente exposição, não dá ensejo ao surgimento
da obrigação do pagamento do adicional de transferência, sobretudo, pela
inexistência de necessidade de mudança de residência do empregado e do conceito
de “localidade” adotado pela jurisprudência.
A seguir, a título de
ilustração, transcrevemos uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho, que bem
reflete o que foi articulado:
“RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA LEI N.º 11.496/2007. (...) 2) TRANSFERÊNCIA SEM MUDANÇA DE RESIDÊNCIA. DOMICÍLIO. CÓDIGO CIVIL DE 2002. ATO LÍCITO DO EMPREGADOR. ADICIONAL INDEVIDO. Não se pode migrar o conceito de domicílio, preconizado no art. 72 do novo Código Civil, para o campo de Direito do Trabalho, sem se atentar para a mens legis dos dispositivos que com ele guardam relação. O art. 469 da CLT não se reveste apenas do caráter tutelar ao obreiro. Tal preceito confere legitimidade ao jus variandi do empregador, assegurando-lhe a possibilidade de transferir ou remover o empregado para outra localidade, desde que não implique efetiva alteração de sua residência. O critério de residência, conquanto a Lei se refira a domicílio, consiste no substrato fático indispensável à caracterização da hipótese, a ponto de entender-se que, não havendo mudança de residência, não há de se falar em transferência. Abstrair a idéia de residência, a fim de adotar o conceito de domicílio como o local onde o empregado exerce a sua profissão, para efeitos do art. 469 da CLT, tem por condão reconhecer ilícita determinada conduta do empregador, para a qual a lei assegurou plena legitimidade. No caso concreto ficou demonstrado que a Reclamante retornava ao fim do expediente para a sua residência, o que evidencia mais um distanciamento do local de trabalho, do que efetiva transferência, segundo a dicção do art. 469 da CLT. (...)” PROCESSO: E-ED-RR NÚMERO: 669384 ANO: 2000 PUBLICAÇÃO: DEJT - 31/10/2008 - Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho – Rel. Ministras MARIA DE ASSIS CALSING.
Verifica que a mudança de
local de trabalho dentro da mesma região metropolitana não pode ser rotulada de
transferência propriamente dita e sobre a qual dispõe o artigo 469 da CLT.
De fato, na visão de
Messias Pereira Donato³, trata-se de um típico caso de remoção, “suscetível de
processar-se dentro do mesmo estabelecimento, de um estabelecimento para outro,
na mesma localidade e até mesmo em localidades diversas, desde que inexista
mudança no domicílio do empregado.”
Assim, considerando-se o
ato como sendo uma remoção, e não transferência, fica evidente que o adicional
não é devido aos empregados se a mudança do local de trabalho ocorrer dentro da
mesma região metropolitana.
Salienta-se, no entanto,
que o Colendo Tribunal Superior do Trabalho, por intermédio da Súmula 29,
firmou entendimento de que eventual acréscimo dos custos com transporte corre
por conta do empregador:
“Transferência - Ato Unilateral do Empregador - Despesa de Transporte - Empregado transferido, por ato unilateral do empregador, para local mais distante de sua residência, tem direito a suplemento salarial correspondente ao acréscimo da despesa de transporte.”
Logo, mesmo apesar dos
conceitos e teses indicadas, aconselha-se que seja realizada a complementação
ou o pagamento da majoração no custo do transporte dos empregados, se
constatada, com a finalidade de evitar eventual alegação de alteração contratual
lesiva.
__________________
¹ Curso de Direito do
Trabalho – pág. 390, 11ª edição, 1995, Saraiva
² Curso de Direito do
Trabalho, pag. 238. 2000, Ltr
³ DONATO, Messias Pereira
– 2ª ed. Rev. E atualizada. São Paulo, Saraiva 1977. p. 304
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