quinta-feira, 31 de julho de 2014

O direito de arrependimento e sua extensão às compras realizadas dentro do estabelecimento comercial

Bernardo José Drumond Gonçalves¹
Clarissa Mello da Mata
²
   

¹Sócio do Escritório Homero Costa Advogados e especialista em Direito Processual

²Estagiária do Escritório Homero Costa Advogados 

*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 35 em 30/06/2011


A legislação brasileira atual tem sido criada a partir de um processo que visa proteger as parcelas consideradas desfavorecidas na sociedade. Com fundamento nessa proteção, encontra-se a defesa do consumidor, consubstanciada, principalmente, na Lei nº 8.078/1990, o Código de Defesa do Consumidor (“CDC”).


Dentre os direitos básicos do consumidor presentes na citada lei, tem-se a regulação do direito ao arrependimento.



Esse direito está previsto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor e configura o direito do consumidor desistir da compra realizada e devolver o produto comprado, com consequente devolução do valor pago, sem ônus.


Entretanto, o CDC estabelece que tal direito só pode ser exercido quanto às compras realizadas fora do estabelecimento comercial, ou seja, aplica-se às transações realizadas via internet, por telefone, catálogo de compras, entre outros meios não presenciais de consumo.


O mencionado direito fundamenta-se no fato de que, ao se realizar compras fora do estabelecimento comercial, por meios eletrônicos, o consumidor não tem acesso direto ao produto. Ao escolher produto dessa forma, o consumidor tem uma vulnerável noção do que se trata e se está de acordo com as especificações técnicas constantes do anúncio, porém elas nem sempre traduzem a verdade e o consumidor, ao receber o produto, pode se decepcionar.


Esse instituto visa também à proteção do consumidor quanto à eventual propaganda enganosa, veiculada pelos meios de comunicação que estimulam a compra “virtual”. Nessa seara, percebe-se que os produtos adquiridos, em muitos casos, podem não apresentar as características em que foram anunciadas.


Uma vez observada a possibilidade de se fazer uso de tal direito, o consumidor não necessita justificar o motivo de seu arrependimento. Entretanto, para que esse direito possa ser exercido, a manifestação de vontade de desfazer o negócio deve ocorrer até 7 dias da conclusão do contrato, devendo o consumidor receber de volta o valor pago, sem descontos.


A discussão atual pauta-se na possibilidade de se aplicar o direito ao arrependimento às compras realizadas dentro do estabelecimento comercial.

É sabido que o arrependimento é um direito garantido para compras realizadas via internet ou mesmo via telefone, partindo do pressuposto de que, em compras desta espécie, não há contato físico com a mercadoria, nem momento de reflexão, o que está ligado à presunção de vulnerabilidade.


Já nas compras feitas pessoalmente, existe uma divergência na aplicabilidade do artigo 49 do CDC. Teoricamente, tem-se um momento de reflexão antes da compra além do contato físico com a mercadoria. Todavia, adentra-se no mérito do direito à satisfação.


Mesmo tendo refletido antes de uma compra, além do contato físico com o produto, se se constatar que o consumidor não satisfez as suas necessidades, indaga-se: caberia a devolução da mercadoria, utilizando-me do principio do direito de arrependimento?


Inaugura-se, então, a necessidade de separar (ou unir) o direito de arrependimento ao direito de satisfação. Seria um a expressão do outro?

Desde a edição do CDC, vários são os projetos de lei que visam modificar o artigo 49, ampliando-lhe ou impondo certas premissas que devem ser preenchidas para a concretização deste direito e o seu possível exercício por parte do consumidor.


Em 2009, o Deputado Antonio Bulhões apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5.995/2009, que propõe a extensão do direito de arrependimento às transações realizadas dentro do estabelecimento comercial, desde que o produto não tenha sua embalagem violada.


No caso da contratação ou aquisição de serviço, será possível o arrependimento desde que sua prestação não tenha sido iniciada. Ainda prevê que, na hipótese de arrependimento, o consumidor poderá optar por receber de volta os valores pagos ou obter crédito para uso futuro no estabelecimento comercial.


Entre as razões expostas pelo Deputado Bulhões na justificativa do Projeto de Lei, está a alegação de que o consumidor também pode ser induzido a erro ao realizar uma compra e venda dentro do estabelecimento comercial, tanto pela propaganda, quanto pelos próprios vendedores.


Entretanto, é cediço que o consumidor, dentro do estabelecimento comercial, tem maiores condições de resistir a essa “pressão” e evitar a “carência” de informações precisas, podendo verificar pessoalmente as características do produto.


A compra realizada “por impulso”, por sua vez, não pode ser imputada ao fornecedor, sendo que a atitude do consumidor foi pautada na sua liberdade de escolha, apesar de ter sentido que talvez tenha sido “influenciado” pela propaganda ou pelos vendedores.


A previsão do direito de arrependimento, nesses casos, pode trazer enorme insegurança jurídica, no que diz respeito ao instituto da compra e venda. Isso porque as empresas fornecedoras de produtos e serviços, ao realizar o negócio jurídico, não terão a certeza se esse negócio vai se confirmar ou se será rompido pela vontade do consumidor.


Cabe ressaltar, ainda, que a nova redação do dispositivo legal pode levar a um “abuso de direito” por parte dos consumidores, que passariam a se sentirem livres para comprar e devolver todos os produtos que adquirirem, sendo que não é necessária uma justificativa plausível para tal devolução.


Sendo assim, a alteração da lei pode trazer perdas significativas, na medida em que a confiança nas relações de compra e venda ficaria fortemente abalada.


Outra justificativa apresentada pelo propositor do projeto de lei é que os brasileiros vêm contraindo dívidas além da sua capacidade financeira, o que tem gerado um enorme índice de inadimplência e de inserção de nomes nos cadastros de mal pagadores. Acredita o Sr. Bulhões que o direito de arrependimento pode servir para evitar a inadimplência, tendo em vista que, se o consumidor comprar além do que pode pagar e perceber que irá se endividar, poderá desfazer o negócio, devolvendo o produto, ao invés de não conseguir pagá-lo.


Alega também que tal medida é vantajosa às empresas que, ao invés de não receberem o pagamento pelo produto vendido, o receberão de volta.


O risco de tal dispositivo é poder ser entendido como um remédio para reduzir os impactos das compras realizadas sem condições de adimplência, sendo que o que a sociedade brasileira precisa é de medidas que evitem o endividamento pela não realização de compras desnecessárias e com as quais não podem os consumidores arcar. Não se trata, portanto, de um problema legal ou de violação de direitos do consumidor, mas sim social, para o qual deve se buscar imprimir melhores programas de educação e conscientização da população sobre o consumo prudente.


Nesse contexto, caso seja possível a extensão do direito de arrependimento para as compras realizadas dentro do estabelecimento comercial, esta não pode ser admitida de forma injustificada, limitando-se à criação de um mecanismo de defesa do consumidor e não uma forma de trazer prejuízos às empresas, provocando insegurança jurídica às transações de compra e venda.


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