quarta-feira, 9 de julho de 2014

Invalidade vs Ineficácia



Silvia Ferreira Persechini

Sócia do Escritório Homero Costa Advogados, especialista em Direito de Empresas pela PUC/MG e Mestre em Direito de Empresa pela Faculdade de Direito Milton Campos
*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 33 em 25/03/2011



Os fatos jurídicos podem passar por três planos distintos: o da existência, o da validade e o da eficácia. Trata-se de situações diversas, sendo inconcebível classificá-las como sinônimas.


Assim, não é admissível relacionar a invalidade dos atos jurídicos com a sua ineficácia. Em geral, o ato jurídico nulo é ineficaz, no entanto, há casos de atos jurídicos nulos, porém eficazes (por exemplo: casamento putativo). Com exceção desses casos, decretada a nulidade do ato jurídico, em regra, não se faz necessária a desconstituição dos efeitos do ato nulo, porque a aparência se desfaz. Nesse sentido, Bernardes de Mello explica:


Afora essas excepcionais situações, o ato jurídico nulo é sempre ineficaz. A ‘eficácia’ que ele apresenta é apenas aparente. Passa-se no mundo dos fatos, não no mundo do direito. Aquele que ‘adquiriu’ um imóvel através de contrato de compra-e-venda nulo e o utilizou, na verdade, juridicamente não lhe adquiriu o domínio. A sua posse no bem é de ser presumida de boa-fé, como efeito mínimo do negócio jurídico nulo, mas sem justo título¹.



Já o ato anulável produz todos os seus efeitos, até que tal ato jurídico e os seus efeitos sejam desconstituídos por sentença judicial. “Desconstituído o ato, desconstituem-se os efeitos que produziu. A desconstituição do ato tem efeitos ex tunc, quanto à sua eficácia própria. Por esse motivo, as partes são restituídas ao estado anterior ao ato, e não sendo possível serão indenizadas pelo equivalente (Código Civil, art. 182)”².


Decorrido o prazo decadencial ou prescricional³, sem que haja a arguição de anulabilidade do ato jurídico, os efeitos deste tornar-se-ão definitivos. Da mesma forma, os efeitos do ato anulável serão definitivos, caso haja, espontaneamente, a concordância do ato, com ciência de seu defeito invalidante.


Percebe-se, portanto, que a ineficácia é, geralmente, consequência da invalidade do ato jurídico, mas nem sempre decorrerá da invalidação deste. A ineficácia pode ser determinada pela própria estrutura do ato jurídico ou ainda por diversas outras causas. Zeno Veloso apresenta alguns exemplos:


O testamento, embora existente e válido, só tem eficácia com a morte do testador; o pacto antenupcial, igualmente, só se reveste de eficácia com a celebração do casamento dos contratantes; o negócio jurídico submetido a condição suspensiva, ainda que existente e válido, só produz efeito com o implemento da condição; da mesma forma o negócio subordinado a termo inicial; o contrato de compra e venda de imóvel só tem eficácia com o registro da escritura; a cessão de crédito não tem eficácia com relação ao devedor, senão quando a este notificada; a partilha amigável, feita entre herdeiros maiores e capazes, só produz efeito depois de homologada pelo juiz; na estipulação em favor de terceiro, a eficácia do negócio depende da aceitação do beneficiário4.


Verifica-se que a eficácia jurídica é a razão de ser do ato jurídico, sua função, sua consequência principal. É improvável que alguém, por exemplo, declare sua vontade para que não gere qualquer sentido e/ou efeito. Todavia, consoante já destacado, há casos em que o ato jurídico vale, mas não produz efeitos, ensejando a ineficácia jurídica.


Na sua obra “Teoria do fato jurídico: plano da eficácia”, Bernardes de Mello define a ineficácia jurídica como sendo a inaptidão do fato jurídico para irradiar os seus efeitos que a norma jurídica lhe imputa, sendo que essa inaptidão pode ser temporária ou permanente. Ainda, o autor emprega a expressão ineficácia jurídica da seguinte forma:


“em sentido lato, quando se refere a toda e qualquer situação em que o fato jurídico não produz efeito, ou ainda não produziu, como ocorre nos casos em que a ineficácia é inerente ao próprio fato jurídico ou decorre de certas vicissitudes a que estão sujeitos os atos jurídicos, v.g., nulidade, anulabilidade, resolubilidade; ou


em sentido estrito, quando diz respeito às espécies
em que a eficácia própria e final não se irradiou ainda (testamento, antes da morte do testador, negócio jurídico sob condição suspensiva, negócio jurídico dependente de elemento integrativo, e.g.) ou, se já produzida, foi excluída do mundo jurídico5.”


Nesse contexto, vale ressaltar que quando a ineficácia é causada pela nulidade do ato jurídico, pode-se dizer que aquela é originária, porque foi determinada por um vício verificado no momento do surgimento do ato jurídico.

Lado outro, quando a ineficácia decorre de fato futuro, como, por exemplo, de um distrato, da não realização da condição resolutiva, tem-se a ineficácia superveniente.


De uma outra forma, de acordo com Zeno Veloso, a invalidade é sempre originária, “decorre de um vício intrínseco, está conectada com a formação, a gênese, o nascimento do negócio jurídico. Se este nasceu válido, é válido para sempre”6.


Ainda, pode-se diferenciar a ineficácia em absoluta e relativa. Há ineficácia relativa quando os efeitos do ato jurídico não se produzem apenas em relação a algum ou a alguns sujeitos de direito, porém, irradiam-se relativamente a outro ou a outros sujeitos de direito7.


Sobre a ineficácia relativa, Zeno Veloso registra que “Há casos, todavia, em que considerando as circunstâncias, a lei recusa efeitos ao negócio. Nestes casos, a ineficácia não atinge os atos, em si, pois eles são válidos, mas impede que os seus efeitos se projetem a determinadas pessoas. Daí esta categoria jurídica ser chamada ineficácia relativa”8.


“Em geral, a interferência não autorizada na esfera jurídica de terceiro acarreta a ineficácia relativa do ato jurídico, quando não há nulidade”9.


Exemplo clássico de ineficácia relativa é a compra de bem imóvel a non domino, ou seja, de quem não é o seu legítimo dono. Nesta hipótese o ato jurídico de compra e venda será ineficaz em relação ao legítimo titular do bem imóvel. Não haverá a transmissão efetiva da propriedade, mas irradiar-se-ão os efeitos obrigacionais desse ato jurídico referentes aos contratantes. Assim, a alienação por non domino não constitui ato nulo, porque este é válido. Trata-se de espécie de ineficácia em relação ao legítimo proprietário, mormente porque pode acontecer do alienante adquirir a propriedade do bem imóvel vendido, posteriormente à alienação, hipótese esta que o ato jurídico de compra e venda tornar-se-á eficaz.


Em suma, pode-se distinguir a invalidade e a ineficácia da seguinte forma. Aquela se dá quando o ato jurídico não preenche todos os seus pressupostos de validade, ensejando a nulidade ou a anulabilidade. Já a ineficácia ocorrerá quando o ato jurídico, por qualquer outra razão, não produza os efeitos para o qual ele foi realizado.


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¹ MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano de existência, 2007, p. 231.
² MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano de existência, 2007, p. 233.
³ “Pelo decurso do tempo, conforme a espécie, prescreve a pretensão a anular o ato e a ação correspondente (=anulatória), ou preclui o direito à anulação. Não é o defeito, a anulabilidade, que prescreve ou preclui, mas a pretensão e a ação anulatória, ou o próprio direito à anulação. Prescrita a ação, encobre-se a pretensão e a ação anulatória, nascendo em favor do outro figurante (=aquele contra quem se pode alegar a anulabilidade) a exceção de prescrição. Por isso, mesmo decorrido o prazo prescricional, se a ação de anulação for proposta, e não for oposta pelo réu a exceção de prescrição, o juiz terá de decretar a anulabilidade do ato, salvo nas espécies que lhe é permitido, de ofício, conhecer da prescrição (CPC, art. 219, § 5°, e Código Civil, art. 194, in fine). [...] Se se trata de prazo de caducidade (= decadencial), o seu transcurso sem a propositura da ação de anulação ou a alegação da anulabilidade como defesa em ação contra o legitimado para pedi-la convalida, simplesmente, o defeito anulante. A caducidade (=decadência) atinge, extinguindo, o próprio direito e por isso opera de pleno iure e independe de alegação”. (MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano de existência, 2007, p. 233).
4 VELOSO, Zeno. Invalidade do negócio jurídico: nulidade e anulabilidade, p. 22-23.
5 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, p. 61.
6 VELOSO, Zeno. Invalidade do negócio jurídico: nulidade e anulabilidade, p. 25.
7 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, p. 65.
8 VELOSO, Zeno. Invalidade do negócio jurídico: nulidade e anulabilidade, p. 25.
9 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, p. 65.



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