quarta-feira, 23 de julho de 2014

A inversão indiscriminada do ônus da prova na relação processual consumerista



Laila Casami de Oliveira
Advogada do Escritório Homero Costa

*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 34 em 20/04/2011


O inciso VIII do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), no intuito de assegurar o equilíbrio da relação processual entre consumidor e fornecedor de produtos e serviços, prevê a possibilidade de inversão ope iudicis do ônus da prova em favor daquele. Entretanto, a referida inversão só pode ser determinada diante da verossimilhança das alegações ou da hipossuficiência do consumidor, a serem apuradas no caso concreto.


A verossimilhança é definida pela doutrina como a aparência da verdade, de maneira que a alegação do consumidor deve passar pelo crivo do juiz que, utilizando-se das regras ordinárias da experiência, apura a probabilidade da mesma ser verdadeira. Em contrapartida, a hipossuficiência consumerista caracteriza-se pela capacidade técnica e econômica diminuída em relação ao fornecedor para suportar e desincumbir-se do onus probandi.

Logo, a mera existência da relação de consumo é insuficiente para a aplicação do artigo, sendo imprescindível que se apure no caso concreto, através das máximas da experiência, a presença de um dos seus requisitos autorizadores, conforme determinado pelo CDC.

Não obstante a clareza do dispositivo legal supramencionado, nota-se nas decisões dos tribunais pátrios, principalmente em primeira instância, uma distorção do instituto.
Superado um primeiro momento de grande receio em se aplicar os princípios protecionistas do Código de Defesa do Consumidor, entrou-se em uma segunda fase de total euforia, em que a inversão do ônus da prova é determinada de maneira totalmente indiscriminada.

Assim, um instituto criado com o fim de estabelecer um equilíbrio entre as partes do processo, vem sendo utilizado como verdadeiro privilégio concedido ao consumidor, sendo deferido de maneira automática e injustificada, em total descumprimento ao preceito legal que o define.

O que se tem, na verdade, é uma medida que deveria ser extraordinária se transformando em regra, gerando na relação processual consumerista um novo desequilíbrio, criado pelo próprio magistrado, que chega muitas vezes ao absurdo de impor ao fornecedor o ônus de produzir prova sabidamente impossível.

Portanto, imperioso destacar a necessidade de uma aplicação criteriosa do artigo 6º, VIII do CDC, impondo-se ao juiz a obrigação de analisar cautelosamente cada caso concreto para só então, apurando a presença da verossimilhança das alegações ou da hipossuficiência do consumidor, determinar a inversão do ônus da prova.
 



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