Stanley
Martins Frasão
Advogado
Sócio de Homero Costa Advogados
A advocacia brasileira está em um momento de
transformação profunda, impulsionada por uma recente pandemia, avanços
tecnológicos, mudanças legislativas e a necessidade de maior eficiência e
transparência.
Faço uma pequena reflexão sobre o futuro da advocacia
no Brasil, examinando os desafios estruturais, as oportunidades emergentes e as
implicações para os Advogados, o Judiciário, o Legislativo e o Executivo.
A advocacia no Brasil tem uma história rica e
complexa, que remonta ao período colonial. As primeiras faculdades de Direito,
fundadas no início do século XIX, foram cruciais para a formação de uma elite
jurídica que desempenhou papéis importantes na construção do Estado brasileiro.
A Constituição de 1988 foi um marco
significativo, consolidando direitos fundamentais e fortalecendo o papel do
advogado como essencial à administração da justiça.
A legislação brasileira tem passado por
diversas reformas que impactaram diretamente a prática da advocacia:
- Código de Proteção e Defesa do Consumidor
(Lei nº 8.078/1990): fixando os Direitos do Consumidor, a Política Nacional de
Relações de Consumo, a Qualidade de Produtos e Serviços, da Prevenção e da
Reparação dos Danos, a Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço, a
Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço.
- Lei nº 9.099/1995, que criou os Juizados
Especiais Cíveis e Criminais e revogou a Lei nº 7.244/1984, que regulamentava
os Juizados de Pequenas Causas.
- Código de Processo Civil (CPC) de 2015:
Visou simplificar e agilizar os processos judiciais, introduzindo mecanismos
como a tutela provisória e a mediação.
- Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015):
Estimulou a resolução extrajudicial de conflitos, promovendo a mediação e a
conciliação como alternativas ao litígio.
- Lei de Acesso à Informação (Lei nº
12.527/2011): Aumentou a transparência e o acesso a informações públicas,
impactando a prática jurídica e a accountability governamental.
O Judiciário brasileiro enfrenta uma
sobrecarga crônica, com milhões de processos em tramitação. A consequência? A
decantada e conhecida morosidade judicial é o resultado do problema que é
persistente, que afeta a confiança da população no sistema de justiça. A falta
de recursos humanos e tecnológicos adequados agrava a situação, tornando a
resolução de litígios lenta e ineficiente, gerando muitas vezes a insegurança
jurídica, elevando o denominado “Custo Brasil”.
O Brasil possui um dos sistemas jurídicos
mais complexos do mundo, com uma vasta quantidade de leis, decretos, portarias
e regulamentos. A constante mudança legislativa exige que os advogados estejam
em permanente atualização, o que pode ser um desafio, especialmente para
escritórios menores e advogados autônomos.
Estamos vivendo um momento desta natureza, a
alteração do Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002), diante do Projeto de
alteração do Código Civil, que está sendo elaborado por uma Comissão de
Juristas, constituída pelo senador Rodrigo Pacheco, em 4 de setembro de
2023. Uma nova preocupação para a comunidade jurídica.
E mais duas outras: (i) a intervenção do CADE
na Tabela de Honorários da OAB (https://homerocosta.blogspot.com/2022/11/intervencao-do-cade-na-tabela-de.html
)
e (ii) a OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que
veiculou o relatório "Regulatory Reform in Brazil", que na parte de
serviços da economia brasileira, afeta a Advocacia Brasileira ( https://homerocosta.blogspot.com/2022/07/ocde-e-advocacia-brasileira.html).
O número de advogados e sociedades de
advogados no Brasil tem crescido exponencialmente, resultando em um mercado
altamente competitivo. A saturação do mercado jurídico é visível, gerando
problemas, profissionais sem colocação ou mal remunerados, torna a
diferenciação um desafio, levando muitos advogados a buscar especializações ou
nichos de mercado para se destacarem.
A
tecnologia está transformando a prática jurídica de várias maneiras:
- Inteligência Artificial (IA): Ferramentas
de IA estão sendo utilizadas para análise de jurisprudência, elaboração de
documentos e até mesmo para prever resultados de litígios.
- Automação de Processos: Softwares de automação
estão simplificando tarefas repetitivas, como a gestão de contratos e a análise
de documentos, permitindo que os advogados se concentrem em atividades de maior
valor agregado.
- Blockchain: A tecnologia blockchain tem o
potencial de revolucionar áreas como a autenticação de documentos, contratos
inteligentes e a cadeia de custódia de provas.
- Tribunal de Justiça de Minas Gerais
compartilhou experiência sobre contratação de startups: “O presidente do TJMG,
desembargador José Arthur de Carvalho Pereira Filho, destacou o interesse do
Judiciário mineiro em manter um canal aberto com as instituições brasileiras
que atuam na área da inovação. “Acreditamos que essas parcerias são muito
produtivas para que possamos colher frutos expressivos desse diálogo” (https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/tjmg-compartilha-experiencia-sobre-contratacao-de-startups.htm#:~:text=Em%20fevereiro%20de%202023%2C%20o,outros%20tribunais%20e%20institui%C3%A7%C3%B5es%20brasileiras. ).
A emergência de lawtechs e legaltechs está
criando novos modelos de negócio no setor jurídico. Essas startups estão
desenvolvendo soluções inovadoras para problemas antigos, como a gestão de
processos, a análise de dados jurídicos e a comunicação com clientes. As
plataformas de resolução de disputas online e marketplaces jurídicos são
exemplos.
A crescente demanda por serviços de
consultoria e prevenção de litígios está abrindo novas frentes de atuação para
os advogados. Empresas estão cada vez mais buscando aconselhamento jurídico
preventivo para evitar problemas legais futuros, o que cria oportunidades para
advogados especializados em compliance, governança corporativa e gestão de
riscos.
O Judiciário brasileiro está em um processo
contínuo de modernização e digitalização. As principais iniciativas incluem:
- Processo Judicial Eletrônico (PJe): A
expansão do PJe visa tornar os processos mais ágeis e acessíveis, reduzindo a
dependência de documentos físicos e facilitando o acesso remoto.
- Inteligência Artificial: Ferramentas de IA
estão sendo desenvolvidas para auxiliar na análise de jurisprudência,
elaboração de peças processuais e até mesmo na colaboração na tomada de
decisões judiciais. O “Victor”, do Supremo Tribunal Federal, que utiliza IA
para triagem de recursos é um exemplo.
- Justiça Digital: A pandemia de COVID-19 (https://homerocosta.blogspot.com/2022/02/o-mercado-da-advocacia-e-sua.html) acelerou a adoção
de audiências e julgamentos virtuais, tendência que deve se consolidar no
futuro. A justiça digital oferece maior flexibilidade e acessibilidade, mas
também apresenta desafios em termos de segurança, privacidade e a necessidade
de flexibilização para atendimento pessoal dos advogados, um direito do
jurisdicionado.
O Poder Legislativo desempenha um papel
crucial na definição do futuro da advocacia, por meio da criação e reforma de
leis. As tendências incluem:
- A tal sonhada, esperada e necessária
Reforma Administrativa.
- Reformas Tributárias e Trabalhistas: A
contínua atualização do arcabouço jurídico para acompanhar as mudanças sociais
e econômicas. Reformas tributárias e trabalhistas são frequentemente discutidas
e têm implicações diretas para a prática jurídica.
- Regulamentação de Novas Tecnologias: A
criação de leis específicas para regular o uso de tecnologias emergentes, como
inteligência artificial e blockchain, no âmbito jurídico. A Lei Geral de
Proteção de Dados (LGPD) é um exemplo de legislação que impacta diretamente a
prática jurídica.
- Transparência e Participação: O aumento da
transparência e da participação popular no processo legislativo, impulsionado
por plataformas digitais. A participação cidadã na elaboração de leis pode
influenciar diretamente a prática da advocacia.
O Poder Executivo, por meio de suas políticas
públicas e regulamentações, também influencia diretamente a prática da
advocacia. As tendências incluem:
- Políticas de Acesso à Justiça: Programas e
iniciativas para ampliar o acesso à justiça, especialmente para populações
vulneráveis. Exemplos incluem a Defensoria Pública e programas de assistência
jurídica gratuita, e neste particular a Advocacia Pro Bono praticada por
advogados e sociedades de advogados é sempre bem-vinda (Provimento 166/2015 do
CFOAB - https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/166-2015?search=166&provimentos=True).
- Incentivo à Mediação e Arbitragem: Promoção
destes métodos de resolução de conflitos para auxiliar o Judiciário na
prestação jurisdicional. A criação de câmaras de mediação e arbitragem e a
capacitação de mediadores são exemplos de iniciativas nesse sentido.
(https://homerocosta.blogspot.com/2024/09/mediacao-um-voto-cidadania.html
).
- Digitalização dos Serviços Públicos: A
digitalização de serviços públicos e a integração de sistemas para facilitar o
acesso a informações e documentos. Iniciativas como o Gov.br e o e-Social são
exemplos de esforços para modernizar a administração pública.
Os advogados do futuro precisarão desenvolver
uma combinação de habilidades jurídicas e tecnológicas. (https://homerocosta.blogspot.com/2023/06/desafios-das-carreiras-juridicas-no.html
). As competências essenciais incluem:
- Conhecimento Jurídico Avançado:
Aprofundamento em áreas específicas do direito, como compliance, direito
digital e proteção de dados.
- Habilidades Tecnológicas: Familiaridade com
ferramentas de IA, automação e análise de dados. A capacidade de utilizar essas
tecnologias para melhorar a eficiência e a qualidade dos serviços jurídicos
será crucial.
- Gestão e Liderança: Habilidades de gestão
de projetos e liderança serão importantes para advogados que desejam assumir
posições de destaque em escritórios de advocacia ou departamentos jurídicos de
empresas. ( https://homerocosta.blogspot.com/2024/04/transformando-visoes-em-realidade.html
).
- Ética e Responsabilidade Social: A postura
ética e o compromisso com a justiça social serão diferenciais importantes em um
mercado cada vez mais competitivo e exigente.
( https://homerocosta.blogspot.com/2023/07/o-conflito-etico-da-sociedade-moderna.html
).
Os advogados precisarão adaptar seus modelos
de negócio e estratégias de mercado para se manterem competitivos. As
tendências incluem:
- Especialização e Nichos de Mercado: A busca
por especialização em áreas específicas do direito, como direito digital,
proteção de dados e compliance, pode ser uma estratégia eficaz para se destacar
no mercado.
- Parcerias e Colaborações: A formação de
parcerias entre as espécies de Sociedades de Advogados, com lawtechs e outras
empresas de tecnologia pode oferecer vantagens competitivas, permitindo a
oferta de serviços inovadores e eficientes.
- Marketing Digital e Presença Online: A
utilização de estratégias de marketing, inclusive o digital e a construção de
uma presença online forte serão essenciais para atrair e reter clientes em um
mercado cada vez mais digitalizado.
Concluindo, o futuro da advocacia brasileira
será moldado por uma combinação de fatores tecnológicos, legislativos e
sociais.
A capacidade de adaptação e inovação será
crucial para os advogados que desejam se destacar em um mercado cada vez mais
competitivo e dinâmico.
A modernização do Judiciário, as reformas
legislativas e as políticas públicas voltadas para a eficiência e transparência
serão determinantes para o desenvolvimento de uma Advocacia mais acessível,
eficiente e justa.
Os advogados do futuro precisarão não apenas
de conhecimento jurídico, mas também de habilidades tecnológicas e de gestão,
além de uma postura ética e comprometida com a Justiça Social.
A Análise SWOT da Advocacia Brasileira
poderá ser útil:
Forças (Strengths)
- Tradição
e respeito: A advocacia mantém sua posição
respeitada, com raízes históricas profundas no Brasil.
- Formação
acadêmica sólida: Presença de faculdades de Direito
renomadas e um sistema educacional em evolução.
- Regulamentação
profissional: Atuação da OAB na regulamentação e
fiscalização da profissão.
- Demanda
constante: Complexidade do sistema jurídico
brasileiro gera demanda contínua por serviços jurídicos.
- Adaptabilidade:
Capacidade de adaptação a mudanças legislativas e tecnológicas, como
demonstrado durante a pandemia.
Fraquezas (Weaknesses)
- Saturação
do mercado: Crescimento exponencial no número de advogados,
levando à alta competitividade.
- Complexidade
legislativa: Sistema jurídico brasileiro
extremamente complexo, exigindo constante atualização.
- Morosidade
judicial: Sobrecarga crônica do Judiciário,
afetando a eficiência e a confiança no sistema.
- Desigualdade
de oportunidades: Concentração de oportunidades em
grandes centros e escritórios estabelecidos.
- Resistência
à mudança: Alguns profissionais ainda resistem à
adoção de novas tecnologias e modelos de negócio.
Oportunidades (Opportunities)
- Inovação
tecnológica: Adoção de legal techs, IA, blockchain
e automação para otimizar processos.
- Especialização
em novas áreas: Surgimento de campos como direito
digital, proteção de dados e compliance.
- Advocacia
preventiva: Aumento da demanda por consultoria jurídica
preventiva e gestão de riscos.
- Métodos
alternativos de resolução de conflitos: Crescimento da
Mediação e Arbitragem.
- Parcerias
estratégicas: Colaborações entre advogados,
sociedades de advogados e startups jurídicas.
Ameaças (Threats)
- Automação
de tarefas: Risco de substituição de algumas
funções jurídicas por IA e automação.
- Mudanças
legislativas frequentes: Necessidade de
atualização constante, podendo gerar insegurança jurídica.
- Pressão
por redução de custos: Desvalorização dos honorários
devido à alta competitividade.
- Desafios
éticos: Novas tecnologias e modelos de negócio
trazem questões éticas complexas.
- Regulamentações
externas: Interferências como a do CADE na
tabela de honorários da OAB e recomendações da OCDE.
Considerações Adicionais
- Impacto
da pandemia: Aceleração da digitalização e adoção
de práticas remotas no Judiciário e na advocacia.
- Reformas
estruturais: Impactos de reformas administrativas,
tributárias e trabalhistas na prática jurídica.
- Habilidades
multidisciplinares: Necessidade de desenvolver
competências em tecnologia, gestão e liderança.
- Acesso
à justiça: Oportunidades e desafios relacionados
à ampliação do acesso à justiça, incluindo a advocacia pro bono.
- Marketing
jurídico: Importância crescente do marketing
digital e presença online para advogados e escritórios.
A Advocacia Brasileira está em um ponto de
inflexão, e aqueles que souberem aproveitar as oportunidades, inclusive as
disfarçadas, e enfrentar os desafios, estarão bem posicionados para liderar
essa transformação.
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