Rita Andréa Guimarães de Carvalho Pereira
Psicanalista, Mediadora e Fundadora do Instituto e Câmara de Mediação Aplicada (IMA)
Maria Eduarda Guimarães de Carvalho Pereira Vorcaro
Advogada
Sócia de Homero Costa Advogados
A Mediação é um catalisador de relações interpessoais
e, por conseguinte, apta a fortalecer o tecido social.
A contemporaneidade nos desafia
profundamente. As relações interpessoais, profissionais, empresariais e sociais
se transformaram em um cenário tecido por redes digitais. O fluxo incessante de
pessoas e ideias, o avanço da automação, a crise de confiança nas instituições
e a necessidade de novos entendimentos sobre sustentabilidade, juntamente com
uma maior consciência dos direitos humanos e da justiça social, redefiniram
nossa maneira de comunicar e nos relacionar diante das complexidades das
demandas. Vivemos em uma sociedade onde a cultura da judicialização se tornou
quase um reflexo automático, uma resposta que parece inevitável diante de
qualquer conflito. Essa cultura, enraizada na nossa estrutura social e
jurídica, não apenas sobrecarrega o Judiciário, mas também limita a capacidade
de buscar soluções mais criativas, eficazes e humanizadas.
Quando um grupo de juristas se debruça em uma
Comissão para regulamentar o Processo Estrutural, por nomeação da presidência
do Senado, uma janela de oportunidade se abre.
O Processo Estrutural refere-se a uma
abordagem judicial ou administrativa voltada para a resolução de questões
complexas que envolvem direitos coletivos ou difusos, geralmente decorrentes de
falhas em políticas públicas ou privadas que afetam a sociedade como um todo.
Esses processos visam gerar mudanças sistêmicas e abrangentes, assegurando que
os direitos fundamentais sejam efetivamente protegidos.
Contudo, para que essas mudanças ocorram de
maneira efetiva, é imprescindível um raciocínio dialógico que promova a
construção coletiva das soluções.
É nesse contexto que o IMA Instituto e Câmara
de Mediação Aplicada – com seus quatorze anos de história e expertise em
métodos adequados de resolução de conflitos – contribui para a criação de
diretrizes que promovam soluções mais eficazes e ressaltem a essencialidade da
mediação para construção de consensos. A mediação não apenas facilita a
consensualidade, mas também assegura que todas as vozes sejam ouvidas e que as
soluções sejam construídas de forma colaborativa, refletindo um compromisso
genuíno com a justiça social e a proteção dos direitos fundamentais.
Considerando que o processo estrutural é um
diálogo constante e que o consenso entre as partes interessadas é a base para a
melhor solução dos problemas identificados, propomos a integração dos
Mecanismos Adequados de Resolução de Conflitos (MARCs), aqui representados pela
mediação, conciliação e negociação, como parte fundamental da Justiça.
Apesar dos avanços com a Lei 13.140/2015,
conhecida como a Lei da Mediação, e os artigos 165 a 175 do CPC, que incentivam
os métodos de resolução de conflitos, observamos que a sociedade brasileira
recorre de forma crescente ao Judiciário, não reconhecendo plenamente os
métodos adequados de resolução de conflitos. Sabemos da profunda ligação entre
cultura, tradição jurídica e a percepção social sobre a justiça.
Exploraremos os caminhos pelos quais a
mediação pode ser integrada de forma mais eficiente e abrangente no contexto
institucional, desde a contratação de mediadores até a articulação com câmaras
privadas. Mais do que uma simples lista de procedimentos, esta é uma reflexão
sobre como podemos transformar o modo como lidamos com os conflitos,
construindo uma sociedade mais justa e participativa.
Processos estruturais frequentemente envolvem
a colaboração entre diferentes entidades que podem ter visões divergentes sobre
o projeto. Os métodos adequados de solução de conflito - com ênfase na mediação
- , podem facilitar o diálogo entre os envolvidos, ajudando-os a entender
e respeitar as necessidades e limitações uns dos outros; Criar um espaço neutro
para discussões, onde todos possam expressar suas preocupações e propostas;
Conduzir negociações e parcerias, garantindo que os interesses de todas
as partes sejam considerados; Auxiliar na criação de critérios claros e
acordados para a definição de prioridades; Promover um entendimento comum sobre
os objetivos e benefícios do processo estrutural e de reestruturação.
Incentivar o consenso requer profissionais de
mediação formados e contratados. Essa não é apenas uma medida técnica; é, antes
de tudo, uma convocação para transformar o cenário jurídico em um espaço de
construção coletiva e consensual de soluções, onde o acordo entre os envolvidos
assegure acordos sólidos, com segurança jurídica e respeito mútuo, além de
maior efetividade.
Esperamos que a mediação e a conciliação
sejam incentivadas em todas as fases dos processos judiciais e que todos os
atores do sistema de justiça – juízes, defensores públicos, promotores e demais
operadores do Direito – promovam ativamente o uso desses métodos. É essencial
que essa promoção ocorra em qualquer momento da tramitação processual,
reforçando a importância dessas práticas na busca por soluções mais céleres e
eficazes.
Para garantir a eficiência dessa proposta,
sugerimos que, na construção das novas regras do processo, seja prevista a
presença do mediador, não apenas como função, mas como uma especialidade, uma
ferramenta fundamental. Para isso, é necessário estimular a formação e
contratação de profissionais qualificados nessa área.
É crucial uma regulamentação que favoreça a
mediação e a cooperação, atendendo não apenas à justiça, mas também criando uma
cultura de resolução de conflitos, onde o engajamento significativo dos
envolvidos é o principal motor da mudança. O Judiciário tem braços que precisam
ser evocados, de modo que câmaras privadas credenciadas e institutos formadores
reconhecidos sejam parte integrante e reconhecida da política pública,
recebendo apoio e exigência de capacitação contínua e transparência em suas
práticas. Isso assegura que a mediação seja mais do que um simples
procedimento, transformando-se em um processo de comunicação ética.
Nesse contexto, é essencial considerar como
essas práticas podem ser ampliadas e incorporadas em outras esferas, como as
ouvidorias públicas, especialmente em questões administrativas, financeiras e
tributárias. Isso permitirá que os cidadãos resolvam suas questões com a
administração pública de maneira mais justa e eficiente, reforçando a confiança
no sistema.
Adicionalmente, sugerimos a criação de
incentivos fiscais para empresas que adotem práticas de mediação em suas
operações. Essa medida não só promove a resolução interna de conflitos, mas
também incentiva uma cultura corporativa de diálogo e cooperação.
O epicentro dessa transformação deve ser a
educação, começando pelo currículo de formação básica, como alicerce para a
construção de uma cultura de mediação, bem como projetos que promovam a
mediação como uma prática cotidiana no âmbito comunitário. Sugerimos a
implementação de programas específicos para capacitação de mediadores nas
comunidades e nas escolas.
Para integrar o projeto, recomendamos o
lançamento de campanhas para informar o público sobre a mediação e seus
benefícios, utilizando mídia e redes sociais para mudar a percepção pública e
aumentar a aceitação da mediação como um meio válido de resolução de conflitos.
Propomos também a criação de um programa
continuado que abranja os mais diversos órgãos públicos, promovendo a
articulação entre diferentes políticas públicas, de modo a garantir que áreas
como saúde, educação e segurança também se beneficiem de uma abordagem intersetorial,
contribuindo para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS) da ONU, especialmente no que tange à promoção de instituições eficazes e
à manutenção da paz.
Esses projetos, quando bem-sucedidos, podem
servir como modelos replicáveis, fortalecendo a cultura da mediação em todo o
país. Portanto, nossa crítica construtiva é que, para que a mediação e outros
métodos adequados alcancem seu pleno potencial, é necessário um estímulo
direcionado. A transformação legal, por si só, não é suficiente para criar
mecanismos eficazes, especialmente se as pessoas a serem impactadas por eles
sequer os conhecem. É crucial investir na pedagogia da mediação, promovendo a
conscientização e a transformação necessárias.
Estamos diante de uma oportunidade única de
repensar a maneira como resolveremos nossos conflitos e construiremos uma
sociedade mais justa e pacífica.
Como Emanuel Levinas disse: “A verdadeira essência da justiça é reconhecida na responsabilidade pelo Outro.” Que essa proposta seja o início de uma era onde o envolvimento, a participação e a responsabilidade sejam os verdadeiros fundamentos da nossa cidadania.
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