Orlando José de Almeida
Advogado
Sócio de Homero Costa Advogados
O pedido de suspensão da Carteira Nacional de
Habilitação (CNH) dos devedores vem sendo formulado com certa frequência por
parte dos credores, com o objetivo de recebimento dos seus créditos.
No dia 03/10/2024, foi publicada notícia no
site do Tribunal Superior do Trabalho -TST, referente ao
julgamento proferido nos autos do processo nº ROT-1032624-06.2023.5.02.0000, cujo acórdão foi
publicado no dia 11/09/2024. A matéria recebeu o seguinte título: “Empresários
não conseguem reverter suspensão de carteira de habilitação por habeas corpus”.
No mencionado processo a Subseção II Especializada
em Dissídios Individuais (SDI-2), do TST,
em decisão unânime, não admitiu recurso em habeas corpus impetrado por
empresários que tiveram as suas CNHs suspensas.
Os fatos que originaram o julgamento, em síntese,
foram assim descritos: “Os empresários, donos de postos de gasolina e
conveniência, foram condenados a pagar diversas parcelas a um ex-empregado.
Como os valores não foram pagos, na fase de execução, o juízo da 51ª Vara do
Trabalho de São Paulo ordenou a suspensão das carteiras de motorista (CNH) e
dos passaportes dos três. No habeas corpus, eles alegaram que a CNH é
indispensável e que sua suspensão os impediria de trabalhar - um deles é
motorista de excursões de veículos 4x4 para esportistas, o outro é corretor
autônomo de imóveis, e o terceiro é advogado. O Tribunal Regional do Trabalho
deferiu a liminar em relação ao bloqueio dos passaportes, mas manteve a
suspensão das CNH, porque a medida não cerceia o direito de locomoção, porque
“a direção de veículo não é um único meio para tal fim”. Eles então recorreram
ao TST, alegando que o habeas corpus serve, também, para sanar violência contra
outros direitos constitucionalmente garantidos.”
Vale lembrar que o habeas corpus é uma ação
constitucional prevista no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, que
estabelece:
Conceder-se-á
habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência
ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
E o artigo 647, do Código de Processo Penal,
determina:
Dar-se-á
habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer
violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de
punição disciplinar.
A finalidade do instituto, portanto, é a “proteção
da liberdade de locomoção sofrida por pessoa física, ou que se ache na iminência
de sofrer coação ilegal na liberdade de ir e vir em decorrência de abuso de
poder ou ilegalidade praticada.”
Por ocasião mencionado julgamento, diante de recurso
interposto em habeas corpus, o Colegiado entendeu que “esse tipo de processo é
inadequado, porque a decisão questionada só os impede de dirigir, mas não de se
locomover”, cuja ementa foi a seguinte:
AGRAVO. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS
CORPUS. MEDIDAS ATÍPICAS DE EXECUÇÃO. SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE
HABILITAÇÃO – CNH. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM
RESOLUÇÃO DE MÉRITO. 1. Esta Subseção II Especializada em Dissídios
Individuais, no julgamento do processo nº TST-HCCiv-1000678- 46.2018.5.00.0000,
firmou o entendimento de que o habeas corpus tem cabimento
restrito à defesa da liberdade de locomoção primária, assim entendida
como a proteção do direito de ir, vir e permanecer consubstanciado na
liberdade física como condição necessária para o seu exercício. 2.
Na presente hipótese, os impetrantes pretendem a cassação da decisão que
determinou a suspensão de suas CNH para assegurar o cumprimento da ordem
judicial, o que denota a inadequação da via eleita, porquanto tal determinação
tão somente restringe a condução de veículos pelos próprios impetrantes e não a
sua liberdade de locomoção em si. Agravo a que se nega provimento.
E na mesma direção o Tribunal Superior do Trabalho,
por intermédio da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, já se
manifestou:
HABEAS CORPUS.
ATLETA PROFISSIONAL. LIBERAÇÃO PARA EXERCÍCIO EM OUTRA AGREMIAÇÃO ESPORTIVA. AUSÊNCIA DE
RESTRIÇÃO DO DIREITO
PRIMÁRIO DE LIBERDADE
DE LOCOMOÇÃO (DIREITO DE IR, VIR
E PERMANECER). SUPERAÇÃO DA DOUTRINA BRASILEIRA DO HABEAS CORPUS.NÃO CABIMENTO.
A Justiça do Trabalho tem competência constitucional para apreciação de habeas corpus,
quando o ato questionado envolver matéria
sujeita à sua
jurisdição. Contudo, tal competência
deve observar os limites de cabimento da referida ação constitucional
garantidora de liberdades fundamentais, em respeito à instrumentalidade das
ações constitucionais. A jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é firme no
sentido de que o habeas corpus tem cabimento restrito à defesa da liberdade de
locomoção primária, assim entendida como o direito de ir, vir e permanecer. Admissível,
portanto, como meio de proteção de direitos que tenham na liberdade física
condição necessária para o seu exercício. Precedentes do
STF e do
STJ. Contraria o
entendimento majoritário dessas
Cortes, portanto, a admissão de habeas corpus para discutir
cláusula contratual de atleta profissional, com pedido de transferência imediata
para outra agremiação
desportiva e de
rescisão indireta do
contrato de trabalho, por
não afetar restrição
ou privação da
liberdade de locomoção.
Se a discussão afeta somente
secundariamente a liberdade
de locomoção, decorrente
de liberdade de exercício de profissão ou trabalho, não cabe habeas
corpus, caso em que o direito deve ser tutelado por outro meio admitido em
Direito. Eventuais restrições do exercício de atividade por atleta profissional
não autorizam a impetração de habeas corpus, porquanto não põem em risco a
liberdade primária de ir, vir ou permanecer. Ademais, na hipótese dos autos, o
habeas corpus foi utilizado como substitutivo de decisão a ser proferida na
reclamatória trabalhista, âmbito apropriado para a análise probatória da alegação
de descumprimento do
contrato, uma vez
que o paciente
apresentou reclamatória trabalhista,
cujo pedido de tutela de urgência de natureza antecipada foi indeferido e
contra o qual impetrou mandado de segurança. O presente habeas corpus foi
impetrado contra decisão em agravo regimental da Seção Especializada do
Tribunal Regional, que cassou a liminar concedida no mandado de segurança.
Habeas corpus extinto sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, IV, do
CPC/2015. (TST-HCCiv-1000678-46.2018.5.00.0000, Subseção II Especializada em
Dissídios Individuais, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 01/02/2019,
destaques acrescidos)
RECURSO
ORDINÁRIO. HABEAS CORPUS. SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO- CNH.
AUSÊNCIA DE AMEAÇA
À LIBERDADE DE
LOCOMOÇÃO. JURISPRUDÊNCIA DO
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
DESCABIMENTO DO WRIT. 1. Trata-se
de habeas corpus
impetrado contra ato
judicial que, na fase de
execução, determinou a suspensão
da carteira de
habilitação da paciente.
2. O habeas
corpus, remédio constitucional previsto
no art. 5º, LXVIII, da Carta Magna, destina-se a garantir o direito de quem
" sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua
liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder ". A doutrina e
os tribunais vêm ampliando a interpretação acerca da "liberdade de locomoção"
tutelada pelo writ, não limitando seu escopo às circunstâncias de estrita
privação de liberdade corporal, mas
autorizando seu manejo
para hipóteses de
imposição de medidas
que efetivamente limitam o livre ir e vir do paciente - desde que
eivadas de ilegalidade. Nessa esteira, o Superior Tribunal
de Justiça e
este Tribunal Superior
do Trabalho passaram
a admitir o
habeas corpus contra atos
que impõem -
injustamente e abusivamente
- a retenção
do passaporte, documento
necessário para a locomoção internacional. 3. Contudo, a jurisprudência de
ambos os Tribunais Superiores é
firme no sentido
de que, diversamente
da retenção do
passaporte, a suspensão da
carteira nacional de
habilitação de trânsito
- CNH -
não configura ameaça tutelável pela via do habeas corpus,
pois não se trata de documento indispensável ao ir e vir, mas tão somente
exigência para a condução própria de veículos automotores. Precedentes
daSDI-2 do TST e do STJ. 4. Assim, embora certo que eventual abuso na retenção
da CNH autoriza o manejo dos meios processuais adequados para sua impugnação e
cessação, o remédio não perpassa a via especial do habeas corpus, que se revela
incabível, tal como decidido na origem. Recurso ordinário a que se nega
provimento. (TST-ROT-1002140-47.2019.5.02.0000, Subseção II Especializada em Dissídios
Individuais, Relator Ministro
Alberto Bastos Balazeiro,
DEJT 01/04/2022, destaques acrescidos)
RECURSO ORDINÁRIO
EM HABEAS CORPUS. SUSPENSÃO DE
CNH E DO
PASSAPORTE DO RECORRENTE. MEDIDA
EXECUTIVA ATÍPICA. INADEQUAÇÃO DO HABEAS CORPUS PARA LIBERAÇÃO DA CNH. NÃO
CONFIGURAÇÃO DE RESTRIÇÃO DO DIREITO PRIMÁRIO DE LOCOMOÇÃO. CABIMENTO DO
REMÉDIO HEROICO CONTRA
ATO DE SUSPENSÃO
DO PASSAPORTE. CARACTERIZAÇÃO DA ABUSIVIDADE DO ATO COATOR. 1. O habeas
corpus, ação integrante da jurisdição constitucional das liberdades, tem por
escopo tutelar a liberdade de locomoção física diante de ameaça de violência ou
coação mediante ilegalidade ou abuso de poder, conforme expressamente previsto
no art. 5.º, LXVIII, da Constituição Federal, não se prestando a tutelar
direitos que não encontram sua condição de exercício na liberdade física de
locomoção, conforme entendimento pacificado pelo STF e por esta Corte
Superior. 2. A partir
dessa premissa, esta
SBDI-2, no julgamento
do RO n.º
8790-04.2018.5.15.0000, ocorrido em 18/8/2020, firmou o entendimento de
ser incabível o habeas corpus para obstar a suspensão da CNH determinada como
medida atípica em processo de execução, com fundamento no art. 139, IV, do CPC
de 2015, uma vez que esse ato não afeta, de forma
objetiva e concreta, a liberdade
de locomoção primária
do indivíduo. 3. Assim, considerando
que o delineamento fático do caso
em exame se amolda integralmente às balizas que sustentaram a ratio decidendi
extraída do referido Precedente - a impetração de habeas corpus para obstar
a suspensão da CNH determinada como medida atípica na execução - , e à luz da
diretriz oferecida pelo art. 926 do CPC de 2015, exsurge manifesta a
inadequação do meio escolhido, impondo-se, nesse tema
específico, a extinção da ação, sem resolução de mérito, nos termos do art.
485, VI e § 3.º,do CPC de
2015. [...] (TST-RO-1247-26.2018.5.05.0000, Subseção
II Especializada em
Dissídios Individuais, Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT
17/12/2021, destaques acrescidos).
O que pode ser
constatado é que o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho, acerca da
matéria, vem sendo na direção de que é possível a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) dos
devedores, como meio de forçar a satisfação da execução, considerando que tal
ato não restringe a liberdade de locomoção, inexistindo
violação ao direito e ir e vir. Logo, o habeas corpus não é medida adequada
para afastar decisão que determinou a aludida suspensão.
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