segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

O MERCADO DA ADVOCACIA E SUA TRANSFORMAÇÃO NA PANDEMIA

 

 

Stanley Martins Frasão

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

 

A conclusão do Anuário 2017 CESA, p. 267, assinada pelo amigo Luiz Roberto de Andrade Novaes, na Introdução, quinto parágrafo, vale ser transcrita:

“A grande verdade é que o ambiente virtual vai ser cada dia mais presente e a nossa atuação se fará através deste ambiente, tanto na advocacia contenciosa quanto na consultiva. Este ambiente inclui, com certeza, todos os instrumentos de comunicação e também de automação e a inteligência artificial. ”

Na vigência do atual ordenamento jurídico brasileiro e mundial, emergiu uma Pandemia, originada pelo coronavírus Covid-19, trazendo transtornos de todas as naturezas, forçando a antecipação de um mundo virtual.

O mercado da advocacia, não diferente de outros, também sofreu e sofre com as consequências geradas pela pandemia.

O denominado Home Office foi implantado, obrigatoriamente diante da gravidade da situação, gerando rodízios de profissionais, dispensa de outros, causando redução de espaços físicos dos escritórios, impactando os proprietários na devolução de parte ou totalidade de seus imóveis. Todo o ciclo e seus componentes sofreram perdas.

O mundo virtual cresceu, trazendo a reboque a descoberta e uso de novas plataformas de comunicação, inclusive, demostrando também a fragilidade e precariedade das conexões virtuais. A esperança da tecnologia do 5G é grande, esperando-se que o deserto virtual seja reduzido.

Se a população, após vacinada, observando-se os protocolos de segurança em saúde, optará por ambientes híbridos, virtuais ou presenciais, ainda é uma incógnita. Mas há parte da população que rejeita as vacinas e outra que não quer retornar às empresas, insistindo no Home Office eterno, remetendo a discussão ao Poder Judiciário.

Processos judiciais físicos foram suspensos, por algum tempo, e também os eletrônicos em alguns estados da federação, durante a pandemia. Isso sem falar dos processos administrativos, cada vez mais lentos. Sabe-se que os prejuízos nesta seara foram grandes e impactaram principalmente as pequenas sociedades de advogados.

No campo das audiências judiciais e julgamentos nos tribunais, a reclamação foi grande, inclusive com violações de prerrogativas de advogados, denunciadas por advogados e veiculadas nos meios de comunicação impressa e virtual.

Aliás, no Conselho Federal da OAB há um Canal de Prerrogativas: https://www.prerrogativas.org.br/

A verdade é que, regra geral, na visão de muitos, audiências de instrução, sustentações orais e despachos necessitam ser presenciais.

A tecnologia e seus robôs viraram itens de necessidade para o mercado jurídico, fomentando-se o mundo das legaltechs.

A Advocacia é a mesma para todos os inscritos nas Seccionais da OAB, mas bem sabemos das dificuldades inerentes ao exercício da profissão.

Dos processos manuscritos, passando pelas máquinas de escrever, posteriormente pelas máquinas elétricas, desktops, laptops, editores de textos, a certeza é de sofrimento, quer seja pela transformação, com ou sem dor, seja pela aceitação do novo.

Vale lembrar que a Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial; nos termos do artigo 1º., o uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei. Aplica-se o disposto nesta Lei, indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição.

Sem dúvida, a citada Lei causou a exclusão de muitos advogados. Sou testemunha de que advogados abandonaram a profissão por dificuldades tecnológicas; algumas sociedades de advogados encerraram suas atividades exatamente por tais razões.

Em 2008, o autor inglês e professor de Direito da Gresham College, Richard Susskind, publicou o livro “O Fim dos Advogados”, que marcou o início da discussão amparada em dados e prospecções sobre a então iminente automação da advocacia.

Em linhas gerais, a principal tese do autor é no sentido de que a expansão da tecnologia da informação e a mercantilização da profissão do advogado poderia ocasionar o fim da advocacia dentro dos próximos 100 anos. 13 anos já se passaram... A publicação foi recebida com polêmica no meio jurídico.

Desde então, a discussão sobre a possível substituição do advogado pela tecnologia vem dividindo pesquisadores e operadores do Direito em duas linhas: os que veem a tecnologia como uma ameaça à advocacia e os que enxergam na automação uma oportunidade disfarçada, com a qual o exercício de advocacia atingiria novos patamares de desenvolvimento, redução de custos e eficiência.

As Lawtechs direcionadas a escritórios de advocacia, oferecendo softwares e utilitários para automação de documentos, pesquisa de jurisprudência, jurimetria e monitoramento de processos estão presentes no mundo jurídico, um número que cresce a cada dia, para alugar ou comprar as tecnologias, mas bem sabemos que os recursos financeiros são parcos no universo da grande maioria dos advogados e espécies de sociedades de advogados.

Com a Covid-19, a virtualização de reuniões, audiências, julgamentos, sustentações orais dentre outros, e, mais uma vez, a constatação de exclusão de muitos advogados.

Uma solução, a meu sentir, passa pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que tem condições de dotar de recursos tecnológicos completos cada uma das Subseções, de cada uma das Seccionais da OAB, o que impactará na transformação e inclusão de cada Advogada (o).

O CESA - Centro de Estudos de Sociedades de Advogados em conjunto com a AB2L - Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs, fizeram um levantamento entre as associadas do CESA, no primeiro trimestre de 2020, visando conhecer os impactos gerados pela Covid-19. O trabalho foi divulgado e debatido na reunião de associadas do CESA, em 28 de abril de 2020.  Foram 649 sociedades respondentes, sendo que 22% fazem uso de Legaltechs. O levantamento concluiu que “os escritórios que já possuíam legaltechs ou que contrataram tiveram um impacto negativo menor na pandemia. Em alguns, a demanda aumentou. ”

O exercício da Advocacia, que somente pode ser exercido por advogados (artigo 1º. da Lei 8.906), profissão escolhida por mais 1.200.000 inscritos, atualmente, nas Seccionais da OAB, o volume de Leis, o grande espectro jurídico de especialidades, acabam por dar pujança ao mercado jurídico e despertar interesses em novos estudantes de direito.

A proliferação dos cursos de direito, que ultrapassaram a marca de 1.800, demonstram o sonho de muitos em participar e ingressar no mercado jurídico, a despeito da existência de centenas de bacharéis de direito, número estimado em mais de 5 milhões, que não conseguem a habilitação para o exercício de profissão, sendo verdade que parte destes bacharéis seguem a trajetória de concursos públicos.

O crescimento do número também das espécies de sociedades de advogados, principalmente de Sociedades Unipessoais de Advocacia, inclusive no período pandêmico, é prova irrefutável de que o mercado da advocacia é forte o suficiente para sobreviver às crises de todas as naturezas.

Deve ser lembrada a edição do Provimento n. 205/2021 do Conselho Federal da OAB, que dispõe sobre a publicidade e a informação da advocacia destinado aos advogados e às espécies de sociedades de advogados, que possibilita a melhoria do marketing jurídico ético, podendo gerar valor aos conteúdos gerados.

Antes do citado Provimento  n. 205/2021, foi criada pelo Conselho Federal da OAB, por meio da Portaria 1473, de 29 de outubro de 2019, a Coordenação Nacional de Fiscalização da Atividade Profissional da Advocacia (https://fiscalizacao.oab.org.br//), que é subordinada à Secretária-Geral Adjunta da OAB Nacional, tendo por finalidade “coibir o exercício ilegal, o abuso, bem como a captação interposta pessoa ou por meio de ferramentas digitais que estimulem o litígio em massa, com o propósito mercantilista, entre outras violações das legislações penais brasileiras e de preceitos ético-disciplinares, previstos na legislação da OAB.”.

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, LGPD, Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, adiada algumas vezes a sua vigência, trouxe aos advogados novo campo de atuação, até porque a maioria das empresas não está em conformidade com a Lei.

A despeito da LGPD, os vazamentos de dados são uma constante, principalmente no Primeiro Setor e nas grandes empresas.

Os meios extrajudiciais de resolução de conflitos estão em alta neste momento de transformação de mentalidade, que abre oportunidades para a Conciliação e Mediação. Um campo aberto para muitos advogados e outros profissionais.

A própria Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, do CNJ Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, estabelece os caminhos: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/conciliacao-e-mediacao/.

Os acordos judiciais também foram fomentados neste momento, afinal 1% de juros ao mês é o suficiente para transformar pequenas somas no tempo em pequenas fortunas.

A Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, movimentou e movimenta o mercado jurídico, porque trata da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelecendo normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, nos termos do inciso IV do caput do art. 1º, do parágrafo único do art. 170 e do caput do art. 174 da Constituição Federal.

Determina a Lei nº 13.874, ainda, que seja observado na aplicação e na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação e na ordenação pública, inclusive sobre exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente.

Prescreve, também, que se interpretam em favor da liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade todas as normas de ordenação pública sobre atividades econômicas privadas. E que o disposto nos arts. 1º, 2º, 3º e 4º da aludida Lei não se aplica ao direito tributário e ao direito financeiro, ressalvado o inciso X do caput do art. 3º.

Outra oportunidade que despontou em 2021 foi a assessoria jurídica especializada às empresas em ASG (em português - ESG em inglês) - Ambiental, Social e Governança. Este assunto é tratado neste Anuário por Barbara Rosenberg.

No dia 27 de agosto de 2021 foi publicada a Lei nº 14.195, de 26 de agosto de 2021, que impactará muitas empresas, emergindo necessidade de assessoria jurídica em múltiplas áreas.

A Lei nº 14.195 dispõe sobre a facilitação para abertura de empresas, sobre a proteção de acionistas minoritários, sobre a facilitação do comércio exterior, sobre o Sistema Integrado de Recuperação de Ativos (Sira), sobre as cobranças realizadas pelos conselhos profissionais, sobre a profissão de tradutor e intérprete público, sobre a obtenção de eletricidade, sobre a desburocratização societária e de atos processuais e a prescrição intercorrente (Código Civil).

Concluindo, o mercado jurídico sempre vive na curva senoidal, sendo certo que a inovação é a constante e o Brasil é fértil em oportunidades e em demandas de todas as naturezas, inclusive as que são geradas pelo Governo Federal, durante décadas.

Em frente!

 

 

 

Fonte: http://www.cesa.org.br/media/files/CESA2021.pdf

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