Bernardo
José Drumond Gonçalves
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados e
Coordenador do Departamento Empresarial
No ordenamento
jurídico brasileiro, há várias formas de testamento. A modalidade denominada
“vital” é um instrumento por meio do qual o testador expressa as suas escolhas,
caso venha perder a sua higidez mental, seja por motivo de doença ou por
acidente – o que lhe impossibilitaria de expressar livremente a sua vontade e
deliberação sobre questões patrimoniais, existenciais e também acerca de
tratamentos médicos a serem seguidos, capazes de prolongar (ou não)
artificialmente sua vida, além da possibilidade de doação de órgãos – o que já
é previsto na Lei nº 9.434/1997, alterada pela nº 10.211/2001. O testador irá
indicar os detalhes ou limites a serem observados na eventual hipótese de não
poder ser conscientemente consultado por uma equipe médica, que, nesse caso,
acionará alguém eleito pelo testador para participação na tomada de decisões
que envolvam seus interesses, especialmente aquelas que permitam a ortotanásia
(morte sem sofrimento) – o que não se confunde, nem assemelha, com eutanásia.
Nos testamentos
tradicionais, a vontade do testador irá ter eficácia apenas após a sua morte.
Ou seja, antes do evento óbito, não possuem qualquer aplicabilidade.
Diferentemente dessas outras espécies, o “vital” é o testamento apropriado para
surtir efeitos antes da morte, em situações específicas, tais como aquelas que
impliquem estado de impossibilidade de manifestação da vontade, mesmo que
provisoriamente, a fim de que, neste período, seus interesses sejam
preservados, por exemplo, no que diz respeito aos tratamentos médicos a serem
seguidos, mas, também, para que outras providências e cuidados possam ser
adotados, tais como administração de redes sociais, indicação de tutores para
filhos, gestores de negócios.
O testamento
vital, assim como a indicação da pessoa eleita pelo testador para a
participação na tomada de decisões, devem ocorrer antes de ser identificada a
fase crítica do estado de saúde do testador, evitando-se quaisquer discussões
quanto à validade do ato, para o qual se exige a plena, consciente e livre
manifestação da vontade, daqueles que forem capazes, na forma da lei. Numa
hipótese como a atualmente vivenciada (calamidade pública pelo COVID-19), as
pessoas devem procurar fazer esse tipo de providência antes do início do
tratamento da patologia, por exemplo, que ameaça a toda população.
Essa modalidade
de testamento (vital) pode ser realizada por meio de escritura pública ou, até
mesmo, instrumento particular, desde que as formalidades mínimas sejam
observadas. Em vista do atual estado de calamidade pública, em que o isolamento
social é recomendado, a forma particular torna-se mais indicada.
Apesar de
parecer novidade, inexiste qualquer ineditismo no Testamento Vital, que é
aplicado desde 1960, sobretudo nos Estados Unidos da América. No Brasil, referida
espécie de testamento ainda não tem vasta utilização, sobretudo pelo seu
desconhecimento e, possivelmente, pela ausência de legislação específica que o
regulamente.
No entanto, é
importante ressaltar que há Resoluções do Conselho Federal de Medicina, que
dispõem sobre a receptividade das diretivas antecipadas de vontade do paciente
no momento de sua incapacidade, a serem consideradas pelo médico responsável,
mediante registro na ficha médica ou prontuário. Essas resoluções já foram até
motivo de discussão intentada pelo Ministério Público, sendo que, nas decisões
judiciais proferidas, reconheceu-se a sua constitucionalidade e a harmonia com
o ordenamento jurídico. Em recente julgamento, o Ministro Antônio Carlos
Ferreira, do Superior Tribunal de Justiça (AREsp 1534532/SP), reconheceu que o
Testamento Vital é “juridicamente válido”.
Nesse
particular, muito embora a edição de uma lei específica sobre o assunto venha
certamente agregar maior segurança jurídica ao instrumento, é inequívoco que,
frente aos precedentes jurisprudenciais e preenchidos os requisitos mínimos
necessários como ato unilateral com repercussão jurídica, o testamento vital
detém validade e eficácia suficiente para ser aplicado.
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