Bernardo José Drumond Gonçalves
Advogado Sócio e Coordenador de Homero Costa Advogados
Ana Luisa Augusto Soares Naves
Advogada Sócia de Homero Costa Advogados
A Usucapião é um instituto do direito civil
que permite aos cidadãos adquirirem direitos de propriedade sobre um bem. Por
exemplo, um bem imóvel, em razão de o ocupante ter exercido, por um certo
período contínuo de tempo, a posse pacífica e mansa deste referido bem.
Para que o direito seja reconhecido esse
direito ao indivíduo, outros requisitos legais específicos terão de ser
observados e demonstrados.
Dentre os bens imóveis que podem ser objetos
de usucapião, estão aqueles que compõem a herança. Todavia, com algumas
ressalvas. De acordo com parte da doutrina e alguns tribunais, o requerimento
de usucapião, quando formulado por um dos herdeiros, apenas será deferido
quando finalizada a partilha, senão vejamos.
É essencial, para que um dos herdeiros
consiga usucapir imóvel da herança, o exercício da posse exclusiva da
integralidade do bem, com a manifesta intenção de ter o imóvel, com ânimo de
proprietário (animus dominis), ou seja, agindo como se dono fosse.
Além da posse mansa e pacífica citada acima,
outro requisito essencial para a configuração da usucapião é o lapso temporal.
Cada uma das suas espécies fixará um prazo mínimo que o indivíduo, com o
objetivo de conseguir a usucapião, exerça a posse do bem a ser usucapido sem
que haja intervalos ou interrupções.
Como se trata, no caso, de bem herdado, vale
ressaltar que o Código Civil, em seu artigo 1.207, autoriza que o autor da ação
de usucapião some à sua posse no imóvel o tempo em que seus antecessores
possuíram o imóvel, para a contagem final do lapso temporal em que exerce a
posse, ressalvando que todas as posses tenham sido mansas e pacíficas.
Por se tratar de bem imóvel que compõe a
herança, deve-se atentar para o fato de que, assim que a morte acontecer, os
bens do de cujus passam automaticamente (independente da propositura da ação de
inventário) ao condomínio formado pelos herdeiros, chamado de Espólio, e
permanece ali até que se seja realizada a partilha e cada um dos herdeiros se
torne proprietário do quinhão que lhe couber. Isso acontece por força do
princípio de Saisine, que foi aderido pela Legislação Cível vigente (artigo
1.784 do Código Civil/02)
Nesta linha de raciocínio, ainda que o requerente
da usucapião more no imóvel há anos e que seus co-herdeiros não façam nenhuma
oposição, entende-se que não estará configurada a posse mansa e pacífica,
porque aquele imóvel ainda é considerado em condomínio, que só será divisível
após a partilha, como determina o artigo 1.791, parágrafo único, do Código
Civil: "Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e
posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao
condomínio”. Por isso, a usucapião de imóvel oriundo de herança só poderá ser
reconhecida após a ocupação do intervalo de tempo posterior à partilha porque,
enquanto existir Espólio, existe composse dos herdeiros.
Em recente julgamento de recurso de Apelação
Cível[1],
a 18ª Câmara Cível do TJMG citou a doutrina de Nelson Nery Júnior, Código Civil
Comentado, 11ª edição, 2013, em que traz
considerações sobre a natureza indivisível da herança “todos têm tudo da
herança, de modo que nenhum deles pode exercer atos possessórios que excluam
direitos dos demais". O que se pode concluir disso é que a composse entre
os herdeiros não pode coexistir com a posse mansa e pacífica de um co-herdeiro
sobre um mesmo bem, a fim de usucapi-lo.
Por esta ótica, quaisquer bens do Espólio são,
sem sombra de dúvida, de propriedade do Espólio (composto por herdeiros
legítimos e testamentários), pelo que não podem ser considerados de outra
pessoa, ainda que esta esteja entre os herdeiros. Independentemente de quanto
tempo perdure a existência do espólio, não há possibilidade de um dos herdeiros
alegar que possuía algum de seus bens como se dono fosse, porque certamente não
há posse mansa, pacífica e ininterrupta. Nesse sentido, decidiu o TJMG:
APELAÇÃO
CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. BEM OBJETO DE PARTILHA. COMUNHÃO DE DIREITOS. ART.
1.721, PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL. A posse ad usucapionem deve ser
cabalmente demonstrada em todos os seus requisitos: exercício manso, pacífico,
ininterrupto, com ânimo de dono para autorizar a declaração do domínio. Não se
pode desconsiderar que a herança, pela adoção do princípio de saisine,
transmite-se aos herdeiros no momento do óbito, todavia, essa herança é
considerada indivisa até a sua partilha, por força do artigo 1.791 do Código
Civil. Somente após a partilha começa a correr qualquer prazo para aquisição da
posse pelo requerente, posto que, como já dito, a herança defere-se como um
todo unitário e, até a partilha, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade
e posse da herança é indivisível. A posse exercida por todo o tempo pelo
apelante, se deu por mera tolerância dos demais coerdeiros, inexistindo, pois,
o ânimo de dono e se, partilha se deu em 2013, ainda não transcorreu o lapso de
tempo necessário à aquisição da posse por usucapião (TJMG - Apelação Cível
1.0472.13.001703-2/001, Relator(a): Des.(a) Marco Aurelio Ferenzini, 14ª Câmara
Cível, julgamento em 22/02/2018, publicação da súmula em 02/03/2018)
Enquanto existir o Espólio, o bem imóvel será
considerado um condomínio indivisível. E assim, havendo mais de um herdeiro
(condômino), a legislação brasileira não admitirá o reconhecimento da usucapião,
das quotas-partes que caibam aos seus co-herdeiros, garantindo, assim, o
direito de cada um dos herdeiros sobre o quinhão que lhe couber ao fim da partilha,
independentemente de ocupá-lo.
[1]
TJMG - Apelação Cível 1.0114.15.001725-8/001, Relator(a): Des.(a)
Fernando Lins , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 20/11/2018, publicação da
súmula em 22/11/2018
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