segunda-feira, 3 de novembro de 2025

O SIGNIFICADO DO 20 DE NOVEMBRO: CONSCIÊNCIA, RESISTÊNCIA E RECONHECIMENTO DA POPULAÇÃO NEGRA NO BRASIL

 

  

Stanley Martins Frasão

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

“Enquanto houver racismo, não haverá democracia.” [Abdias do Nascimento (1914-2011), ativista e referência da luta negra no Brasil.]

O Dia da Consciência Negra, celebrado anualmente em 20 de novembro, é uma das datas mais simbólicas do calendário brasileiro. Estabelecida em memória de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares e marco da luta contra a escravidão, a data foi oficializada em 2003 como momento de reflexão sobre a posição do negro na sociedade e de valorização da cultura afro-brasileira. Mais do que lembrar o passado, o 20 de novembro evoca a urgência do reconhecimento, respeito e reparação histórica à população negra, protagonista da formação cultural, social e econômica do Brasil.

A história do Brasil é profundamente marcada pelas contribuições da população negra. Na cultura, a influência africana é onipresente na música, com gêneros como o samba, o maracatu e o axé, e na culinária, por meio de iguarias como a feijoada, o acarajé e a moqueca. Na religião, práticas como o candomblé e a umbanda são expressões vivas de ancestralidade e resistência espiritual.

Na ciência, nas artes e na política, destacam-se figuras pioneiras que abriram caminhos: Machado de Assis, fundador da Academia Brasileira de Letras e um dos maiores escritores da língua portuguesa; Antonieta de Barros, jornalista, professora e a primeira deputada negra do Brasil; e a engenheira Sônia Guimarães, primeira mulher negra a se formar em física pelo prestigiado Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

Na área jurídica, um marco histórico é o exemplo de Maria Carolina de Jesus (1914-1977), a primeira advogada negra do Brasil. Formada em 1906 pela Faculdade de Direito da Bahia, ela desafiou o racismo e o sexismo para conquistar um espaço em uma profissão dominada por homens brancos. Igualmente importante é André Rebouças (1838-1898), advogado e abolicionista que contribuiu ativamente para o movimento pela libertação dos escravizados. São nomes que simbolizam as conquistas da população negra em áreas que historicamente lhe foram negadas, sendo inspirações para novas gerações de profissionais.

Conforme levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), negros correspondem a 56% da população brasileira, exercendo papel fundamental no desenvolvimento econômico, social e cultural do país, mesmo diante de inúmeras barreiras.

Todavia, a trajetória da população negra é marcada por desafios históricos que reverberam até os dias atuais. O racismo estrutural e institucional resulta em desigualdades profundas: segundo dados do IBGE (2022), pessoas negras têm renda média 40% menor que pessoas brancas, e representam cerca de 80% da população abaixo da linha de pobreza. A violência também é alarmante — jovens negros são as principais vítimas de homicídio no país.

Discriminação, preconceito e acesso desigual à educação, à moradia e ao mercado de trabalho são barreiras cotidianas. Tais desafios não se encerraram com a abolição formal da escravidão, mas se transformaram em obstáculos sistêmicos, exigindo respostas coletivas e políticas afirmativas contínuas.

Neste contexto, a educação ocupa lugar central no enfrentamento do racismo e na promoção da igualdade. A Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas, é um passo importante, mas demanda comprometimento efetivo de gestores, professores e sociedade civil para garantir uma educação antirracista e transformadora.

Políticas públicas de cotas, incentivo à produção cultural negra, combate à violência e à intolerância religiosa também são essenciais para reduzir desigualdades históricas e criar oportunidades reais de ascensão e reconhecimento. As iniciativas sociais e coletivas, como movimentos negros, coletivos culturais e quilombos urbanos, ampliam a potência dessa luta, promovendo autoestima, fortalecimento de identidades e inserção social.

O Dia da Consciência Negra não é apenas uma data comemorativa — é um chamado à ação, à escuta e ao respeito. Valorizar a luta, a resistência, os saberes e as conquistas do povo negro é fundamental para avançar rumo a uma sociedade mais igualitária. Como nos ensina Ana Maria Gonçalves em “Um Defeito de Cor”, “quem não se lembra de si, acaba perdendo o lugar no mundo”. Celebrar o 20 de novembro é reivindicar a memória, reconhecer injustiças históricas e, sobretudo, afirmar que o protagonismo negro é condição indispensável para o Brasil do presente e do futuro.

O exemplo do CESA Centro de Estudos das Sociedades de Advogados deve ser conhecido e replicado, o premiado Projeto Incluir Direito, idealizado pelo amigo Cajé (Carlos José Santos da Silva):

Desde sua criação em 2016, o Projeto Incluir Direito trabalha para mudar a realidade observada na pesquisa que o CESA encomendou à FIA (Fundação Instituto Administração), entidade ligada à USP. Na época, a pesquisa revelou que os negros representavam menos de 1% dos membros dos escritórios de advocacia no Brasil (entre sócios, associados e estagiários).

Em um trabalho conjunto com as universidades e os escritórios apoiadores da iniciativa, o projeto gera oportunidades para jovens negros estudantes dos cursos de Direito, promovendo o aprendizado, fortalecendo a autoestima e o senso de pertencimento, criando conexões e estimulando a troca de conhecimento entre as pessoas. Com essa abordagem, o projeto busca criar uma rede de apoio e incentivar o crescimento profissional e pessoal dos participantes. (https://cesa.org.br/incluir-direito/)

Que este dia inspire um compromisso contínuo de combate ao racismo, valorização da diversidade e promoção da justiça social. Que a luta e as conquistas da população negra sejam todos os dias motivo de orgulho, aprendizado e transformação.

 

 

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