segunda-feira, 3 de novembro de 2025

A CARGA TRIBUTÁRIA NO BRASIL: ENTRE A SANHA ARRECADATÓRIA E A NECESSIDADE DE RESPONSABILIDADE FISCAL


  

Stanley Martins Frasão

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

Gustavo Pires Maia da Silva

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

  

1. Introdução

A carga tributária no Brasil é um tema recorrente de debate, caracterizada por padrões elevados de arrecadação e desafios na eficiência do gasto público. Atualmente, o Brasil apresenta uma das mais altas cargas tributárias entre as economias em desenvolvimento, atingindo cerca de 32,32% do PIB em 2024 (https://www.gov.br/tesouronacional e https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br), superando a média de países com nível econômico similar. Esse panorama é acompanhado por críticas à chamada "sanha arrecadatória" do Governo Federal, que reflete a busca incessante por maior arrecadação sem avanços proporcionais em responsabilidade fiscal e eficiência pública.

Este artigo tem como objetivo analisar a evolução histórica da carga tributária (https://www.ibpt.org.brhttps://rbgdr.net) no Brasil e suas implicações econômicas e sociais. Também serão exploradas a relação entre a sanha arrecadatória e a falta de responsabilidade fiscal, além de serem apresentadas propostas para reverter essa dinâmica prejudicial e promover um ambiente tributário mais justo, eficiente e transparente.

 

2. A Evolução da Carga Tributária no Brasil

2.1 Marcos Históricos da Tributação Brasileira

O atual sistema tributário brasileiro resulta de uma série de transformações históricas, marcadas por adaptações às necessidades de arrecadação do Estado em distintas épocas. Entre os principais marcos históricos, destacam-se:

  • Período Colonial e Imperial: A tributação no Brasil surgiu como instrumento para sustentar a metrópole portuguesa, sendo centrada em tributos sobre a produção agroexportadora. Esses impostos tinham caráter regressivo, penalizando mais intensamente os pequenos produtores.
  • República Velha (1889-1930): A transição para impostos sobre consumo e renda marcou os primeiros esforços para diversificar a base arrecadatória. Entretanto, a carga tributária ainda recaía de forma desproporcional sobre setores menos organizados.
  • Constituição de 1988: Este foi um marco fundamental que consolidou o atual sistema tributário, organizando competências tributárias para União, Estados e Municípios. A ênfase em tributos indiretos, como ICMS e PIS/COFINS, resultou em alta complexidade tributária, criando desafios para o desenvolvimento econômico.

Desde os anos 1990, a carga tributária cresceu rapidamente, em grande parte para financiar despesas sociais, previdenciárias e de infraestrutura. Apesar do aumento significativo da arrecadação, a eficiência do gasto público continua limitada.

2.2 A Regra Atual e sua Complexidade

Com mais de 90 tributos em vigor, o Brasil é apontado como um dos países com maior complexidade tributária no mundo, segundo o relatório Paying Taxes 2024, elaborado pelo Banco Mundial. Essa complexidade não apenas aumenta os custos de conformidade tributária, como também desestimula o empreendedorismo e a competitividade empresarial.

 

3. A Relação entre Sanha Arrecadatória e Falta de Responsabilidade Fiscal

3.1 O Ciclo Vicioso entre Arrecadação e Déficit

A elevação da carga tributária no Brasil está profundamente vinculada à ausência de uma gestão fiscal eficiente. A "sanha arrecadatória" se materializa quando o Governo Federal, em vez de implementar cortes estruturais em gastos ineficientes, prefere criar ou aumentar tributos para suprir déficits fiscais.

  • Expansão dos Gastos Públicos: Mais de 33% das despesas públicas federais estão alocadas em previdência e folha de pagamento, muitas vezes desprovidas de planejamento estratégico.
  • Ineficiência Alocativa: Apesar da alta carga de tributos, setores essenciais como saúde, educação e infraestrutura continuam subfinanciados ou geridos de maneira ineficaz.

Esse cenário alimenta um ciclo de déficits crescentes, ampliando ainda mais a pressão por maior arrecadação e criando distorções econômicas e sociais.

3.2 Regressividade do Sistema Tributário

O sistema tributário brasileiro é amplamente reconhecido como regressivo, uma vez que quase 50% da receita tributária decorre de impostos indiretos, como ICMS, aplicados ao consumo. Isso significa que os estratos mais pobres da população são proporcionalmente mais onerados, ampliando a desigualdade social.

 

4. Consequências Econômicas e Sociais da Elevada Carga Tributária

4.1 Impactos Econômicos

  • Desestímulo ao Investimento Empresarial: Empresários enfrentam uma carga tributária que ultrapassa 40% do lucro das empresas, incluindo impostos sobre a distribuição de dividendos. Esse cenário desestimula a atração de investimentos estrangeiros e compromete a competitividade no mercado global.
  • Complexidade Administrativa: As empresas brasileiras gastam, em média, 1.501 horas por ano somente para lidar com obrigações tributárias, de acordo com o Banco Mundial, colocando o Brasil como o país com o maior custo de conformidade no mundo.

4.2 Impactos Sociais

  • Agravamento da Desigualdade: Um sistema tributário que onera essencialmente o consumo afeta proporcionalmente mais as classes de menor renda, exacerbando a desigualdade.
  • Baixa Qualidade dos Serviços Públicos: A percepção de que o imposto pago não retorna em serviços públicos eficientes gera insatisfação e reduz a confiança cidadã no Estado.

 

 

 

5. Propostas para Melhorar a Responsabilidade Fiscal

Diante dos desafios identificados, algumas propostas concretas para melhorar a responsabilidade fiscal incluem:

5.1 Reforma Tributária Ampla e Progressiva

  • Unificação de Tributos: A implementação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), substituindo tributos como ICMS, ISS, e PIS/COFINS, simplificaria a estrutura tributária e tornaria o sistema mais transparente.
  • Progressividade no IRRF e Tributação de Grandes Fortunas: A criação de alíquotas adicionais no Imposto de Renda para pessoas de alta renda e a tributação sobre grandes propriedades poderiam garantir maior equidade no sistema.

5.2 Eficiência na Gestão Pública

  • Despesas Baseadas em Resultados: Implantação de um modelo de gestão pública baseado em indicadores de impacto e eficiência na alocação dos recursos.
  • Digitalização: A ampliação da digitalização dos processos administrativos poderia reduzir significativamente o desperdício e aumentar a eficiência de programas governamentais.
  • Redução de Gastos: implantação de serviços on-line, fluxo de trabalho automatizado, gestão eletrônica e armazenamento de documentos, fiscalizações móveis, programas de incentivo à eficiência.

5.3 Transparência e Educação Fiscal

  • Ampliação de Canais de Transparência: Desenvolvimento de plataformas públicas acessíveis que detalhem a alocação e os resultados das receitas tributárias.
  • Educação Tributária: Investimentos em campanhas educativas que expliquem à população como os impostos são aplicados podem ampliar a aceitação pública das reformas.

6. Discussão: Resistências e Estratégias para Superá-las

6.1 Resistências Políticas e Sociais

  • Setores Empresariais: Empresários resistem a novas alíquotas que aumentem a carga tributária já elevada.
  • Grupos Corporativos: Servidores públicos organizados frequentemente se opõem a reformas que impliquem em cortes de benefícios.
  • População em Geral: A desconfiança no uso eficiente dos impostos reduz a aceitação de mudanças tributárias.

6.2 Estratégias de Superação

  • Diálogo Amplo e Participativo: Expandir mecanismos de consulta pública e engajar setores empresariais e trabalhistas no processo de formulação das reformas.
  • Implementação Gradual: Promover mudanças de maneira escalonada para evitar crises de adaptação.
  • Compensações Diretas: Criar incentivos financeiros para mitigar impactos econômicos nos setores mais afetados.

·         Consultoria Externa: com o objetivo de modernizar o gerenciamento das instituições, imprimindo transparência e fixando parâmetros para os gastos, com a finalidade de uma eficiente economia financeira e consequente diminuição da carga fiscal que afeta direta e indiretamente pessoas físicas e jurídicas.

  • Planejamento estratégico: com pessoas gabaritadas e fora dos quadros dos Governos, com visão, missão e objetivos definidos, levando-se em consideração dados e indicadores, inclusive financeiros, para que seja possível administrar corretamente as finanças, identificar desperdícios e fazer os cortes necessários, inclusive tributários.

 7. Conclusão

A crescente carga tributária brasileira está profundamente associada à falta de responsabilidade fiscal e eficiência na gestão pública, perpetuando um ciclo de déficits e aumento de impostos. Reformas amplas e progressivas, focadas na simplificação tributária, aumento da transparência e implementação de políticas fiscais baseadas em resultados, são essenciais para reverter essa dinâmica.

O sucesso dessa empreitada depende de diálogo e consenso entre os diversos atores sociais e políticos, bem como do compromisso do Governo Federal em priorizar boas práticas de gestão pública. Desta forma, é possível garantir um sistema tributário mais justo, eficiente, e alinhado às necessidades do crescimento sustentável e à redução das desigualdades sociais.

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