CRÉDITO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
SUCUMBENCIAIS NA FALÊNCIA: AVALIAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA ALIMENTAR E
REPERCUSSÃO NA ORDEM DE CLASSIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS
THE
NATURE OF THE DEFEATED PARTY’S FEES IN BANKRUPTCY: JURIDICAL NATURE OF MAINTENANCE
ALLOWANCE AND REPERCUSSION ON THE CREDIT CLASSIFICATION ORDER
Bernardo José Drumond Gonçalves[1]
Advogado
Sócio do Homero Costa Advogados
PALAVRAS-CHAVE: Crédito alimentar; ordem de classificação legal
na falência; honorários advocatícios sucumbenciais; interpretação extensiva;
privilégio; créditos trabalhistas.
ABSTRACT. The present work is devoted to legal treatment
of credits in the current Brazilian bankruptcy law, emphasizing on maintenance
allowance. This, in order to verify its privilege, in front of the other
credits. In complement, the study is thus concerned with the juridical nature
of defeated party’s fees according to the Brazilian Code of Civil Procedure of
2015, and the Legal Profession Bylaws in furtherance of the extensive
possibility of interpretation of the classification of legal order labor
credits in bankruptcy.
KEY WORDS: Maintenance allowance; order of legal classification
in bankruptcy; extensive interpretation; attorney’s fees borne by defeated
party; privilege; labor credits.
SUMÁRIO: Introdução. 1. O tratamento
dos créditos na lei de falência. 2. O conceito do crédito alimentar e sua
classificação na ordem concursal da falência. 3. Natureza jurídica dos
honorários advocatícios sucumbenciais e sua classificação segundo o Código de
Processo Civil Brasileiro de 2015 e o Estatuto da Advocacia. 4. Possibilidade
de interpretação extensiva do crédito alimentar aos honorários advocatícios
sucumbenciais. 5. Conclusão. 6. Referências.
Introdução
O presente trabalho
de pesquisa objetiva analisar a possibilidade hipotética de um crédito de
honorários advocatícios sucumbenciais ser habilitado com privilégio no quadro
geral de credores de uma falência e identificar qual a sua classificação na
ordem legal dos créditos na execução concursal.
A vigente lei falimentar brasileira (nº 11.101/2005)
promoveu uma modificação no tratamento dos créditos trabalhistas em relação à
que revogou (Decreto-lei nº 7.661/1945), no que tange à ordem geral de
classificação dos créditos, atribuindo-lhes um privilégio, frente aos demais,
correspondente ao recebimento de 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por
credor (artigo 83, inciso I).
É importante constatar se a justificativa para essa
promoção legislativa advém da sua natureza jurídica, enquanto “alimentos”. Ou
seja, se se cuida de verba cuja essência tem ligação direta com a subsistência,
visando suprir a necessidade básica de sobrevivência do indivíduo, a exemplo da
alimentação (pessoal e familiar), além do custeio de despesas com moradia,
educação, saúde, lazer e cultura, o que constitui, de um modo abrangente, a
dignidade da pessoa humana.
Por sua vez, partindo-se da premissa de que os honorários
advocatícios sucumbenciais são verbas fixadas judicialmente – via de regra,
arbitradas no momento do julgamento das lides –, impostas à parte vencida, que
deverá pagá-los em favor dos patronos da parte vencedora, o estudo examina se a
tal rubrica também pode ser atribuída a roupagem “alimentar”; afinal, compõem,
segundo a Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia), a remuneração do advogado
em sua atuação contenciosa e, por si só, já constituem crédito privilegiado
(artigo 24).
Em outras palavras, será investigado se o mesmo privilégio
legal concedido pelo regulamento normativo vigente aos créditos trabalhistas
pode ser estendido aos honorários advocatícios sucumbenciais, por deterem a
mesma natureza jurídica (alimentos) e por força da prerrogativa expressa
prevista no Código de Processo Civil de 2015.
Tal convergência, se constatada, poderá repercutir
substancialmente na real e efetiva possibilidade de recebimento do crédito
sucumbencial. Deduz-se, assim, que há pertinência e atualidade no tema,
sobretudo se levado em consideração a notória e grave crise
econômico-financeira que atravessa o país nos últimos anos e a consequente
elevação dos pedidos de recuperação judicial e falência.
A metodologia empregada pautou-se pela forma qualitativa
observacional e comparativa, conciliada à lógico-dedutiva, com técnicas
bibliográficas exploratórias.
1.
O tratamento dos créditos na lei de falência
Como elucidado por MARIA CELESTE MORAIS
GUIMARÃES (2007, p. 41), “O termo ‘falir’ vem do latim fallere (fallo, is, fefelli, falsum, ere), que significa ‘faltar’ ou
‘enganar’. [...] Dessa etimologia, infere-se a noção geral de ‘falência’, que é
a situação do devedor comerciante que falta a pagamento, ou procura enganar os
credores”. Deduz-se, assim, que é a insolvência o fato que caracteriza o estado
de falência do devedor.
Nesse sentido, revela-se primordial o
estabelecimento de critérios preferenciais para o rateio do saldo apurável com
a liquidação do patrimônio correspondente, com vistas à satisfação sucessiva
dos créditos, observando-se o princípio
da par conditio creditorium, por meio do qual é assegurada a igualdade de
tratamento dos credores que estiverem na mesma categoria, em alinhamento com a
garantia constitucional da isonomia (artigo 5º), preservando-se, contudo, a
proporcionalidade dentro da classe que integrar.
Na visão de GLADSTON MAMEDE (2006, p. 565),
“É este o fundamento da constituição do juízo universal: atrair todos os
direitos e todos os deveres com expressividade econômica do falido para um
mesmo procedimento permitindo (1) realizar o ativo e (2) pagar o passivo, ou
pelo menos, parte deste”.
Quanto à regulamentação do instituto da
falência no Brasil, tem-se que, com o advento do Código Comercial de 1.850 (Lei
nº 556), a matéria passou a ser regulamentada de maneira formal e consolidada,
se comparada à regulamentação até então vigente, no Título I da Parte Terceira
(“Da natureza e declaração das quebras, e seus efeitos”), a partir do artigo
797.
Segundo a doutrina de MOACYR LOBATO DE CAMPOS
FILHO (2006, p. 16), “O
instituto da falência no Brasil, conforme observa Valverde, conheceu quatro
fases importantes, identificando-se a primeira com a publicação do Código
Comercial de 1850 e seu término com o advento da República”. A referida
“quarta fase” é caracterizada pela edição do Decreto-lei nº 7.661/1945,
propriamente denominada “Lei de Falências”. Esta norma, por fim, foi revogada
pela Lei nº 11.101, de 2005, que regula a “recuperação judicial, a
extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária”.
Na redação disposta pela legislação
anterior à atual (Decreto-lei nº 7.661/1945), assim estava prescrita a ordem de
classificação dos créditos:
Art. 102. Ressalvada a preferência dos
credores por encargos ou dívidas da massa (art. 124), a classificação dos
créditos, na falência, obedece à seguinte ordem:
I - créditos com direitos reais de
garantia;
II - créditos com privilégio especial
sôbre determinados bens;
III - créditos com privilégio geral;
IV - créditos quirografários.
§1º Preferem a todos os créditos
admitidos à falência, a indenização por acidente do trabalho e os outros
créditos que, por lei especial, gozarem essa prioridade.
§2° Têm privilégio especial:
I - os créditos a que o atribuírem as
leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta lei;
II - os créditos por aluguer do prédio
locado ao falido para seu estabelecimento comercial ou industrial, sôbre o
mobiliário respetivo;
III - os créditos a cujos titulares a
lei confere o direito de retenção, sôbre a coisa retida; o credor goza, ainda,
do direito de retenção sôbre os bens móveis que se acharem em seu poder por
consentimento do devedor, embora não esteja vencida a dívida, sempre que haja
conexidade entre esta e a coisa retida, presumindo-se que tal conexidade, entre
comerciantes, resulta de suas relações de negócios.
§3º Têm privilégio geral:
I - os créditos a que o atribuírem as
leis civis e comerciais, salvo disposição contrárias desta lei;
II - os créditos dos Institutos ou
Caixas de Aposentadoria e Pensões, pelas contribuições que o falido dever;
III - os créditos dos empregados, em
conformidade com a decisão que fôr proferida na Justiça do Trabalho;
§4º São quirografários os créditos que,
por esta lei, ou por lei especial não entram nas classes I, II e III dêste
artigo, os saldos dos créditos não cobertos pelo produto dos bens vinculados ao
seu pagamento e o restante de indenização devida aos empregados.
Pelo mesmo Decreto-lei, por sua vez, estava
vedada a possibilidade de se pleitear prestações alimentícias na execução
concursal (artigo 23). No entendimento de RUBENS REQUIÃO (1998, p. 150), essa
proibição se justificava por se tratar de uma obrigação personalíssima, que não
se transmitiria à massa falida.
Com a redação dada
pela Lei nº 3.726/1960, o artigo 102 do referido Decreto-Lei
passou a viger da seguinte forma:
Art.
102. Ressalvada a partir de 2 de janeiro de
1958, a preferência dos créditos dos empregados, por salários e indenizações
trabalhistas, sôbre cuja legitimidade não haja dúvida, ou quando houver, em
conformidade com a decisão que fôr proferida na Justiça do Trabalho, e, depois
dêles a preferência dos credores por encargos ou dívidas da massa (art. 124), a
classificação dos créditos, na falência, obedece à seguinte ordem:
I – créditos com direitos reais de
garantia;
II – créditos com privilégio especial
sôbre determinados bens;
IIl – créditos com privilégio geral;
IV – créditos quirografários
§1º Preferem a todos os créditos
admitidos à falência a indenização por acidente do trabalho e os outros
créditos que, por lei especial, gozarem essa prioridade.
§2º Têm o privilégio especial;
I – os créditos a que o atribuírem as
leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta lei;
II – os créditos por aluguer de prédio
locado ao falido para seu estabelecimento comercial ou industrial, sôbre o
mobiliário respectivo:
III – os créditos a cujos titulares a
lei confere o direito de retenção, sôbre a coisa retida; o credor goza, ainda
do direito de retenção sôbre os bens móveis que se acharem em seu poder por
consentimento do devedor, embora não esteja vencida a dívida, sempre que haja
conexidade entre esta e a coisa retida, presumindo-se que tal conexidade entre
comerciantes resulta de suas relações de negócios.
§3º Têm privilégio geral:
I – os créditos a que o atribuírem as
leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta lei;
II – os créditos dos Institutos ou
Caixas de Aposentadoria e pensões, pelas contribuições que o falido dever.
§4º São quirografários os créditos que,
por esta lei, ou por lei especial, não entram nas classes I, II e III deste
artigo e os saldos dos créditos não cobertos pelo produto dos bens vinculados
ao seu pagamento".
Como se percebe, entre a redação original
do Decreto-lei de 1945 e aquela modificada pela Lei de 1960, destaca-se a
inclusão, no caput, da preferência
dos créditos de origem trabalhista em relação aos demais.
Logo em seguida
(1966), houve a promulgação do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172), tendo
sido estabelecido pelo artigo 186 que “O crédito tributário prefere a qualquer
outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados
os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho”.
Com essa nova
configuração legal alcançada na década de 60 do último século, tais créditos
(trabalhista e tributário, respectivamente) foram elevados praticamente à mais
alta escala na ordem de classificação dos créditos.
Por fim, a atual Lei
(nº 11.101/2005) extraiu a inexigibilidade das prestações alimentícias da
relação de verbas passíveis de habilitação e ainda estabeleceu significativas
alterações, fixando nova ordem classificatória:
Art. 83. A classificação dos créditos
na falência obedece à seguinte ordem:
I – os créditos derivados da legislação
do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e
os decorrentes de acidentes de trabalho;
II - créditos com garantia real até o
limite do valor do bem gravado;
III – créditos tributários,
independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas
tributárias;
IV – créditos com privilégio especial,
a saber:
a) os previstos no art. 964 da Lei no
10.406, de 10 de janeiro de 2002;
b) os assim definidos em outras leis
civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;
c) aqueles a cujos titulares a lei
confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia;
d) aqueles em favor dos
microempreendedores individuais e das microempresas e empresas de pequeno porte
de que trata a Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006 (Incluído
pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
V – créditos com privilégio geral, a
saber:
a) os previstos no art. 965 da Lei no
10.406, de 10 de janeiro de 2002;
b) os previstos no parágrafo único do
art. 67 desta Lei;
c) os assim definidos em outras leis
civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;
VI – créditos quirografários, a saber:
a) aqueles não previstos nos demais
incisos deste artigo;
b) os saldos dos créditos não cobertos
pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento;
c) os saldos dos créditos derivados da
legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput
deste artigo;
VII – as multas contratuais e as penas
pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as
multas tributárias;
VIII – créditos subordinados, a saber:
a) os assim previstos em lei ou em
contrato;
b) os créditos dos sócios e dos
administradores sem vínculo empregatício.
§1º Para os fins do inciso II do caput
deste artigo, será considerado como valor do bem objeto de garantia real a
importância efetivamente arrecadada com sua venda, ou, no caso de alienação em
bloco, o valor de avaliação do bem individualmente considerado.
§2º Não são oponíveis à massa os
valores decorrentes de direito de sócio ao recebimento de sua parcela do
capital social na liquidação da sociedade.
§3º As cláusulas penais dos contratos
unilaterais não serão atendidas se as obrigações neles estipuladas se vencerem
em virtude da falência.
§4º Os créditos trabalhistas cedidos a
terceiros serão considerados quirografários.
Art. 84. Serão considerados créditos
extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83
desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a:
I – remunerações devidas ao
administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do
trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados
após a decretação da falência;
II – quantias fornecidas à massa pelos
credores;
III – despesas com arrecadação,
administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como
custas do processo de falência;
IV – custas judiciais relativas às
ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida;
V – obrigações resultantes de atos
jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art.
67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos
geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem
estabelecida no art. 83 desta Lei.
Da leitura desses
dispositivos mencionados e de acordo com a intelecção de OSMAR BRINA CORRÊA
LIMA e SÉRGIO MOURÃO CORRÊA LIMA (2009, p. 535), em conjunto com GLADSTON
MAMEDE (2006, p. 566), verifica-se que, após proceder as restituições, haverá
satisfação dos créditos extraconcursais, passando-se ao atendimento sucessivo
dos créditos segundo às preferências, a saber, a) trabalhistas (limitados a 150
salários-mínimos) e decorrentes de acidente de trabalho, b) titulares de
garantia real (até o limite do valor do bem gravado), c) fiscais (excetuadas as
multas tributárias), d) privilégio especial, e) privilégio geral, e)
quirografários, f) subquirografários e g) subordinados.
Denota-se,
portanto, que, com a legislação ora em vigor, o status do
crédito trabalhista foi sobremodo elevado da condição outrora (historicamente)
prejudicada, ainda que limitado a um montante (não insignificante) de 150
salários-mínimos[2],
correspondente a atuais R$140.550,00 (cento e quarenta mil, quinhentos e
cinquenta reais), cabendo eventual saldo remanescente à reclassificação
enquanto quirografário.
Essa prerrogativa
legal alcançada pelos créditos trabalhistas pode repercutir exatamente na efetiva
possibilidade de recebimento pelo titular do direito num cenário falimentar,
ainda que em parte, a considerar que normalmente há elevado número de credores,
mas, em contrapartida, há insuficiente patrimônio capaz de satisfazer todos os
débitos – razão do juízo universal.
2.
O conceito do crédito alimentar e sua classificação na ordem concursal da
falência
Como visto no
tópico anterior, os alimentos constituem atualmente, segundo a Lei nº
11.101/2005, um crédito passível de habilitação na falência.
Alimentos são,
superficialmente, as necessidades básicas de uma pessoa para sua sobrevivência
ou permanência de suas condições mínimas. Constituem um direito pessoal de
exigir a outrem que supra a provisão para tanto.
São meios
indispensáveis para o sustento e subsistência de uma pessoa por outra que, com
base em um vínculo consanguíneo, legal, de dispositivo contratual ou
testamentário, tem o dever de arcar com tal ônus.
Abrangem, segundo YUSSEF SAID CAHALI (2013, p. 15), “[...]
tudo o que é necessário à conservação do ser humano com vida; [...]: sustento,
habitação, roupa e tratamento de moléstias”. Minuciosamente, DE PLÁCIDO E SILVA
(2006, p. 96) assim o delimita:
“Alimentos. Pensões, ordenados, ou
outras quaisquer quantias concedidas ou dadas, a título de provisão,
assistência ou manutenção, a uma pessoa por uma outra que, por força de lei, é
obrigada a prover as suas necessidades alimentícias e de habitação. Em regra,
os alimentos são prestados por uma soma em dinheiro; mas, excepcionalmente,
podem ser prestados in natura, isto é, pelo próprio fornecimento dos gêneros
alimentícios e de outras utilidades indispensáveis ao alimentado. A prestação
de alimentos alcança não somente a subsistência material do alimentado, como
lhe cabe ser educado e instruído, quando menor, e vestido pelo alimentado
[sic]. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos e
extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos, uns
na falta dos outros [Cód. Civil/2002, art. 1.696]. Não é direito que se
transmita aos herdeiros do devedor: ação personalíssima: morre com ele. A
mulher casada também pode pedir alimentos ao marido, sejam provisionais,
enquanto se processa a ação de separação, nulidade ou anulação de casamento,
sejam definitivos, se honesta e pobre no caso de divórcio”.
Seguramente, a exigência da prestação de alimentos a
terceiros passa pela impossibilidade de quem os necessita adquiri-los por si
só. Ainda nos precisos dizeres de YUSSEF SAID CAHALI (2013, p. 16), o conceito
de alimentos, quando adotado no direito de forma ampla, correspondem à
“contribuição periódica assegurada a alguém, por um título de direito, para
exigi-la de outrem, como necessário à sua manutenção”.
Intimamente ligados ao direito à vida, à moral e à
dignidade da pessoa humana, previstos na Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988, em seus artigos 1º, inciso III, e 5º, caput, os alimentos visam assegurar a sobrevivência da pessoa
incapacitada, por circunstâncias diversas, de se manter num caráter
independente.
De certa forma, a justificativa da obrigação de prestar
alimentos está atrelada ao sentimento de respeito e caridade e, sobremodo, à
responsabilidade devida por aquele ou aqueles que geraram uma vida ou
vice-versa.
O escopo primordial é assistir um cuidado para com a pessoa
que precisa de suporte material, a fim de dar elementos à sua subsistência e/ou
permanência de condição social, advinda, por exemplo, de uma mudança de fatores
capaz de ensejar desequilíbrio na fonte de rendimentos por quem praticou um ato
ilícito, tinha obrigação prescrita em lei ou contrato.
A vigente legislação pátria rege os alimentos, no Código
Civil de 2002, em seu artigo 1.694, caput,
distinguindo-os em indispensáveis e necessários, em seguida, nos respectivos §§
1º e 2º:
Art. 1.694. Podem os parentes, os
cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem
para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender
às necessidades de sua educação.
§1º Os alimentos devem ser fixados na
proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”.
§2º Os alimentos serão apenas os
indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de
culpa de quem os pleiteia.
Considera-se, para justificação da obrigação alimentar, o
Princípio da Solidariedade, pelo qual se pretende enaltecer um sentimento de
ajuda, assistência e socorro mútuos entre as pessoas que possuem vínculos de
convivência.
Para atribuição e fixação, o patamar é o binômio
“necessidade” versus “possibilidade”. Por motivos óbvios, necessidade é de quem
requer o direito e possibilidade é de quem o deve.
O pilar solidariedade surgiu do Direito Romano, mesmo que
não em seus primórdios, mas, com o amadurecimento do ordenamento jurídico da
época, passou a embasar a prestação de alimentos no chamado officium pietatis (ofício de piedade),
extremamente ligado ao aspecto moral da questão.
É preciso, contudo, atentar-se para um crucial ponto de
divergência, citado por YUSSEF SAID CAHALI (2013, p. 25), ao elucidar que “a
prisão civil por dívida como meio coercitivo para o cumprimento da obrigação
alimentar, é cabível somente nos casos dos alimentos previstos no Direito de
Família”. Consideram-se, assim, legítimos, aqueles advindos de uma obrigação
consubstanciada em lei, seja pelo vínculo ex
jure sanguinis, ou seja, parentesco, ou decorrente do laço matrimonial. E
apenas esses, “[...] inserem-se no Direito de Família”, em detrimento dos
demais, a saber, os que decorrem da vontade das partes ou da prática de ato
ilícito, na forma de indenização.
Uma vez fixados, contudo, há o risco de o devedor,
inclusive o empresário individual, falir. Nessa hipótese, resta saber como
procederá a habilitação do crédito alimentar no quadro geral de credores e a
ordem de classificação.
Importa mencionar que, doutrinariamente, essa questão não
é pacífica. Citada por YUSSEF SAID CAHALI (2013, p. 684), há pontos
controvertidos: “a) se a dívida alimentar subsiste em caso de falência do
devedor; b) se ela subsiste, em que condições deverá ser cumprida”.
No que diz respeito à dívida alimentar subsistir à
falência, o autor, mencionando Planiol, Ripert e Rouast, afirma que a
sobrevivência do crédito prevalece à decretação da falência, não se admitindo a priori a extinção da obrigação “sob o
pretexto de que com a falência, o devedor não pode pagá-la”. Decerto, por sua
vez, que, nesse caso, o devedor poderá lançar mão da regra disposta no artigo
1.699 do Código Civil, que prevê: “Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança
na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o
interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução
ou majoração do encargo”.
Já no que concerne à classificação dos alimentos vencidos,
ou seja, devidos até a decretação da falência, YUSSEF SAID CAHALI (2013, p.
684) entende que se trata de um crédito meramente quirografário, a menos que o
credor goze de alguma garantia excepcional, a exemplo de “hipoteca judiciária”
para invocar como privilégio legal.
GLADSTON MAMEDE (2006, p. 572), em outra linha de
pensamento, diverge, ao consignar que caberia interpretação extensiva do artigo
83, inciso I da Lei nº 11.101/2005. Para tanto, invoca os artigos 226[3] e
227[4] da
Constituição Federal, afastando a interpretação restritiva, a qual seria inconstitucional,
pois excluiria os créditos alimentares da classificação legal atualmente
privilegiada na execução concursal.
3.
Natureza jurídica dos honorários advocatícios sucumbenciais e sua classificação
segundo o Código de Processo Civil Brasileiro de 2015 e o Estatuto da Advocacia
A expressão “honorário”, no conceito básico trazido por DE
PLÁCIDO E SILVA (2006, p. 686), deriva do latim honorarius, de honor, que
originalmente significa tudo que é feito ou dado por honra, sem qualquer
ligação direta com a ideia de pecúnia.
Já o significado de “honorários de advogado”, segundo o
mesmo autor, tem abrangência mais específica e correlação com o caráter
remuneratório:
A prestação de serviço profissional
assegura aos inscritos na Ordem o direito a honorários contratados ou, na falta
de contrato, dos que forem fixados na forma da lei. Na falta de estipulação ou
de acordo, os honorários serão fixados por arbitramento judicial em percentagem
sobre o valor da causa. A sentença condenarão vencido a pagar ao vencedor as
despesas que antecipou e os honorários advocatícios. O juiz, ao decidir
qualquer incidente ou recurso, condenará nas despesas o vencido (Cód. de Proc.
Civil, art. 20 e §1º). Os honorários advocatícios ou serão estipulados em
contrato ou serão fixados pela autoridade judiciária.
Logo, “honorários advocatícios” constituem, lato sensu, uma verba decorrente do
trabalho exercido pelo advogado, subdividindo-se em duas espécies: contratuais
e sucumbenciais.
Naturalmente, os primeiros são estabelecidos na celebração
do instrumento regulatório da prestação de serviços. Neste, devem ser previstos
os valores correspondentes à remuneração pelo exercício do seu ofício,
consoante disposto no Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil:
Art. 35. Os honorários advocatícios e
sua eventual correção, bem como sua majoração decorrente do aumento dos atos
judiciais que advierem como necessários, devem ser previstos em contrato
escrito, qualquer que seja o objeto e o meio da prestação do serviço
profissional, contendo todas as especificações e forma de pagamento, inclusive
no caso de acordo.
Na hipótese de ausência dessa referida estipulação prévia
por escrito, a Lei nº 8.906/1994 dispõe que os honorários serão arbitrados
judicialmente, “em remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico da
questão, não podendo ser inferiores aos estabelecidos na tabela organizada pelo
Conselho Seccional da OAB” (Artigo 22, §2º).
No que diz respeito à natureza jurídica, entende-se que os
honorários advocatícios detêm caráter remuneratório do profissional,
constituindo, por isso, uma verba alimentar, pois são indispensáveis e
destinam-se ao sustento (subsistência) da pessoa do advogado.
Nos dizeres de CARLOS ROBERTO FALEIROS DINIZ (2006, p.
56), “têm natureza alimentar de sustento do advogado, de sua família e dos
encargos do escritório bem como para a atualização do profissional para o
atendimento do cliente, e as próprias necessidades de um mercado cada vez mais
competitivo”.
Ou seja, os honorários constituem fonte de renda do
advogado, tal como o salário – verba essencialmente trabalhista, segundo artigo
5º da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei nº 5.452/1943).
Partindo-se dessa premissa, o Estatuto da Advocacia (Lei
nº 8.906/1994) estabeleceu os honorários advocatícios (contratuais e
sucumbenciais) como “crédito privilegiado na falência”:
Art. 24. A decisão judicial que fixar
ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos
executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso
de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.
Esse caráter alimentar aplica-se inclusive aos honorários
sucumbenciais, tendo o Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105)
reconhecido expressamente:
Art. 85. A sentença condenará o vencido
a pagar honorários ao advogado do vencedor.
[...]
§14. Os honorários constituem direito
do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos
oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de
sucumbência parcial.
A esse respeito, salienta DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES
(2016, p. 139), “A natureza alimentar dos honorários advocatícios já foi
devidamente reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive com os
mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo a
previsão do art. 85, §14, nesse sentido apenas a confirmação legislativa desse
entendimento.
Ainda sobre esse aspecto, MISAEL MONTENEGRO FILHO (2016,
p. 135) destaca que “Os créditos resultantes de honorários advocatícios,
sucumbenciais ou contratuais, equiparam-se aos trabalhistas para efeito de
habilitação em falência, observado o limite de valor previsto no inciso I do
art. 83 da Lei nº 11.101/2005”.
Antes mesmo dessa expressa disposição legal, posicionou-se
o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº
470.407/DF, em 09/05/2006:
CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTÍCIA -
ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A definição contida no § 1-A do artigo 100
da Constituição Federal, de crédito de natureza alimentícia, não é exaustiva.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - NATUREZA - EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA.
Conforme o disposto nos artigos 22 e 23
da Lei nº 8.906/94, os honorários advocatícios incluídos na condenação
pertencem ao advogado, consubstanciando prestação alimentícia cuja satisfação
pela Fazenda ocorre via precatório, observada ordem especial restrita aos
créditos de natureza alimentícia, ficando afastado o parcelamento previsto no
artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, presente a
Emenda Constitucional nº 30, de 2000. Precedentes: Recurso Extraordinário nº
146.318-0/SP, Segunda Turma, relator ministro Carlos Velloso, com acórdão
publicado no Diário da Justiça de 4 de abril de 1997, e Recurso Extraordinário
nº 170.220-6/SP, Segunda Turma, por mim relatado, com acórdão publicado no
Diário da Justiça de 7 de agosto de 1998.
(RE 470407, Relator(a): Min.
MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 09/05/2006, DJ 13-10-2006 PP-00051
EMENT VOL-02251-04 PP-00704 LEXSTF v. 28, n. 336, 2006, p. 253-264 RB v. 18, n.
517, 2006, p. 19-22)
Nessa perspectiva,
sabe-se que, nos moldes do artigo 958 do Código Civil, os títulos legais de
preferência são os privilégios e os direitos reais. Logo, preferência é
considerado um gênero, do qual decorrem as espécies: créditos privilegiados
(prescritos em lei) e garantias (advém da autonomia da vontade e também da
lei).
Cabe, então,
perquirir como devem ser classificados os honorários sucumbenciais na execução
concursal, porquanto constituem, de um lado, crédito de natureza alimentar e
remuneratória, sendo, portanto, equiparáveis à verba salarial, e, de outro,
privilegiado, por força de lei.
4.
Possibilidade de interpretação extensiva do crédito alimentar aos honorários
advocatícios sucumbenciais
Sabendo-se do
atual privilégio legal concedido às verbas de natureza trabalhista, bem como a
caracterização de natureza alimentar atribuída aos honorários sucumbenciais, há
uma dúvida quanto à possibilidade de se estender o benefício legal, apesar da
literalidade do texto da Lei nº 11.101/2005. Ou seja, questiona-se sobre a
possibilidade de aplicação de interpretação extensiva ou limitação à
restritiva.
MANOEL JUSTINO
BEZERRA FILHO (2016, p. 294), ao tratar especificadamente sobre o tema,
ponderou inicialmente pela inaplicabilidade da extensão:
Como o art. 24 da Lei 8.906/1994, o
chamado Estatuto da OAB, prevê que os honorários constituem “crédito
privilegiado na falência”, acabou prevalecendo o entendimento no sentido de que
se tratava de crédito com privilégio geral, a ser classificado no inciso V
deste art. 83 (REsp 1.068.838, de 24.11.2009; REsp 1.077.528, de 09.11.2010;
TJSP, AgIn 0160472-92.2011.8.26.0000, em 28.02.2012). Este era o entendimento
correto, pois a se admitir que o crédito por honorários passasse a ser
considerado como crédito alimentar equiparado e classificado como trabalhista,
haveria necessidade de classificar de tal forma todos os créditos de
profissionais liberais (médicos, engenheiros, contadores etc.) e, em última
análise, até os créditos de empresas fornecedoras, pois embora de forma
distante, mesmo estes últimos créditos correspondem pela própria subsistência
do empresário que vive da atividade empresarial e depende do recebimento de
créditos da sociedade empresarial.
No entanto, o
mesmo autor reconhece que, pelo julgamento proferido na Corte Especial do
Superior Tribunal de Justiça realizado em 07.05.2014 (REsp repetitivo
1.152.218/RS), o Ministro Luis Felipe Salomão, enquanto relator do recurso,
tratou da questão dividindo os honorários entre aqueles a) já fixados quando da
decretação da falência e b) devidos pela massa falida por serviços a esta
prestados. A ementa do julgamento elucida a questão:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL.
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. FALÊNCIA. HABILITAÇÃO. CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTAR. ART. 24 DA
LEI N. 8.906/1994. EQUIPARAÇÃO A CRÉDITO TRABALHISTA.
1. Para efeito do art. 543-C do Código
de Processo Civil: 1.1) Os créditos resultantes de honorários advocatícios têm
natureza alimentar e equiparam-se aos trabalhistas para efeito de habilitação
em falência, seja pela regência do Decreto-Lei n. 7.661/1945, seja pela forma
prevista na Lei n. 11.101/2005, observado, neste último caso, o limite de valor
previsto no artigo 83, inciso I, do referido Diploma legal.
1.2) São créditos extraconcursais os
honorários de advogado resultantes de trabalhos prestados à massa falida,
depois do decreto de falência, nos termos dos arts. 84 e 149 da Lei n. 11.101/2005.
2. Recurso especial provido.
(REsp 1152218/RS, Rel. Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/05/2014, DJe 09/10/2014)
No voto do Relator, Exmo. Sr. Ministro Luis
Felipe Salomão, foram inclusive citados precedentes favoráveis[5], como contrários[6] à possibilidade de os créditos
derivados de honorários advocatícios serem equiparados aos trabalhistas, diante
da mesma natureza jurídica alimentar.
O Ministro Relator, mudando seu
posicionamento firmado em decisões anteriores, reconheceu que “parece mesmo ser
o mais acertado e consentâneo com a jurisprudência recente do Supremo e desta
Corte, no sentido de que os honorários advocatícios, dada sua natureza
alimentar, devem ser equiparados a crédito trabalhista, para efeito de habilitação
na falência”.
Neste mesmo julgamento, o Exmo. Sr.
Ministro Ari Pargendler, em divergência de posicionamento, registrou
basicamente que “os créditos resultantes de honorários de advogado não estão
equiparados aos créditos trabalhistas stricto
sensu”. Isso, sob o fundamento de que “O empregado dá o sangue pela
empresa, à qual está subordinado juridicamente, e – o mais importante – dela
depende economicamente. Esse é o motivo da preferência dos créditos
trabalhistas stricto sensu sobre
todos os outros créditos, seja qual for sua natureza”.
Cabe também mencionar o posicionamento do
Exmo. Sr. Ministro Gilson Dipp, que acompanhou o entendimento contrário à
possibilidade de equiparação dos honorários ao crédito trabalhista simplesmente
pela semelhança da natureza alimentar:
De qualquer sorte, a natureza alimentar
não assegura, por si só, o privilégio especial. Este (além dos créditos
derivados da legislação do trabalho; daqueles com garantia real; ou tributários
– que não se confundem com os honorários) é legalmente apenas reservado aos
créditos previstos no art. 83, V da Lei de Falências, a saber: a) os previstos
no art. 964 da Lei 10.406/2002; b) os previstos no art. 67 da Lei de Falências;
e c) os definidos em lei como de privilégio especial. Além disso, a afirmação
de privilégio dos créditos derivados da legislação do trabalho também não
resulta por si só na afirmação da natureza alimentícia dos salários ou
prestações trabalhistas. Em virtude disso, a equiparação com honorários pela
mesma razão não resulta por si só necessária, sendo incorreto afirmar com essa
razão a natureza de crédito privilegiado especial dos honorários, sucumbenciais
ou contratuais. [...] A natureza da relação de cada qual denuncia a diferença
ontológica entre ambas, de modo que, sem outra informação concreta e fática,
não é possível reduzir duas realidades diversas a um conceito jurídico só,
embora seja perfeitamente aceitável que os honorários também se prestem a
satisfazer necessidades alimentares do advogado e sua família.
Prevaleceu, no entanto, o posicionamento
favorável à interpretação extensiva do privilégio legal concedido às verbas
trabalhistas aos honorários. Conforme extraído por MANOEL
JUSTINO BEZERRA FILHO (2016, p. 294), “este é o entendimento que deverá
prevalecer ante a força de coerção que emana do sistema do recurso repetitivo,
um bem para aqueles que perseguem a chamada segurança jurídica”.
Por fim, em análise conclusiva da questão,
GLADSTON MAMEDE (2006, p. 578) sugere que “é melhor embutir, no conceito de
alimentos, os honorários”.
Como se percebe, a possibilidade de
aplicação da interpretação extensiva não é unânime, sobretudo na
jurisprudência, muito embora não se discuta o caráter alimentar dos honorários,
verba indispensável ao sustento do advogado.
5.
Conclusão
Quanto à classificação dos honorários
advocatícios sucumbenciais na execução concursal, verificou-se pelo estudo
realizado que é de suma importância observar o princípio da par conditio creditorium, preservando-se
a igualdade de tratamento dos credores que estiverem na mesma categoria e
guardando a proporcionalidade dentro da classe que integrarem.
Partindo-se dessa premissa, percebeu-se
que, da anterior vedação normativa, prevista no artigo 24 do Decreto-Lei nº
7.661/1945, o status da prestação de
alimentos, se comparada à verba de natureza trabalhista, foi elevado pela Lei
nº 11.101/2005 à condição de privilegiado, ainda que limitado a um
significativo montante de 150 salários-mínimos[7], cabendo, ainda, a eventual saldo
remanescente a reclassificação enquanto quirografário.
Dentro dessa análise, o primeiro ponto
controvertido ultrapassado foi a divergência na atribuição da natureza
alimentar ao crédito trabalhista, o que nos parece absolutamente razoável, na
medida em que esta verba possui, além da mera contraprestação ao serviço
prestado, correspondência direta com a susbsistência do trabalhador.
O segundo ponto de entrave trata da
equiparação dos honorários advocatícios sucumbenciais, enquanto verba de
natureza alimentar reconhecida por lei, aos créditos de natureza trabalhista,
de forma a se estender àquele o mesmo privilégio disposto para este no artigo
83 da Lei nº 11.101/2005.
Em recentes julgamentos dessa questão nos
Tribunais Superiores, prevaleceu, ainda que não unanimemente, o posicionamento
favorável à interpretação extensiva do privilégio legal concedido às verbas
trabalhistas aos honorários advocatícios.
Nesse sentido, admitindo-se a roupagem de
alimentar aos créditos trabalhistas, denota-se que, a partir da vigência da Lei
nº 11.101/2005, em coesão com a expressa previsão disposta no §14 do artigo 85
do Código de Processo Civil/2015, houve efetiva possibilidade de recebimento
pelo titular de honorários advocatícios num cenário falimentar, não se
limitando à classificação de quirografário, mas juntamente com os créditos
trabalhistas, respeitado o teto de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos.
Diante de todo esse exame conjuntural,
pôde-se concluir que os honorários de sucumbência têm natureza alimentar por
constituírem contraprestação ao ofício do advogado. O fato dessa verba possuir
tal natureza jurídica tem como efeito a possibilidade de atribuição do mesmo
privilégio conferido às verbas de natureza trabalhista, as quais estão
prescritas no inciso I do artigo 83 da Lei nº 11.101/2005, cabendo-lhes,
inclusive, o direito ao recebimento de 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos
por credor, naturalmente, desde que os ativos liquidados o comportem, e
eventual saldo remanescente, reclassificação como quirografário.
6.
Referências
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Recuperação Empresarial e Falência. Coordenação Modesto Carvalhosa. v. 5,
8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
BRASIL. Decreto-lei 7.661, de 21 de junho de 1945. Dispõe
sobre Lei de Falências. Diário Oficial
da União, Brasília, 31 jul. 1945 (disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm). Acesso em 26.05.2017.
BRASIL. Lei 3.726, de 11 de fevereiro
de 1960. Altera os artigos 102 e 124 da Lei de Falências para dar prioridade
aos créditos trabalhistas. Diário
Oficial da União, Brasília, 13 abr. 1960 (disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3726.htm). Acesso em 26.05.2017.
BRASIL. Lei 8.906, de 4 de julho de
1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB). Diário Oficial da União,
Brasília, 5 jul. 1994 (disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8906.htm).
Acesso em 26.05.2017.
BRASIL.
Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário
Oficial da União, Brasília,
11 jan. 2002 (disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm). Acesso em
26.05.2017.
BRASIL. Lei 11.101, de 9 de fevereiro de
2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário
e da sociedade empresária. Diário Oficial da União, Brasília, 9 fev. 2005
(disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm).
Acesso em 26.05.2017.
BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de
2015. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 17 mar. 2015 (disponível
em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm). Acesso em 26.05.2017.
BRASÍLIA.
Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.152.218/RS, Rel. Ministro Luis Felipe
Salomão, Diário de Justiça, Brasília, 09 out. 2014 (disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200901563744&dt_publicacao=09/10/2014). Acesso em 26.05.2017.
BRASÍLIA.
Supremo Tribunal Federal. RE nº 470.407/DF, Rel. Ministro Marco Aurélio, Diário
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CAMPOS FILHO,
Moacyr Lobato de. Falência e Recuperação.
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LIMA, Osmar Brina
Corrêa; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Comentários
à nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: lei nº. 11.101, de 09 de
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MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro. v. 4:
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NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: Ed. Jus Podivm,
2016.
GUIMARÃES,
Maria Celeste Morais. Recuperação
Judicial de Empresas e Falência. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 17. ed.,
v. 1. São Paulo: Saraiva, 1998.
SILVA, De Plácido.
Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro:
Forense, 2006.
[2] Valor do salário-mínimo em 2017:
R$937,00, em conformidade com a Lei nº 13.152/2015.
[3] Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção
do Estado.
[4] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
[5] RE 470.407, Relator(a): Min. Marco
Aurélio, Primeira Turma, julgado em 09/05/2006; EREsp. 706.331/PR, Rel.
Ministro Humberto Gomes de Barros, Corte Especial, julgado em 20/02/2008; REsp
566.190/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
14/06/2005, DJ 01/07/2005; AgRg no REsp 958.620/SC, Rel. Ministro Vasco Della
Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), Terceira Turma, julgado em
15/03/2011; REsp 793.245/MG, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira
Turma, julgado em 27/03/2007.
[6] AgRg no REsp 1077528/RS, Rel.
Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 19/10/2010, DJe
09/11/2010; AgRg no REsp 1101332/RS, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti,
Quarta Turma, julgado em 19/06/2012, DJe 28/06/2012; REsp 1068838/PR, Rel.
Ministro Mauro Campbell Marques, Rel. p/ Acórdão Ministra Eliana Calmon,
Segunda Turma, julgado em 24/11/2009, DJe 04/02/2010; REsp 1184770/SC, Rel.
Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 15/04/2010, DJe 19/05/2010.
[7] Valor do salário-mínimo em 2017:
R$937,00, em conformidade com a Lei nº 13.152/2015.
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