A INSEGURANÇA JURÍDICA E OS CRIMES SEXUAIS
Mariana Cardoso Magalhães
Sócia
do Homero Costa Advogados
Ana Luisa Augusto Soares Naves
Associada do Homero Costa Advogados
O
artigo 213 do Código Penal prevê como crime de estupro o ato de “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
Nos últimos meses, no Brasil,
foram proferidas duas decisões que se destacaram nas mídias sociais e nos
noticiários nacionais, que discutem a ocorrência ou não do delito de estupro.
Em
Teresina/PI foi proferida
decisão
que determinou a prisão preventiva do acusado pelo delito de estupro, por ter o indivíduo constrangido a vítima a cometer atos libidinosos em si mesma e filmá-los.
Neste caso, não houve
nenhum contato físico do agressor com a vítima, todo o constrangimento ocorreu
de forma virtual. O Magistrado entendeu que a conduta está tipificada como estupro
porque a vítima foi constrangida mediante grave ameaça a manter ato libidinoso.
Chegou-se a chamar o ocorrido de “estupro virtual”, uma vez que o ato de
constranger alguém a realizar ato libidinoso, diferente da penetração,
aconteceu através das redes sociais, sem que tivesse ocorrido algum tipo de
contato físico entre vítima e acusado. Ou seja, houve a interpretação ampla e
extensiva acerca do ato de constranger alguém, utilizando-se a adequação da lei
penal à sociedade atual, em que o mundo virtual pode trazer consequências tão
severas e relevantes quanto o mundo real.
Já em São Paulo/SP, uma recente decisão judicial, decidiu pela soltura do
indivíduo que teria sido preso em flagrante ao ser surpreendido se maturbando e
ejaculando em uma passageira dentro de um ônibus na
Avenida Paulista, no centro da cidade.
O Magistrado que concedeu a liberdade ao indivíduo
entendeu que no caso não houve crime de estupro, por não haver constrangimento
da vítima, conjunção carnal ou ato libidinoso praticado pelo agente, mas sim
uma contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor.
A lei de contravenções penais -
Decreto Lei nº 3688/41 - em seu artigo 61 entende por importunação ofensiva ao
pudor o ato de “Importunar alguém, em
lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor”.
Como é possível verificar, ambas as decisões tratam de casos de atos
sexuais ocorridos sem o consentimento da vítima, em que as interpretações dos
Magistrados sobre a legislação levaram a decisões divergentes.
No primeiro caso, não precisou ter havido o contato físico para a
configuração do constrangimento da vítima que, através de grave ameaça, se
sentiu compelida a realizar um ato sexual em si mesma, configurando, então, o
crime de estupro.
Já no segundo caso, o contato físico do agente com a vítima, no momento
em que o indivíduo realizava em si mesmo atos sexuais, não foi reconhecido
sequer o constrangimento passado pela vítima, tendo o crime sido desqualificado
para uma contravenção penal.
Ora, quando então, estaremos diante de estupro e quando estaremos de
frente a uma contravenção penal? Sendo certo que as duas englobam o tema de
atos sexuais, percebe-se que há uma linha tênue entre os dispositivos, que
chega a confundir sobre os elementos essências da conduta para a configuração
de um e outro.
Certo é que estamos diante de mais um ato de insegurança jurídica causada
pelo Poder Judiciário, gerada por decisões com interpretações distintas pelos
Magistrados sobre o que configura ou não um ato libidinoso na previsão do
delito de estupro.
Casos que, por um ângulo evidenciam as semelhanças, tomaram rumos
distintos no Judiciário.
O que então seria configurado como constranger alguém a praticar ato
libidinoso? O que se configuraria apenas o ato de importunar alguém de modo
ofensivo ao pudor? De certo, há incerteza sobre as condutas que se enquadrariam
em cada um dos dispositivos.
Verifica-se então a importância de se solucionar questões de divergência
jurídica principalmente quando se trata de condutas tão, infelizmente,
recorrentes na sociedade atual.
Certamente, os mencionados processos serão analisados pelos tribunais
superiores.
Não há dúvidas da importância da
conscientização de todos contra atos de estupro, violência, importunação do
outro, da liberdade sexual e outros, como também da necessidade de
esclarecimentos por parte do Legislador e do Judiciário no momento da aplicação
da lei ao caso concreto. Do contrário, continuaremos a presenciar casos
similares de agressão sexual em que não se poderá ter a certeza da aplicação da
legislação de forma correta e concreta.
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