segunda-feira, 3 de novembro de 2025

O CÓDIGO FLORESTAL E OS DESAFIOS DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO: SUSTENTABILIDADE, INOVAÇÃO E COMPETITIVIDADE

  

Por Stanley Martins Frasão e Nathália Caixeta Pereira de Castro

 

 

O agronegócio brasileiro é um dos pilares da economia nacional, sendo responsável por grande parte do PIB, das exportações e da geração de empregos. No entanto, para além da produção em larga escala e da alta tecnologia no campo, o setor enfrenta desafios cada vez mais complexos que exigem um equilíbrio delicado entre crescimento econômico e preservação ambiental. Nesse contexto, o Código Florestal Brasileiro (Lei nº 12.651/2012) surge como um marco regulatório crucial, influenciando diretamente as práticas agrícolas, o uso da terra e a imagem do Brasil no cenário internacional.

O Código Florestal e seus impactos no agro

A legislação ambiental estabelece diretrizes para a preservação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs), o que impacta diretamente a gestão das propriedades rurais. Para muitos produtores, isso significa uma redução da área disponível para cultivo, exigindo maior eficiência produtiva e investimentos em tecnologias que possibilitem o uso sustentável do solo.

O Código também impôs a obrigatoriedade do Cadastro Ambiental Rural (CAR), um instrumento de controle, monitoramento e planejamento ambiental das propriedades. A adesão ao CAR é pré-requisito para que os produtores tenham acesso a linhas de crédito e programas de regularização. Apesar de representar um desafio inicial, essa exigência promove maior segurança jurídica e incentiva a adoção de práticas sustentáveis no campo.

Sustentabilidade como vetor de inovação

Ao limitar a expansão indiscriminada da fronteira agrícola, o Código Florestal estimula o aumento da produtividade dentro das áreas já consolidadas. Isso tem impulsionado a adoção de novas tecnologias, como agricultura de precisão, uso racional de insumos e práticas regenerativas, que não só aumentam a eficiência como também reduzem impactos ambientais.

As novas tecnologias e práticas sustentáveis têm promovido ganhos expressivos de produtividade e ampliado a competitividade internacional do setor. A agricultura de precisão permite o uso eficiente de insumos como água, fertilizantes e defensivos, enquanto drones, sensores e softwares ajudam no monitoramento das lavouras e na tomada de decisões em tempo real.

Práticas como integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), plantio direto, rotação de culturas e recuperação de áreas degradadas fortalecem a conservação dos recursos naturais e reduzem a emissão de gases de efeito estufa. Com isso, o Brasil ganha destaque como produtor agrícola sustentável, atendendo às exigências de mercados internacionais cada vez mais atentos à responsabilidade socioambiental.

Conexão com compromissos internacionais e mercados

O cumprimento do Código Florestal também reforça a posição do Brasil frente a acordos internacionais, como o Acordo de Paris, em que o nosso país se comprometeu a reduzir emissões e ampliar a recuperação de vegetação nativa. A efetividade da legislação torna-se, portanto, não apenas uma obrigação interna, mas também um elemento essencial para a diplomacia ambiental e para a manutenção de mercados estratégicos que exigem cadeias de produção livres de desmatamento.

A crescente implementação de barreiras comerciais ambientais, como o regulamento da União Europeia sobre produtos livres de desmatamento, faz com que a conformidade com o Código Florestal se torne um diferencial competitivo. A rastreabilidade das cadeias produtivas e a comprovação da regularidade ambiental das propriedades serão cada vez mais decisivas para garantir acesso a mercados internacionais e mostrar o compromisso do Brasil com a sustentabilidade em nível extraterritorial.

Dimensão social e políticas públicas

Além da responsabilidade do produtor, é fundamental o papel do Estado na criação de políticas públicas efetivas para apoiar a implementação do Código Florestal. A ampliação de linhas de crédito verde, a redução da burocracia no processo de regularização e a aceleração da análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR) são medidas indispensáveis para reduzir a insegurança jurídica e ampliar a adesão.

Outro ponto que merece destaque é a necessidade de políticas diferenciadas para pequenos e médios produtores. A democratização do acesso à tecnologia, a expansão da assistência técnica e o fortalecimento de cooperativas rurais são instrumentos fundamentais para evitar que a adequação ao Código Florestal aumente desigualdades no campo. O futuro do agro sustentável passa não apenas pela preservação ambiental, mas também pela inclusão social e pela redução da concentração produtiva.

Também é importante considerar a criação de mecanismos de pagamento por serviços ambientais (PSA), que remunerem agricultores pela conservação de florestas e recuperação de áreas degradadas, valorizando economicamente práticas sustentáveis. Além disso, políticas públicas podem estimular parcerias público-privadas (PPPs) voltadas à inovação em biotecnologia, monitoramento e certificação ambiental, facilitando a transição para um agro competitivo e mais verde.

Outro eixo fundamental é o fortalecimento da educação rural, tanto na formação técnica de jovens agricultores quanto na capacitação continuada de profissionais do campo, assegurando que as novas gerações estejam preparadas para conciliar produtividade com responsabilidade ambiental. Ainda, é essencial que os cursos superiores de Agronomia estejam estruturados para oferecer uma formação acadêmica que valorize a adequação do setor agropecuário ao Código Florestal e a outras legislações ambientais, de modo a despertar, desde o início da jornada profissional dos futuros agricultores, a consciência sobre a relevância de uma agronomia sustentável.

Desafios e estratégias de adaptação

Mesmo com os avanços, os desafios permanecem. Muitos produtores ainda enfrentam dificuldades técnicas e financeiras para se adequarem às exigências legais. Falta de assistência técnica, morosidade na análise dos cadastros e a insegurança jurídica em algumas regiões também dificultam a plena efetividade da lei.

Além disso, o setor precisa lidar com fatores como:

  1. Volatilidade dos preços das commodities, influenciada por aspectos geopolíticos, climáticos e cambiais;
  2. Aumento dos custos de produção, especialmente com insumos importados;
  3. Insegurança jurídica e entraves na regularização fundiária e ambiental;
  4. Dificuldade ou até mesmo impossibilidade na obtenção ao crédito rural, eis que os pequenos e médios enfrentaram grandes obstáculos, notadamente em 2024, submetendo-os aos juros comerciais, inclusive das indústrias de insumos;
  5. Desigualdade no acesso à tecnologia, sobretudo entre pequenos e médios produtores.

Para enfrentar esses desafios, algumas estratégias têm se mostrado fundamentais:

  1. Diversificação da produção e das fontes de renda na propriedade rural;
  2. Uso de ferramentas de gestão de risco, como o seguro rural e contratos futuros;
  3. Capacitação técnica contínua, por meio da extensão rural e do acesso à informação;
  4. Fortalecimento de cooperativas, que promovem ganho de escala e poder de negociação;
  5. Investimento em rastreabilidade e certificações ambientais, agregando valor à produção.

Desse modo, percebe-se que o Código Florestal, longe de ser um obstáculo, representa uma oportunidade de transformação no agronegócio. Ele aponta para um futuro em que produção e preservação caminham juntas, em que a inovação é sinônimo de sustentabilidade e em que o Brasil se consolida como uma potência agroambiental. O desafio está em garantir que todos os produtores tenham condições de participar dessa mudança, com apoio técnico, segurança jurídica e incentivos adequados para fazer do campo um espaço de equilíbrio e prosperidade.

Mais do que uma exigência legal, trata-se de uma política estratégica de Estado, capaz de posicionar o Brasil em um patamar único: produzir em escala global sem abrir mão da preservação natural. O verdadeiro desafio não é escolher entre o agronegócio ou a floresta, mas construir pontes para que ambos coexistam de maneira integrada e colaborativa.

 

 

NÃO INCIDÊNCIA DO ITCD SOBRE BENS NO EXTERIOR

 

 

Gustavo Pires Maia da Silva

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

  

O Excelso Supremo Tribunal Federal (“STF”), há pouco tempo, definiu que os Estados não podem cobrar o ITCD, tributo que incide sobre a herança e as doações, relacionado aos bens localizados no exterior, enquanto não houver a edição de lei complementar dispondo sobre essa viabilidade.

Cumpre esclarecer que, no ano de 2011, o STF já havia firmado a tese de repercussão geral, Tema nº 825, que assim dispõe: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no artigo 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.

Naquela ocasião, as leis estaduais que tratavam da cobrança do imposto sobre bens situados no exterior foram afirmadas inconstitucionais.

Ocorre que, como é de conhecimento notório, no fim do ano de 2023, foi validada a Reforma Tributária - Emenda Constitucional nº 132/2023 -, que, a despeito de destacar a tributação sobre o consumo, trouxe modificações importantes sobre ITCD.

No meio de tais mudanças, estava o prognóstico de que os Estados poderiam cobrar o imposto sobre bens localizados no exterior antes da edição da lei complementar, nos seguintes moldes: “Art. 16. Até que lei complementar regule o disposto no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal, o imposto incidente nas hipóteses de que trata o referido dispositivo competirá: (…) II – se o doador tiver domicílio ou residência no exterior: a) ao Estado onde tiver domicílio o donatário ou ao Distrito Federal; b) se o donatário tiver domicílio ou residir no exterior, ao Estado em que se encontrar o bem ou ao Distrito Federal.”

Alicerçados nessa situação, alguns Estados que haviam tido suas leis declaradas inconstitucionais, consideraram que a decisão da Corte Máxima, do ano de 2021, teria “perdido a validade” em razão da introdução, no ordenamento jurídico pátrio, da previsão acima mencionada, via EC nº 132/2023.

Esse entendimento, todavia, foi recém desprezado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.553.620/SP. Retira-se de fragmento do voto da Ministra Relatora, Carmen Lúcia, o seguinte:

Não há como acolher o argumento do Estado de São Paulo de ser aplicável o art. 4º da Lei estadual n. 10.705/2000, para fazer incidir o ITCMD sobre doações provenientes do exterior, ocorridas em momento posterior à edição da Emenda Constitucional n. 132/2023, pois este Supremo Tribunal assentou que “a modulação de efeitos fixada no Tema 825 não afasta a premissa maior do Tema, que é a ineficácia do art. 4º da Lei 10.705/2000 em face da ausência de lei complementar federal dispondo sobre o ITCMD quando envolve elemento relevante de conexão com exterior (art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal)” (Rcl n. 58.187-AgR, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, Primeira Turma, DJe 24.5.2023).

Ao reafirmar que a Emenda Constitucional n. 132/2023 “entrou em vigor em data posterior à declaração de inconstitucionalidade, nesta Corte paulista, da alínea b do inciso II do art. 4º da Lei bandeirante 10.705/2000, não havendo, portanto, norma federal ou estadual que estabeleça a hipótese de incidência de tributo incidente sobre as doações recebidas do exterior” (fl. 4, edoc. 14), o Tribunal de origem aplicou, de forma correta, o Tema 825 da repercussão geral.”

O Supremo Tribunal Federal estabeleceu o juízo de que, na atualidade, não é possível aos Estados a cobrança do ITCD sobre bens fixados no exterior com amparo em uma lei declarada inconstitucional, devendo ser aguardada a impressão da lei complementar. Diante disso, reforça-se a imprescindibilidade de uma regulamentação federal específica para viabilizar legalmente essa tributação.

PREVISIBILIDADE E VALOR ESTRATÉGICO GUIAM PRECIFICAÇÃO NA ADVOCACIA

  

Por Beatriz Machnick e Stanley Martins Frasão

 

 

A precificação inteligente é hoje uma das principais alavancas estratégicas para maximizar a rentabilidade, aumentar a competitividade e fortalecer o relacionamento com clientes em sociedades de advogados de médio e grande porte. Bancas que mantêm modelos tradicionais de cobrança, como a hora simples ou tabelas fixas, perdem relevância em um mercado cada vez mais orientado pela previsibilidade, pelo valor percebido e pela diferenciação. Para se manter competitivo, o setor precisa transformar a forma como estrutura seus preços, com base em dados, em clareza de custos e no valor estratégico que cada serviço representa para o cliente.

O primeiro passo é compreender que o preço não deve refletir apenas o esforço ou o tempo envolvido, mas sim o impacto gerado. A mitigação de riscos, a economia obtida em processos regulatórios ou a conquista de uma vantagem competitiva são elementos que precisam estar incorporados à formação de honorários. Em paralelo, cresce a demanda por previsibilidade. Empresas buscam clareza nos custos jurídicos e tendem a fidelizar bancas que ofereçam essa transparência. A segmentação também se torna indispensável, já que serviços de alta complexidade e impacto não podem ser cobrados da mesma forma que atividades mais operacionais ou de menor valor agregado.

Essa transformação exige incorporar dados de performance e inteligência de mercado na gestão de propostas. Métricas como realization rate, utilization rate, margem líquida e lock-up deixam de ser indicadores internos restritos ao controle financeiro e passam a orientar a precificação. Escritórios que cruzam dados históricos com benchmarking setorial conseguem estruturar preços mais justos e estratégicos, capazes de alinhar expectativas com clientes e proteger margens em um mercado competitivo.

No cenário jurídico, diferentes modelos convivem e devem ser aplicados de forma criteriosa. A cobrança por hora segue sendo útil em litígios complexos, nos quais há variáveis imprevisíveis, mas perde espaço quando o cliente exige previsibilidade de escopo e custo. O fee fixo atende bem a contratos ou pareceres com escopo delimitado, oferecendo segurança tanto ao escritório quanto ao cliente. Já os modelos de contingência, vinculados ao êxito, permitem alinhar totalmente os interesses entre banca e cliente em causas indenizatórias ou recuperações judiciais.

Em demandas estratégicas de longo prazo, o modelo híbrido, que combina honorários fixos e remuneração por resultado, equilibra risco e retorno. Os contratos de retentor mensal se consolidam como solução para assessoria recorrente, garantindo receita previsível. Por fim, o value pricing, que atribui preço de acordo com o valor estratégico percebido pelo cliente, representa uma evolução natural e posiciona o escritório como parceiro de negócios, e não apenas prestador de serviços.

Para implementar essas práticas, o diagnóstico inicial é indispensável. O mapeamento do escopo, dos riscos e do valor atribuído pelo cliente permite estruturar propostas personalizadas e adequadas ao contexto de cada relação. O uso de ferramentas de business intelligence amplia a análise de rentabilidade por cliente, área ou advogado, revelando desvios que corroem margens sem que os sócios percebam. A comunicação também é decisiva. Explicar com clareza a lógica da precificação, detalhar entregáveis e benefícios e incluir indicadores de performance reforça a percepção de justiça e valor na cobrança. Escritórios mais maduros chegam a oferecer diferentes pacotes de serviços, do mais básico ao mais sofisticado, ampliando o ticket médio e ajustando a entrega ao perfil de cada cliente.

As boas práticas internacionais reforçam esse movimento, mas precisam ser adaptadas à realidade local. Não basta importar modelos estrangeiros, é necessário adequar à cultura e ao posicionamento de cada sociedade. O uso de dados concretos, e não de percepções subjetivas, sustenta propostas comerciais mais consistentes. Negociar resultados em vez de apenas discutir descontos fortalece a relação com clientes corporativos. A tecnologia se consolida como aliada ao permitir sistemas de precificação dinâmica que consideram complexidade, prazos, urgência e perfil do cliente, transformando um processo antes artesanal em estratégia de gestão.

Um exemplo prático ajuda a ilustrar. Em contratos de consultoria contínua em temas regulatórios, como LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), é possível estruturar um retainer mensal para cobrir demandas recorrentes e acrescentar honorários fixos para situações extraordinárias. Esse modelo pode ser complementado por bônus vinculados a resultados, como a conquista de certificações. O cliente percebe clareza nos custos, alinhamento de expectativas e diferenciação no serviço prestado, enquanto o escritório garante previsibilidade e proteção de margem.

A precificação inteligente, portanto, deve ser entendida como uma competência estratégica contínua. Trata-se de um processo sustentado por análise de dados, escuta ativa e adaptação ao movimento do mercado. Sociedades que transformarem a gestão de preços em vantagem competitiva conseguirão sustentar crescimento, rentabilidade e reputação, consolidando-se em um mercado jurídico cada vez mais exigente.

 

 

 

Beatriz Machnick é contadora, especialista em Controladoria e Finanças, mestre em Governança e Sustentabilidade. Sócio fundadora da BM Consultoria em Precificação e Finanças.

 

Stanley Martins Frasão é advogado, mestre em Direito Comercial, sócio de Homero Costa Advogados.

 

RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR - MORTE DE EMPREGADO EM RAZÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO - INDENIZAÇÃO – CÔNJUGE SUPÉRSTITE

 

  

                                   Orlando José de Almeida

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

                                       

No dia 29/08/2025 foi publicada notícia no site do Tribunal Superior do Trabalho - TST, referente ao julgamento proferido nos autos do processo nº TSTAg-RR-1049-43.2015.5.12.0050, cujo acórdão foi publicado no dia 09/06/2025.

Consta da matéria que a Turma de julgadores do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, reformou decisão de primeira instância que havia julgado improcedente o pedido de indenização por dano material, e condenou a Reclamada ao pagamento de pensão mensal à viúva e aos filhos menores, desde a data do óbito da vítima de acidente de trabalho até a época em que completaria 75 anos. 

Na sequência, a Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho - TST, diante de Recurso da Empregadora, por unanimidade, acompanhou o voto da Ministra Relatora Morgana Richa, que realçou que "não havia fundamento legal para afastar a pensão à viúva, mesmo diante de novo matrimônio”, ou seja, “não cabe limitar o pensionamento à eventual ocorrência de casamento ou união estável do cônjuge que sobreviveu”.

Foi ainda destacado que na hipótese de filhos menores, estes receberão pensionamento até completarem a idade de 25 anos, sendo que “após atingirem essa idade, as cotas dos filhos serão revertidas em favor da viúva.” A ementa do acórdão é a seguinte:

I - AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. PENSIONAMENTO VITALÍCIO - TERMO FINAL. CÔNJUGE SUPÉRSTITE E FILHOS MENORES - NOVO CASAMENTO E MAIORIDADE. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Afasta-se o óbice do art. 897, § 7º, da CLT e da Súmula 333/TST indicado na decisão monocrática e remete-se o recurso de revista para análise do Colegiado. Agravo conhecido e provido. II – RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. PENSIONAMENTO VITALÍCIO - TERMO FINAL. CÔNJUGE SUPÉRSTITE E FILHOS MENORES - NOVO CASAMENTO E MAIORIDADE. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1. Discute-se nos autos, se é ou não devida a imposição de limites à percepção do pensionamento vitalício arbitrado em razão do falecimento do trabalhador em acidente do trabalho, bem como quais devem ser tais limitações. 2. Nos termos do art. 948, II, do Código Civil, o período de recebimento de eventual pensão é limitado somente à expectativa de vida do “de cujus”. 3. No mesmo sentido, dispõe o parágrafo 8º do art. 29 da Lei nº 8.213/1991, onde se prevê que o salário de benefício observará a expectativa de sobrevida do segurado. 4. Quanto à viúva, ao tempo do falecimento do trabalhador não havia fundamento legal para a extinção de seu pensionamento, descabendo limitar o pensionamento à eventual superveniência de casamento ou união estável do cônjuge supérstite. Precedentes. 5. Quanto aos filhos menores, embora a disciplina legal estabeleça como marco da maioridade a idade de 21 anos, a remansosa jurisprudência pátria fixou como termo final do pensionamento a idade limite de 25 anos, período suficiente para proporcionar ao jovem pensionado o alcance da independência econômica. Precedentes. 6. Assim, no que toca ao direito dos filhos menores, deve-se limitar o pensionamento aos filhos do “de cujos”, à data em que vierem a completar 25 anos de idade, observado o direito de acrescer da viúva, em observância ao disposto no art. 77, § 1º, da Lei nº 8.213/1991. Recurso de revista parcialmente conhecido e parcialmente provido

Com relação ao período do pensionamento, para o cônjuge sobrevivente, o posicionamento predominante no TST é no sentido de que deve corresponder ao da expectativa de vida da vítima e, ainda, que eventual casamento ou união estável do cônjuge supérstite não afetará o direito, consoante interpretação analógica dos artigos 948, II, do Código Civil Brasileiro e 29, § 8º, da Lei 8.213/91, assim redigidos:

Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:

II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.

Art. 29. O salário-de-benefício consiste:  

§ 8o Para efeito do disposto no § 7o, a expectativa de sobrevida do segurado na idade da aposentadoria será obtida a partir da tábua completa de mortalidade construída pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, considerando-se a média nacional única para ambos os sexos.                 

E para justificar o entendimento foram transcritas decisões proferidas por Turmas do TST. Confira-se:

‘[...] DANOS MATERIAIS. MORTE DE EX-EMPREGADO. NOVO CASAMENTO DA VIÚVA. PENSÃO DEVIDA. A controvérsia está centrada no direito da viúva de ex-empregado falecido à percepção da pensão após contrair novo matrimônio. Segundo se extrai do artigo 948, II, do Código Civil, que versa sobre a indenização consistente na prestação de alimentos aos dependentes do falecido, a constituição de novo matrimônio não caracteriza óbice ao pagamento de pensão à viúva de ex-empregado, uma vez que o referido dispositivo impõe como limite à indenização apenas a expectativa de vida da vítima. Nesse quadro, tem-se que a decisão regional imprimiu efetividade ao art. 948, II, do Código Civil. Precedentes. Recurso de revista conhecido e desprovido.’ (RR - 74-48.2015.5.23.0136, 2ª Turma, Relatora Ministra: Maria Helena Mallmann, Publicação: DEJT in 31/05/2019)

‘(...). II - RECURSO DE REVISTA DAS RECLAMANTES. MATÉRIA REMANESCENTE. DANOS MATERIAIS. TERMO FINAL DO PENSIONAMENTO. VIÚVA. NOVO CASAMENTO. O art. 948, II, do CC/2002, que prevê a indenização às pessoas a quem o falecido devia alimentos, não estabelece qualquer limitação ao pagamento da pensão, senão a provável expectativa de vida da vítima. Assim, incabível o limite estabelecido pelo Regional. Recurso de revista conhecido e provido. (...).’ (TST-RR-286700-55.2005.5.12.0003, 3ª Turma, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 13/05/2016)

‘[...] MATRIMÔNIO. CESSAÇÃO DO RECEBIMENTO DE PENSÃO DO DE CUJUS. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Como se trata de questão acerca da aplicação do art. 948, II, do CC, com interpretação diversa da jurisprudência do TST, há de se reconhecer a transcendência política da causa veiculada no recurso de revista. Demonstrada a violação de dispositivo de lei (CC, 948, II), nos termos exigidos no artigo 896 da CLT, provê-se o agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. [...] MATRIMÔNIO. CESSAÇÃO DO RECEBIMENTO DE PENSÃO DO DE CUJUS. RECONHECIDA TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. Nos termos do art. 948, II, do CC o período de recebimento de eventual pensão é limitado somente à expectativa de vida do de cujus, descabendo limitá-la à eventual superveniência de casamento ou união estável do cônjuge supérstite ou filhas sucessoras. Recurso de revista conhecido e provido. [...]’ (RRAg - 11868-05.2016.5.03.0034, 6ª Turma, Relator Ministro: Augusto Cesar Leite de Carvalho, Publicação: DEJT in 11/03/2022).

‘II - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DAS RECLAMANTES REGIDO PELA LEI 13.015/2014. [...] 2 - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. TERMO FINAL DO PENSIONAMENTO. VIÚVA. NOVO CASAMENTO. Demonstrada a ocorrência de possível violação do artigo 948, II, do Código Civil, impõe-se o provimento do agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. III - RECURSO DE REVISTA DAS RECLAMANTES REGIDO PELA LEI 13.015/2014. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. TERMO FINAL DO PENSIONAMENTO. VIÚVA. NOVO CASAMENTO. O artigo 948, II, do Código Civil, que prevê a indenização às pessoas a quem o falecido devia alimentos, não estabelece nenhuma limitação ao pagamento da pensão, senão a provável expectativa de vida da vítima. Assim, merece reforma o acórdão do Tribunal Regional, o qual entendeu que o novo casamento da viúva constitui termo final do pensionamento. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.’ (RRAg - 10213-17.2014.5.01.0036, 8ª Turma, Relatora Ministra: Delaide Alves Miranda Arantes, Publicação: DEJT in 13/08/2021)

‘I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DANOS MATERIAIS. TERMO FINAL DO PENSIONAMENTO. VIÚVA. NOVO CASAMENTO. Constatada divergência jurisprudencial, nos termos do artigo 896, ‘a’, da CLT, impõe-se o provimento do agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. II - RECURSO DE REVISTA. (...). DANOS MATERIAIS. TERMO FINAL DO PENSIONAMENTO. VIÚVA. NOVO CASAMENTO. O artigo 948, II, do CCB, que prevê a indenização às pessoas a quem o falecido devia alimentos, não estabelece qualquer limitação ao pagamento da pensão, senão a provável expectativa de vida da vítima. Recurso de revista conhecido e provido. [...] (TST-RR-1348-74.2012.5.03.0147, 8ª Turma, Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaro, DEJT 08/02/2019)

Por outro lado, na hipótese de a vítima ter deixado filhos, o pensionamento deve ser limitado à idade de 25 (vinte e cinto) anos. Após, o montante correspondente será acrescido ao valor da indenização recebida pelo cônjuge supérstite, por aplicação analógica do art. 77, § 1º, da Lei nº 8.213/1991, que estabelece:

Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais. 

§ 1º Reverterá em favor dos demais a parte daquele cujo direito à pensão cessar.  

Nessa esteira, para corroborar o entendimento, foram transcritas no acórdão ementas de decisões proferidas por Turmas do TST, que seguem:

“I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA ÉGIDE DA LEI N.º 13.015/2014. [...] II - RECURSO DE REVISTA. [...] PENSÃO MENSAL. TERMO FINAL DO PENSIONAMENTO DA FILHA. REVERSÃO DA QUOTA-PARTE À MÃE. DESNECESSIDADE DE PEDIDO EXPRESSO NA INICIAL. Hipótese em que o Tribunal Regional indeferiu o pedido de reversão da pensão mensal, sob o fundamento de inovação recursal, uma vez que não consta o referido pedido na petição inicial. Entretanto, a jurisprudência desta Corte Superior entende ser desnecessário o pedido expresso de reversão da pensão mensal à viúva, após a cessação da parcela destinada ao filho menor, uma vez que decorre da aplicação analógica do art. 77 da Lei 8.213/1991 e do princípio da reparação integral, sendo efeito reflexo e automático. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. [...].” (RR-746-04.2019.5.14.0092, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 24/11/2023).

‘A) AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. ACIDENTE DE TRABALHO. ÓBITO DO EXEMPREGADO. PENSÃO MENSAL PARA OS DEPENDENTES. CRITÉRIOS DE CÁLCULO. A) TERMO FINAL DO PENSIONAMENTO PARA AS FILHAS MENORES. MAIORIDADE CIVIL. CÔNJUGE SUPÉRSTITE. DIREITO DE ACRESCER. B) PAGAMENTO EM PARCELA ÚNICA. INCABÍVEL. C) BASE DE CÁLCULO PARA A INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. DEDUÇÃO DO ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. SALÁRIO CONDIÇÃO. ART. 194 DA CLT. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de má aplicação do art. 950 do CCB, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido. B) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. [...] 7. ACIDENTE DE TRABALHO. ÓBITO DO EXEMPREGADO. PENSÃO MENSAL PARA OS DEPENDENTES. CRITÉRIOS DE CÁLCULO. A) TERMO FINAL DO PENSIONAMENTO PARA AS FILHAS MENORES. MAIORIDADE CIVIL. CÔNJUGE SUPÉRSTITE. DIREITO DE ACRESCER. B) PAGAMENTO EM PARCELA ÚNICA. INCABÍVEL. C) BASE DE CÁLCULO PARA A INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. DEDUÇÃO DO ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. SALÁRIO CONDIÇÃO. ART. 194 DA CLT. [...] No caso dos autos, estão presentes os pressupostos para a responsabilização da Reclamada em razão do acidente que culminou com a morte do trabalhador. Importante salientar que o de cujus deixou viúva e filhas. A pensão mensal tem o objetivo de reparar a perda da renda familiar e a sua base de cálculo é apurada a partir dos rendimentos da vítima, sendo irrelevante, no aspecto, se a viúva contribuía, ou não, para a manutenção do lar. a) Com relação ao pedido de fixação de termo final do pensionamento para as Filhas menores - maioridade civil - cônjuge supérstite - direito de acrescer, a Corte de Origem entendeu que, mesmo quando as filhas do empregado falecido completarem 25 anos, não cessa o dever de continuidade do pensionamento à cônjuge supérstite que possui o direito de acrescer a quota-parte das filhas, direito esse que está resguardado pelo princípio da restituição integral, não se posicionando, entretanto, com relação ao termo final do pensionamento para as filhas. Quanto ao valor do pensionamento, o TRT fixou em 70% da remuneração do Empregado falecido. Com razão parcial a Reclamada. A jurisprudência desta Corte Superior se firmou no sentido de que o valor da pensão devido aos dependentes, equivale a 2/3 do valor da remuneração percebida pelo de cujus e o termo final da pensão para os filhos do trabalhador falecido é a data em que completarem 25 anos de idade, considerando a presunção de que o restante (1/3) seria destinado ao próprio sustento da vítima. Entretanto, tem a viúva do trabalhador falecido o direito de acrescer. Como visto, a jurisprudência entende que a dependência dos filhos em relação aos pais cessa na data em que o filho completar 25 anos de idade, contudo, em relação ao cônjuge supérstite, ele receberá a sua parte até a data em que o cônjuge falecido completaria determinada idade, nos moldes da tábua de mortalidade do IBGE que prevê a expectativa de sobrevida no Brasil - no presente caso, foi fixada a idade de 75,2 anos. O direito de acrescer da viúva decorre do princípio da restituição integral e da aplicação analógica do art. 77, § 1º, da Lei nº 8.213/1991, segundo o qual ‘Reverterá em favor dos demais a parte daquele cujo direito à pensão cessar’. Desse modo, o valor da pensão devido às filhas do de cujus deverá ser mantido até o momento em que completarem 25 anos de idade, reservado à cônjuge supérstite o direito de acrescer à sua parte as parcelas relativas às filhas. [...]’ (RR - 11915-08.2016.5.03.0089, 3ª Turma, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Publicação: DEJT in 10/12/2021)

“I - AGRAVO DE INSTRUMENTO DAS RECLAMADAS. RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. [...] INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL. PENSÃO. LIMITE DE 25 ANOS PARA OS FILHOS E EXPECTATIVA DE VIDA DO DE CUJUS PARA A ESPOSA. 1 - Deve ser reconhecida a transcendência jurídica quando se mostra aconselhável o exame mais detido da controvérsia devido às peculiaridades do caso concreto. O enfoque exegético da aferição dos indicadores de transcendência em princípio deve ser positivo, especialmente nos casos de alguma complexidade, em que se torna aconselhável o debate mais aprofundado da matéria. 2 - O TRT fixou o limite para percepção da pensão pelos filhos do empregado falecido a idade de 25 anos, observado o direito de acrescer, e, para a esposa, até os 74,9 anos de idade do de cujus. 3 - A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a pensão mensal devida aos familiares dependentes econômicos do empregado falecido deve obedecer ao disposto no art. 948, II, do CC, quando dispõe sobre ser devido o pagamento de alimentos levando-se em conta a expectativa de vida do empregado falecido, no caso. Julgados. 4 - Em relação ao termo final da pensão dos filhos, a jurisprudência desta Corte adota, como termo final, a data em que o filho dependente completar 25 anos de idade, observado o direito de acrescer. Julgados. 5 - Dessa forma, estando a decisão regional em consonância com a jurisprudência desta Corte, não cabe a reforma nos termos em que pretendida. 6 - Agravo de instrumento a que se nega provimento. [...].” (AIRR-10034-61.2015.5.15.0100, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhães Arruda, DEJT 8/9/2023).

Com efeito, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho caminha na seguinte direção:

a) o novo casamento ou nova união estável não afasta o direito do cônjuge sobrevivente ao pensionamento decorrente da morte do empregado vítima de acidente de trabalho, observando o tempo da expectativa de vida; e,

b) o pensionamento devido aos filhos menores cessa quanto completarem a idade de 25 (vinte e cinco) anos, sendo que após atingirem essa idade as cotas respectivas serão revertidas ao cônjuge supérstite.

A CARGA TRIBUTÁRIA NO BRASIL: ENTRE A SANHA ARRECADATÓRIA E A NECESSIDADE DE RESPONSABILIDADE FISCAL


  

Stanley Martins Frasão

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

Gustavo Pires Maia da Silva

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

  

1. Introdução

A carga tributária no Brasil é um tema recorrente de debate, caracterizada por padrões elevados de arrecadação e desafios na eficiência do gasto público. Atualmente, o Brasil apresenta uma das mais altas cargas tributárias entre as economias em desenvolvimento, atingindo cerca de 32,32% do PIB em 2024 (https://www.gov.br/tesouronacional e https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br), superando a média de países com nível econômico similar. Esse panorama é acompanhado por críticas à chamada "sanha arrecadatória" do Governo Federal, que reflete a busca incessante por maior arrecadação sem avanços proporcionais em responsabilidade fiscal e eficiência pública.

Este artigo tem como objetivo analisar a evolução histórica da carga tributária (https://www.ibpt.org.brhttps://rbgdr.net) no Brasil e suas implicações econômicas e sociais. Também serão exploradas a relação entre a sanha arrecadatória e a falta de responsabilidade fiscal, além de serem apresentadas propostas para reverter essa dinâmica prejudicial e promover um ambiente tributário mais justo, eficiente e transparente.

 

2. A Evolução da Carga Tributária no Brasil

2.1 Marcos Históricos da Tributação Brasileira

O atual sistema tributário brasileiro resulta de uma série de transformações históricas, marcadas por adaptações às necessidades de arrecadação do Estado em distintas épocas. Entre os principais marcos históricos, destacam-se:

  • Período Colonial e Imperial: A tributação no Brasil surgiu como instrumento para sustentar a metrópole portuguesa, sendo centrada em tributos sobre a produção agroexportadora. Esses impostos tinham caráter regressivo, penalizando mais intensamente os pequenos produtores.
  • República Velha (1889-1930): A transição para impostos sobre consumo e renda marcou os primeiros esforços para diversificar a base arrecadatória. Entretanto, a carga tributária ainda recaía de forma desproporcional sobre setores menos organizados.
  • Constituição de 1988: Este foi um marco fundamental que consolidou o atual sistema tributário, organizando competências tributárias para União, Estados e Municípios. A ênfase em tributos indiretos, como ICMS e PIS/COFINS, resultou em alta complexidade tributária, criando desafios para o desenvolvimento econômico.

Desde os anos 1990, a carga tributária cresceu rapidamente, em grande parte para financiar despesas sociais, previdenciárias e de infraestrutura. Apesar do aumento significativo da arrecadação, a eficiência do gasto público continua limitada.

2.2 A Regra Atual e sua Complexidade

Com mais de 90 tributos em vigor, o Brasil é apontado como um dos países com maior complexidade tributária no mundo, segundo o relatório Paying Taxes 2024, elaborado pelo Banco Mundial. Essa complexidade não apenas aumenta os custos de conformidade tributária, como também desestimula o empreendedorismo e a competitividade empresarial.

 

3. A Relação entre Sanha Arrecadatória e Falta de Responsabilidade Fiscal

3.1 O Ciclo Vicioso entre Arrecadação e Déficit

A elevação da carga tributária no Brasil está profundamente vinculada à ausência de uma gestão fiscal eficiente. A "sanha arrecadatória" se materializa quando o Governo Federal, em vez de implementar cortes estruturais em gastos ineficientes, prefere criar ou aumentar tributos para suprir déficits fiscais.

  • Expansão dos Gastos Públicos: Mais de 33% das despesas públicas federais estão alocadas em previdência e folha de pagamento, muitas vezes desprovidas de planejamento estratégico.
  • Ineficiência Alocativa: Apesar da alta carga de tributos, setores essenciais como saúde, educação e infraestrutura continuam subfinanciados ou geridos de maneira ineficaz.

Esse cenário alimenta um ciclo de déficits crescentes, ampliando ainda mais a pressão por maior arrecadação e criando distorções econômicas e sociais.

3.2 Regressividade do Sistema Tributário

O sistema tributário brasileiro é amplamente reconhecido como regressivo, uma vez que quase 50% da receita tributária decorre de impostos indiretos, como ICMS, aplicados ao consumo. Isso significa que os estratos mais pobres da população são proporcionalmente mais onerados, ampliando a desigualdade social.

 

4. Consequências Econômicas e Sociais da Elevada Carga Tributária

4.1 Impactos Econômicos

  • Desestímulo ao Investimento Empresarial: Empresários enfrentam uma carga tributária que ultrapassa 40% do lucro das empresas, incluindo impostos sobre a distribuição de dividendos. Esse cenário desestimula a atração de investimentos estrangeiros e compromete a competitividade no mercado global.
  • Complexidade Administrativa: As empresas brasileiras gastam, em média, 1.501 horas por ano somente para lidar com obrigações tributárias, de acordo com o Banco Mundial, colocando o Brasil como o país com o maior custo de conformidade no mundo.

4.2 Impactos Sociais

  • Agravamento da Desigualdade: Um sistema tributário que onera essencialmente o consumo afeta proporcionalmente mais as classes de menor renda, exacerbando a desigualdade.
  • Baixa Qualidade dos Serviços Públicos: A percepção de que o imposto pago não retorna em serviços públicos eficientes gera insatisfação e reduz a confiança cidadã no Estado.

 

 

 

5. Propostas para Melhorar a Responsabilidade Fiscal

Diante dos desafios identificados, algumas propostas concretas para melhorar a responsabilidade fiscal incluem:

5.1 Reforma Tributária Ampla e Progressiva

  • Unificação de Tributos: A implementação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), substituindo tributos como ICMS, ISS, e PIS/COFINS, simplificaria a estrutura tributária e tornaria o sistema mais transparente.
  • Progressividade no IRRF e Tributação de Grandes Fortunas: A criação de alíquotas adicionais no Imposto de Renda para pessoas de alta renda e a tributação sobre grandes propriedades poderiam garantir maior equidade no sistema.

5.2 Eficiência na Gestão Pública

  • Despesas Baseadas em Resultados: Implantação de um modelo de gestão pública baseado em indicadores de impacto e eficiência na alocação dos recursos.
  • Digitalização: A ampliação da digitalização dos processos administrativos poderia reduzir significativamente o desperdício e aumentar a eficiência de programas governamentais.
  • Redução de Gastos: implantação de serviços on-line, fluxo de trabalho automatizado, gestão eletrônica e armazenamento de documentos, fiscalizações móveis, programas de incentivo à eficiência.

5.3 Transparência e Educação Fiscal

  • Ampliação de Canais de Transparência: Desenvolvimento de plataformas públicas acessíveis que detalhem a alocação e os resultados das receitas tributárias.
  • Educação Tributária: Investimentos em campanhas educativas que expliquem à população como os impostos são aplicados podem ampliar a aceitação pública das reformas.

6. Discussão: Resistências e Estratégias para Superá-las

6.1 Resistências Políticas e Sociais

  • Setores Empresariais: Empresários resistem a novas alíquotas que aumentem a carga tributária já elevada.
  • Grupos Corporativos: Servidores públicos organizados frequentemente se opõem a reformas que impliquem em cortes de benefícios.
  • População em Geral: A desconfiança no uso eficiente dos impostos reduz a aceitação de mudanças tributárias.

6.2 Estratégias de Superação

  • Diálogo Amplo e Participativo: Expandir mecanismos de consulta pública e engajar setores empresariais e trabalhistas no processo de formulação das reformas.
  • Implementação Gradual: Promover mudanças de maneira escalonada para evitar crises de adaptação.
  • Compensações Diretas: Criar incentivos financeiros para mitigar impactos econômicos nos setores mais afetados.

·         Consultoria Externa: com o objetivo de modernizar o gerenciamento das instituições, imprimindo transparência e fixando parâmetros para os gastos, com a finalidade de uma eficiente economia financeira e consequente diminuição da carga fiscal que afeta direta e indiretamente pessoas físicas e jurídicas.

  • Planejamento estratégico: com pessoas gabaritadas e fora dos quadros dos Governos, com visão, missão e objetivos definidos, levando-se em consideração dados e indicadores, inclusive financeiros, para que seja possível administrar corretamente as finanças, identificar desperdícios e fazer os cortes necessários, inclusive tributários.

 7. Conclusão

A crescente carga tributária brasileira está profundamente associada à falta de responsabilidade fiscal e eficiência na gestão pública, perpetuando um ciclo de déficits e aumento de impostos. Reformas amplas e progressivas, focadas na simplificação tributária, aumento da transparência e implementação de políticas fiscais baseadas em resultados, são essenciais para reverter essa dinâmica.

O sucesso dessa empreitada depende de diálogo e consenso entre os diversos atores sociais e políticos, bem como do compromisso do Governo Federal em priorizar boas práticas de gestão pública. Desta forma, é possível garantir um sistema tributário mais justo, eficiente, e alinhado às necessidades do crescimento sustentável e à redução das desigualdades sociais.

O SIGNIFICADO DO 20 DE NOVEMBRO: CONSCIÊNCIA, RESISTÊNCIA E RECONHECIMENTO DA POPULAÇÃO NEGRA NO BRASIL

 

  

Stanley Martins Frasão

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

“Enquanto houver racismo, não haverá democracia.” [Abdias do Nascimento (1914-2011), ativista e referência da luta negra no Brasil.]

O Dia da Consciência Negra, celebrado anualmente em 20 de novembro, é uma das datas mais simbólicas do calendário brasileiro. Estabelecida em memória de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares e marco da luta contra a escravidão, a data foi oficializada em 2003 como momento de reflexão sobre a posição do negro na sociedade e de valorização da cultura afro-brasileira. Mais do que lembrar o passado, o 20 de novembro evoca a urgência do reconhecimento, respeito e reparação histórica à população negra, protagonista da formação cultural, social e econômica do Brasil.

A história do Brasil é profundamente marcada pelas contribuições da população negra. Na cultura, a influência africana é onipresente na música, com gêneros como o samba, o maracatu e o axé, e na culinária, por meio de iguarias como a feijoada, o acarajé e a moqueca. Na religião, práticas como o candomblé e a umbanda são expressões vivas de ancestralidade e resistência espiritual.

Na ciência, nas artes e na política, destacam-se figuras pioneiras que abriram caminhos: Machado de Assis, fundador da Academia Brasileira de Letras e um dos maiores escritores da língua portuguesa; Antonieta de Barros, jornalista, professora e a primeira deputada negra do Brasil; e a engenheira Sônia Guimarães, primeira mulher negra a se formar em física pelo prestigiado Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

Na área jurídica, um marco histórico é o exemplo de Maria Carolina de Jesus (1914-1977), a primeira advogada negra do Brasil. Formada em 1906 pela Faculdade de Direito da Bahia, ela desafiou o racismo e o sexismo para conquistar um espaço em uma profissão dominada por homens brancos. Igualmente importante é André Rebouças (1838-1898), advogado e abolicionista que contribuiu ativamente para o movimento pela libertação dos escravizados. São nomes que simbolizam as conquistas da população negra em áreas que historicamente lhe foram negadas, sendo inspirações para novas gerações de profissionais.

Conforme levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), negros correspondem a 56% da população brasileira, exercendo papel fundamental no desenvolvimento econômico, social e cultural do país, mesmo diante de inúmeras barreiras.

Todavia, a trajetória da população negra é marcada por desafios históricos que reverberam até os dias atuais. O racismo estrutural e institucional resulta em desigualdades profundas: segundo dados do IBGE (2022), pessoas negras têm renda média 40% menor que pessoas brancas, e representam cerca de 80% da população abaixo da linha de pobreza. A violência também é alarmante — jovens negros são as principais vítimas de homicídio no país.

Discriminação, preconceito e acesso desigual à educação, à moradia e ao mercado de trabalho são barreiras cotidianas. Tais desafios não se encerraram com a abolição formal da escravidão, mas se transformaram em obstáculos sistêmicos, exigindo respostas coletivas e políticas afirmativas contínuas.

Neste contexto, a educação ocupa lugar central no enfrentamento do racismo e na promoção da igualdade. A Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas, é um passo importante, mas demanda comprometimento efetivo de gestores, professores e sociedade civil para garantir uma educação antirracista e transformadora.

Políticas públicas de cotas, incentivo à produção cultural negra, combate à violência e à intolerância religiosa também são essenciais para reduzir desigualdades históricas e criar oportunidades reais de ascensão e reconhecimento. As iniciativas sociais e coletivas, como movimentos negros, coletivos culturais e quilombos urbanos, ampliam a potência dessa luta, promovendo autoestima, fortalecimento de identidades e inserção social.

O Dia da Consciência Negra não é apenas uma data comemorativa — é um chamado à ação, à escuta e ao respeito. Valorizar a luta, a resistência, os saberes e as conquistas do povo negro é fundamental para avançar rumo a uma sociedade mais igualitária. Como nos ensina Ana Maria Gonçalves em “Um Defeito de Cor”, “quem não se lembra de si, acaba perdendo o lugar no mundo”. Celebrar o 20 de novembro é reivindicar a memória, reconhecer injustiças históricas e, sobretudo, afirmar que o protagonismo negro é condição indispensável para o Brasil do presente e do futuro.

O exemplo do CESA Centro de Estudos das Sociedades de Advogados deve ser conhecido e replicado, o premiado Projeto Incluir Direito, idealizado pelo amigo Cajé (Carlos José Santos da Silva):

Desde sua criação em 2016, o Projeto Incluir Direito trabalha para mudar a realidade observada na pesquisa que o CESA encomendou à FIA (Fundação Instituto Administração), entidade ligada à USP. Na época, a pesquisa revelou que os negros representavam menos de 1% dos membros dos escritórios de advocacia no Brasil (entre sócios, associados e estagiários).

Em um trabalho conjunto com as universidades e os escritórios apoiadores da iniciativa, o projeto gera oportunidades para jovens negros estudantes dos cursos de Direito, promovendo o aprendizado, fortalecendo a autoestima e o senso de pertencimento, criando conexões e estimulando a troca de conhecimento entre as pessoas. Com essa abordagem, o projeto busca criar uma rede de apoio e incentivar o crescimento profissional e pessoal dos participantes. (https://cesa.org.br/incluir-direito/)

Que este dia inspire um compromisso contínuo de combate ao racismo, valorização da diversidade e promoção da justiça social. Que a luta e as conquistas da população negra sejam todos os dias motivo de orgulho, aprendizado e transformação.