Orlando José de Almeida
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados
A Constituição Federal prevê no caput do art. 7º, que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros
que visem à melhoria de sua condição social”, sendo consagrado no inciso XXVI,
o direito ao “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.”
A interpretação no que tange ao alcance da norma
apresentava grandes controvérsias, quer na doutrina, quer na jurisprudência.
Com o objetivo de tentar pacificar o assunto, foi
editada a Lei nº 13.467/2017,
conhecida como reforma trabalhista.
Nestes termos o art.
611-A, da CLT, estabeleceu as hipóteses em que “a convenção
coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei”.
O Supremo Tribunal
Federal foi provocado a manifestar acerca da constitucionalidade da supremacia
do negociado sobre o legislado.
Nessa direção fixou a tese no Tema 1046 do Ementário de Repercussão Geral, que
dispõe: "São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que,
ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou
afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação
especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os
direitos absolutamente indisponíveis".
Recentemente o TST, em
duas oportunidades, como não poderia deixar de ser, seguiu o posicionamento do
STF.
O primeiro caso diz
respeito à aplicação do art. 611-A, inciso XIII, da CLT, que autoriza a negociação
coletiva para fins de “prorrogação de jornada em ambientes insalubres”,
sem a exigida licença prévia das autoridades competentes do Ministério do
Trabalho”, prevista no art. 60, da CLT.
A
Quinta Turma nos autos do Agravo em Recurso de Revista, processo Ag-RRag-713-29.2021.5.06.0201, rejeitou o recurso de um
empregado da BRF S.A. que pretendia invalidar a prorrogação da jornada de
trabalho em atividade insalubre, estabelecida em Acordo Coletivo de Trabalho,
sem a autorização prévia apontada por parte do MTE. No
julgamento, cujo acórdão foi publicado no dia 31 de março, a Col.
Turma posicionou no sentido de que no período posterior à Reforma Trabalhista,
empresas e sindicatos têm autonomia para estabelecer normas que afastem ou limitem
direitos, desde que não envolvam direitos absolutamente indisponíveis.
A ementa do acórdão, na parte relativa ao tema,
resume a controvérsia e bem sintetiza o entendimento adotado. Vejamos:
“... II. RECURSO DE
REVISTA. REGIDO PELA LEI 13.467/2017. 1. HORAS EXTRAS. BANCO DE HORAS.
ATIVIDADE INSALUBRE. AUTORIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO. CONTRATO DE
TRABALHO VIGENTE EM PERÍODO ANTERIOR E POSTERIOR À LEI 13.467/2017.
TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Situação em que o Tribunal Regional,
soberano na análise de fatos e provas, manteve a sentença, na qual foi reputado
inválido o banco de horas, no período de 17/03/2015 até 31/01/2018, e, após
essa data, foi confirmada a validade de acordo coletivo, no qual foi
pactuada a prorrogação da jornada em atividade insalubre, sem necessidade de
prévia autorização do Ministério do Trabalho. Em relação ao período
anterior à vigência da Lei 13.467/2017, a decisão do Regional quanto à
invalidade da compensação de jornada em face da atividade insalubre, sem a
necessária autorização da autoridade competente, está em consonância com a
Súmula 85, VI, do TST. No tocante ao período posterior à vigência da Lei
13.467/2017, a prorrogação da jornada em ambiente insalubre passou a ser
permitida também pela via negocial coletiva, dispensando-se, nesse caso, a
licença prévia antes mencionada (CLT, art. 611-A, XIII). Essa inovação,
no contexto do crescente prestígio à autonomia negocial coletiva (CF, art. 7º,
XXVI) e que foi objeto de decisões paradigmáticas da Suprema Corte, impôs
aos atores sociais novas e maiores responsabilidades, notadamente em questões
como a posta nos autos, em que a previsão de sobrejornada em ambiente insalubre
há de impor a verificação prévia dos métodos de trabalho e da eficiência dos
equipamentos de proteção adotados, sem o que o objeto negocial estará viciado
(CF, arts. 6º, “caput”, 7º, XXII, 196 c/c o arts. art. 104, II, do CC, e 157,
I, da CLT). Nesse contexto, eventuais danos sofridos por trabalhadores em
razão das condições inadequadas de trabalho, quando evidenciado o nexo
etiológico com o ambiente laboral insalubre, deverão ser reparados pelos atores
sociais responsáveis, na forma legal (CF, art. 7º, XXVIII c/c o arts. 186 e 927
do CC). De se notar, ainda que segue preservada a possibilidade de
fiscalização das condições de trabalho por auditores fiscais do trabalho (CF,
art. 21, XXIV, c/c o 200 art. da CLT) e/ou pelo Ministério Público do Trabalho
(CF, art. 129, III c/c o art. 83, III, da LC 75/1993), com as medidas
administrativas e judiciais correlatas. A delegação legal inserta no art.
611-A, III, da CLT, objetivou apenas estimular o diálogo social responsável
entre os atores sociais, jamais permitir a construção, pela via negocial coletiva,
de condições que submetam os trabalhadores a condições aviltantes e indignas de
trabalho. Vale destacar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão
realizada em 02.06.2022 (Ata publicada no DJE de 14/06/2022), ao julgar o
Recurso Extraordinário com Agravo 1.121.633 (Relator Ministro Gilmar Mendes),
com repercussão geral, decidiu pela constitucionalidade das normas coletivas em
que pactuada a restrição ou supressão de direitos trabalhistas, desde que
respeitados os direitos absolutamente indisponíveis, independente da fixação
específica de vantagens compensatórias. Segundo o entendimento consagrado pelo
STF no referido julgamento, alçada a autonomia negocial coletiva ao patamar
constitucional (art. 7º, XXVI, da CF), as cláusulas dos acordos e convenções
coletivas de trabalho, em que previsto o afastamento ou limitação de direitos,
devem ser integralmente cumpridas e respeitadas, salvo quando, segundo a teoria
da adequação setorial negociada, afrontem direitos revestidos com a nota da
indisponibilidade absoluta. Logo, a decisão Regional foi proferida em sintonia
com a legislação trabalhista e o entendimento do Supremo Tribunal Federal ...”.
(Destacamos).
O segundo caso também
está vinculado à aplicação do que foi condicionado no Tema 1046, do Ementário de Repercussão Geral do TST, ao
estabelecer são constitucionais os acordos e as convenções coletivos “desde
que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis".
O Ministério
Público do Trabalho postulou fosse declarada a nulidade de cláusula da
Convenção Coletiva de Trabalho, que condicionou a estabilidade provisória da
empregada gestante à prévia comunicação à empresa e restringe os meios pelos
quais a comprovação do estado gravídico poderá ser realizada. Apontou que a
exigência violou o disposto no artigo 10, II, "b", do ADCT. O pleito
foi acolhido desde a primeira instância. E no julgamento proferido no corrente mês de abril de 2023, mediante
acórdão publicado no dia 20, por intermédio da Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do TST, nos autos do
RO-503-47.2018.5.08.0000, restou
confirmada a declaração de nulidade da cláusula da convenção
coletiva de trabalho. A Ementa é a seguinte:
“RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO ANULATÓRIA
INTERPOSTO PELO SINDICATO PATRONAL.
NULIDADE DO ITEM 8.1 DA CLÁUSULA 8ª – GARANTIA DE EMPREGO, CONSTANTE DA
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO 2017/2018. EMPREGADA GESTANTE. DISPENSA SEM
JUSTA CAUSA. COMPROVAÇÃO DO ESTADO GRAVÍDICO PARA FINS DA ESTABILIDADE.
FLEXIBILIZAÇÃO DO DIREITO POR NORMA COLETIVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. De acordo com a
tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1046 do Ementário
de Repercussão Geral, "são constitucionais os acordos e as convenções
coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada,
pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas,
independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias,
desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis". 2.
Ora, os direitos que visam à proteção da gestante e do nascituro estão previstos
nos arts. 6º e 7º, XVIII, da Constituição Federal, o que leva ao reconhecimento
de que estão revestidos de indisponibilidade absoluta, não podendo ser objeto
de negociação coletiva. O art. 10 do ADCT, na alínea "b" do seu
inciso II, ao tratar da estabilidade da gestante, não impõe nenhuma
condicionante a esse direito, pelo que, mesmo o desconhecimento, por parte do
empregador, do estado gravídico da empregada dispensada sem justa causa, não
afasta a proteção constitucionalmente garantida. Ou seja, o fator
condicionante à aquisição do direito à estabilidade é somente o fato de a
empregada estar grávida e de que a sua dispensa não seja motivada por uma das
hipóteses previstas no art. 482 da CLT. 3. No caso em tela, o item 8.1
da cláusula 8ª – GARANTIA DE EMPREGO, impõe que a empregada gestante,
dispensada sem justa causa, comunique e comprove o seu estado gravídico,
apresentando relatório acerca de tal condição, a fim de exercer o direito
relativo à garantia de emprego, criando condicionantes ao direito constitucionalmente
garantido. Nesse contexto, o Tribunal Regional, ao declarar a nulidade do item
8.1 da cláusula 8ª, decidiu em consonância à tese firmada pelo STF no Tema 1046
de Repercussão Geral, não havendo o que reformar na decisão. Recurso ordinário
conhecido e não provido.” (Destacamos).
Assim,
a previsão em normas coletivas trazendo exigência não consagrada no ordenamento
jurídico ao fixar a necessidade de prévia comunicação do estado gravídico ao
empregador e ao impor prazo para a comprovação da gravidez, viola direito
regulado pelo art. 7°, XVIII, da CF, e ao art. 10, II, "b", do ADCT.
Na
fundamentação do acordão foi indicado, ainda, que “a jurisprudência deste
Tribunal consubstanciou-se na Súmula nº 244 do TST, que, em seu item I,
estabelece que o desconhecimento da gravidez pelo empregador não afasta o
direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade.”
O que
pode ser concluído é que por ocasião das celebrações dos instrumentos normativos, é
necessário evitar transigir de forma contrária às disposições contidas no art.
611-A, 611-B, da CLT e aos direitos previstos na Constituição
Federal revestidos de indisponibilidade absoluta, considerando-se que as
cláusulas negociadas em direção oposta, poderão ser declararas nulas em caso de
questionamentos perante o Judiciário.
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