Isabella Fonseca Alves
Advogada Sócia de Homero Costa Advogados
Bernardo José Drumond Gonçalves
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados
A
Lei 12.424/2011, ao incluir no Código Civil o art. 1.240-A, trouxe a modalidade
de Usucapião Familiar como uma espécie de aquisição “gratuita” de propriedade
pelo decurso do tempo. Para que seja configurada, é necessário preencher os
seguintes pressupostos: (i) cônjuge ou companheiro que exerce por 2 anos
ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel;
(ii) imóvel urbano de até 250m²; (iii) o abandono do lar pelo ex-cônjuge ou
ex-companheiro, (iv) utilização do imóvel para a moradia do cônjuge ou
companheiro que foi “abandonado” ou de sua família; e (v) não ser proprietário
de outro imóvel urbano ou rural.
A Comissão
de Assuntos Legislativos do IBDFAM afirma que a Usucapião Familiar possui 2
objetivos: (i) proteger a família que fora “abandonada”; e (ii) salvaguardar o
direito à moradia daquele cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel. Tais
objetivos advêm do entendimento de que o instituto foi idealizado para amparar
mulheres de baixa renda, “abandonadas” pelos respectivos parceiros conjugais[1].
Essa
ótica trazida pelo IBDFAM não condiz com toda a abrangência dos reclames atuais
do mundo moderno, porque uma leitura desavisada e apressada do art. 1.240-A do
CC/2002 pode levar a impressão de que a referida norma visa concretizar o
direito à moradia apenas da população de baixa renda; o que não condiz com a
realidade. Qual o problema disso?
O
referido raciocínio tem por base um grande equívoco material, eis que “imóvel
urbano de até de 250m2, dependendo da cidade e bairro que se
localiza pode valer milhões de reais”[2].
Basta
uma simples pesquisa no mercado Imobiliário, por exemplo de Belo Horizonte,
para se aferir que apartamentos de até 250m2, em bairros
de classe média alta, como Lourdes ou Belvedere, estão avaliados entre 1,5 a 3
milhões[3].
Além
disso, este imóvel (de 250 m2), destinado à residência do casal,
avaliado muitas vezes em valor bastante vultoso, pode ser uma conquista de uma
vida do cônjuge ou companheiro que deixou o lar e optou por permitir que o
ex-cônjuge (ou companheiro) ali permanecesse com os filhos do casal por mera
liberalidade, com o intuito de não lhes causar prejuízo no status social que
desfrutam.[4]
Mais
do que isso, a Usucapião Familiar traz novamente a ultrapassada discussão sobre
culpa no âmbito das relações familiares, quando o art. 1.240-A do CC/2002
utiliza expressão “abandono do lar”,
quando efetivamente isso configura um verdadeiro retrocesso, porque a discussão
sobre culpa em uma sociedade em que vigora o princípio da igualdade, inclusive
no âmbito familiar (art. 226, §5º da CF/88), é completamente inconcebível[5].
Também há que se lembrar da possibilidade de o instituto ser invocado
independentemente do gênero – homem ou mulher, como também em relação à
formalidade do relacionamento – casamento ou união estável, por prerrogativas
constitucionais.
O
Tribunal de Justiça de São Paulo, em recente julgamento que abarcava o pleito
de Usucapião Familiar devido ao abandono do lar pelo cônjuge frisou que, para
se caracterizar a perda da propriedade do imóvel por essa modalidade, não basta
a simples “separação de fato”, sendo
imprescindível que o ex-cônjuge ou ex-companheiro tenha realmente “abandonado”
o imóvel e a família, ou seja, material e afetivamente, porquanto o abandono
ensejador da usucapião seria aquele simultâneo do imóvel e, também, da família.[6]
Nesse
mesmo julgamento, foi dado provimento à apelação do ex-cônjuge acusado de
abandono de lar, porque o TJSP entendeu não se tratar de caso em que o ex-cônjuge/companheiro
desaparece, sem paradeiro conhecido, deixando o núcleo familiar à mercê da
própria sorte. Além disso, ante à ausência de prova, por parte da autora,
quanto ao “abandono do lar”, ônus que lhe competia, creditou à versão do ex-cônjuge
de que houve mero ato de “tolerância” quanto à permanência daquela e de seus
filhos no imóvel, e não desinteresse de sua parte pelo bem e a desistência de
sua propriedade, o que não pode ser presumido.
Em
contraponto, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no julgamento da Apelação
Cível nº 1.0049.14.000393-7/001, entendeu como configurado todos os
pressupostos da Usucapião Familiar e que teria sido comprovado o abandono do
lar, sem vincula-lo a qualquer análise diferenciadora de abandono simultâneo do
imóvel e da família[7].
Inegavelmente,
a Usucapião familiar prevista no Código Civil é temática mais do que polêmica,
principalmente porque o art. 1.240-A gera interpretações divergentes dos
Tribunais Pátrios, principalmente no que consiste à configuração do “abandono
do lar”.
É
necessária, portanto, uma maior e constante atenção, seja dos cônjuges, seja
dos aplicadores do direito, quanto à Usucapião Familiar, inclusive para se
desmitificar que efetivamente esse instituto não somente vai incidir em casos para
amparar mulheres de baixa renda, como exposto pelo IBDFAM. Ao contrário,
independente da situação econômica financeira da família e se o abandono foi
praticado pelo homem ou pela mulher, preenchendo os pressupostos objetivos
dispostos no art. 1.240-A do Código Civil, estará configurada a possibilidade
de se invocar a Usucapião Familiar.
[1]http://www.ibdfam.org.br/noticias/6295/Usucapi%C3%A3o+Familiar%3A+o+explica+o+que+%C3%A9+preciso+para+caracteriz%C3%A1-la%3F
[2] BRÊTAS, Suzana
Oliveira Marques. Inconstitucionalidade da usucapião familiar. Belo Horizonte:
Editora D´Plácido, 2018, p. 211.
[3]https://www.vivareal.com.br/venda/minasgerais/belohorizonte/bairros/belvedere/cobertura_residencial/?__vt=asl:b&utm_referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com.br%2F
[4]
BRÊTAS, Suzana Oliveira Marques.
Inconstitucionalidade da usucapião familiar. Belo Horizonte: Editora D´Plácido,
2018, p. 211.
[5] BRÊTAS, Suzana Oliveira Marques. Inconstitucionalidade
da usucapião familiar. Belo Horizonte: Editora D´Plácido, 2018, p. 212.
[6] TJSP; Apelação 0017277-09.2012.8.26.0099; Relator
(a): Miguel Brandi; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de
Bragança Paulista - 4ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 07/05/2018; Data
de Registro: 07/05/2018)
[7] TJMG - Apelação
Cível 1.0049.14.000393-7/001,
Relator(a): Des.(a) Alberto Diniz Junior , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em
18/08/0016, publicação da súmula em 29/08/2016)
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