sexta-feira, 28 de abril de 2017

Ao Dirigir Alcoolizado Causando Uma Morte, o Acusado Teve a Vontade de Matar?

AO DIRIGIR ALCOOLIZADO CAUSANDO UMA MORTE, O ACUSADO TEVE A VONTADE DE MATAR?

Mariana Cardoso Magalhães
Sócia de Homero Costa Advogados

O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê em seu artigo 302 que aquele que na direção de veículo automotor matar alguém sem a intenção de fazê-lo – homicídio culposo -, poderá ser submetido à pena de prisão de 02 a 04 anos, além da suspensão ou proibição de uso da carteira nacional de habilitação (CNH).

A previsão de que o delito seria culposo e não doloso se dá pelo fato de que o homicídio tenha sido resultado de algum ato negligente, imperito ou imprudente do agente que conduzia o veículo.

Até o ano de 2008, o inciso V do parágrafo 1º deste artigo prescrevia que o homicídio culposo no trânsito aumentaria a pena de um terço até a metade se o agente estivesse sob a influência de álcool, substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos.

Em vista do grande número de acidentes e mortes provocadas no trânsito por agentes que dirigiam veículos automotores sob o efeito de álcool, em 2008, foi promulgada a Lei nº 11.705, que revogou o mencionado inciso, deixando uma lacuna e abrindo a possibilidade para novas interpretações no sentido da condenação por alguém que tenha causado uma morte no trânsito por dirigir embriagado.

Neste sentido, mesmo não havendo mais previsão legal sobre o homicídio ocorrido por embriaguez no volante, ainda há no CTB a previsão de que aquele que causa uma morte, ao dirigir um veículo, se enquadra nos termos do homicídio culposo, conforme determinado no citado artigo 302.

A partir deste momento, verificando a lacuna aberta sobre o homicídio por embriaguez ao volante, o órgão acusador passou a denunciar os agentes que cometiam este delito por homicídio doloso – que tem intenção de matar –, nos termos do artigo 121 do Código Penal, alegando que indivíduos que ingeriam bebida alcoólica e posteriormente iniciavam a condução de um veículo automotor, causando a morte de outra pessoa, tinham sim a intenção de matar.

Isso quer dizer que foram surgindo novos entendimentos no sentido de que aquele que dirige após ingerir bebida alcoólica possui a intenção de cometer um homicídio no trânsito.

Neste caso, o dolo, no qual os agentes vêm sendo denunciados, seria o chamado de “eventual”, que significa que o agente sabia que poderia causar um homicídio ao dirigir alcoolizado, assumindo o risco se ocorresse de fato alguma morte.

Ocorre que tal interpretação é em muito equivocada, pois, neste sentido, foi deixada de lado a chamada “culpa consciente”, por meio da qual o agente acaba por cometer um delito não intencional, que ele saberia que poderia vir a ocorrer, contudo, acreditava piamente que não o causaria.

Ora, de fato, existem indivíduos que podem sim utilizar de um veículo como meio para cometer um homicídio e de bebidas alcoólicas ou entorpecentes para “criar a coragem” de fazê-lo.

Porém, é impossível presumir que qualquer pessoa que ingere bebida alcoólica antes de dirigir, de fato, possui a intenção de matar alguém, se consequentemente o faz.

Logo, mesmo que o artigo 302 do CTB não possua mais a previsão de que o homicídio por dirigir embriagado seja culposo, este é claro ao dizer que se houver homicídio no trânsito este será definido como culposo e não doloso, independentemente do uso de bebida alcoólica ou não, podendo ser imputado ao agente apenas a culpa consciente, na qual ele sabia que poderia causar um acidente, porém acreditava que não o causaria.

Apesar da sabedoria dos nossos Julgadores quanto à culpa consciente, o dolo eventual e as respectivas aplicações aos casos concretos, os julgamentos de casos de homicídio por embriaguez ao volante vêm tomando o rumo da aplicação do dolo eventual, por fruto da pressão midiática, social e dos nossos órgãos acusadores.

Este entendimento da aplicação do dolo eventual foi criado com base na ideia de que a previsão de penalidade do artigo 302 do CTB seria branda ao caso de homicídio por embriaguez ao volante. Por isso a necessidade atual da utilização da estratégia de aplicação do dolo eventual com o discurso de não se poder tolerar a impunidade em casos como estes.

Em recente julgamento, em 16 de fevereiro de 2017, o 1º Tribunal do Júri do Tribunal de Justiça de Minas Gerais condenou um Réu a 6 anos e 3 meses de prisão por homicídio com dolo eventual.

Este caso restou conhecido pela mídia mineira, pois o Réu acabou gerando uma morte, ao colidir o seu veículo de frente com o da vítima no momento em que dirigia alcoolizado e na contramão de uma grande avenida da capital mineira.

A defesa, neste caso em concreto, foi baseada inteiramente nesta ausência da possibilidade de concluir que, ao dirigir alcoolizado causando uma morte, o acusado tinha a completa e consciente vontade de matá-lo. Apesar de ter sim infringido a legislação de trânsito, a conclusão de que ocorreu um homicídio com intenção de matar é incabível ao caso.

Infelizmente, vemos que o caminho que está sendo seguido pelo Poder Judiciário é exatamente o de ignorar a previsão do Código de Trânsito Brasileiro para aplicar novos entendimentos que ferem uma antiga legislação federal, em prol de gerar a falsa sensação de um Estado punitivo que não tolera ou facilita a impunidade.








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