AO
DIRIGIR ALCOOLIZADO CAUSANDO UMA MORTE, O ACUSADO TEVE A VONTADE DE MATAR?
Mariana Cardoso Magalhães
Sócia de Homero Costa Advogados
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê em seu artigo
302 que aquele que na direção de veículo automotor matar alguém sem a intenção
de fazê-lo – homicídio culposo -, poderá ser submetido à pena de prisão de 02 a
04 anos, além da suspensão ou proibição de uso da carteira nacional de
habilitação (CNH).
A previsão de que o delito seria culposo e não doloso se dá
pelo fato de que o homicídio tenha sido resultado de algum ato negligente,
imperito ou imprudente do agente que conduzia o veículo.
Até o ano de 2008, o inciso V do parágrafo 1º deste artigo prescrevia
que o homicídio culposo no trânsito aumentaria a pena de um terço até a metade
se o agente estivesse sob a influência de álcool, substância tóxica ou
entorpecente de efeitos análogos.
Em vista do grande número de acidentes e mortes provocadas
no trânsito por agentes que dirigiam veículos automotores sob o efeito de
álcool, em 2008, foi promulgada a Lei nº 11.705, que revogou o mencionado
inciso, deixando uma lacuna e abrindo a possibilidade para novas interpretações
no sentido da condenação por alguém que tenha causado uma morte no trânsito por
dirigir embriagado.
Neste sentido, mesmo não havendo mais previsão legal sobre
o homicídio ocorrido por embriaguez no volante, ainda há no CTB a previsão de que
aquele que causa uma morte, ao dirigir um veículo, se enquadra nos termos do
homicídio culposo, conforme determinado no citado artigo 302.
A partir deste momento, verificando a lacuna aberta sobre o
homicídio por embriaguez ao volante, o órgão acusador passou a denunciar os
agentes que cometiam este delito por homicídio doloso – que tem intenção de
matar –, nos termos do artigo 121 do Código Penal, alegando que indivíduos que
ingeriam bebida alcoólica e posteriormente iniciavam a condução de um veículo
automotor, causando a morte de outra pessoa, tinham sim a intenção de matar.
Isso quer dizer que foram surgindo novos entendimentos no
sentido de que aquele que dirige após ingerir bebida alcoólica possui a
intenção de cometer um homicídio no trânsito.
Neste caso, o dolo, no qual os agentes vêm sendo
denunciados, seria o chamado de “eventual”, que significa que o agente sabia
que poderia causar um homicídio ao dirigir alcoolizado, assumindo o risco se
ocorresse de fato alguma morte.
Ocorre que tal interpretação é em muito equivocada, pois,
neste sentido, foi deixada de lado a chamada “culpa consciente”, por meio da qual
o agente acaba por cometer um delito não intencional, que ele saberia que
poderia vir a ocorrer, contudo, acreditava piamente que não o causaria.
Ora, de fato, existem indivíduos que podem sim utilizar de
um veículo como meio para cometer um homicídio e de bebidas alcoólicas ou
entorpecentes para “criar a coragem” de fazê-lo.
Porém, é impossível presumir que qualquer pessoa que ingere
bebida alcoólica antes de dirigir, de fato, possui a intenção de matar alguém,
se consequentemente o faz.
Logo, mesmo que o artigo 302 do CTB não possua mais a
previsão de que o homicídio por dirigir embriagado seja culposo, este é claro
ao dizer que se houver homicídio no trânsito este será definido como culposo e
não doloso, independentemente do uso de bebida alcoólica ou não, podendo ser
imputado ao agente apenas a culpa consciente, na qual ele sabia que poderia
causar um acidente, porém acreditava que não o causaria.
Apesar da sabedoria dos nossos Julgadores quanto à culpa
consciente, o dolo eventual e as respectivas aplicações aos casos concretos, os
julgamentos de casos de homicídio por embriaguez ao volante vêm tomando o rumo
da aplicação do dolo eventual, por fruto da pressão midiática, social e dos
nossos órgãos acusadores.
Este entendimento da aplicação do dolo eventual foi criado
com base na ideia de que a previsão de penalidade do artigo 302 do CTB seria
branda ao caso de homicídio por embriaguez ao volante. Por isso a necessidade
atual da utilização da estratégia de aplicação do dolo eventual com o discurso de
não se poder tolerar a impunidade em casos como estes.
Em recente julgamento, em 16 de fevereiro de 2017, o 1º Tribunal
do Júri do Tribunal de Justiça de Minas Gerais condenou um Réu a 6 anos e 3
meses de prisão por homicídio com dolo eventual.
Este caso restou conhecido pela mídia mineira, pois o Réu
acabou gerando uma morte, ao colidir o seu veículo de frente com o da vítima no
momento em que dirigia alcoolizado e na contramão de uma grande avenida da
capital mineira.
A defesa, neste caso em concreto, foi baseada inteiramente
nesta ausência da possibilidade de concluir que, ao dirigir alcoolizado
causando uma morte, o acusado tinha a completa e consciente vontade de matá-lo.
Apesar de ter sim infringido a legislação de trânsito, a conclusão de que ocorreu
um homicídio com intenção de matar é incabível ao caso.
Infelizmente, vemos que o caminho que está sendo seguido
pelo Poder Judiciário é exatamente o de ignorar a previsão do Código de
Trânsito Brasileiro para aplicar novos entendimentos que ferem uma antiga
legislação federal, em prol de gerar a falsa sensação de um Estado punitivo que
não tolera ou facilita a impunidade.
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