O USO DA
INTERNET E OS CRIMES CIBERNÉTICOS
Guilherme Augusto Reis Filho
Estagiário do Departamento Criminal do Homero Costa Advogados
Hassan Magid de Castro Souki
Sócio de Homero Costa Advogados
Ao mesmo passo que a internet sofre modificações diárias, a
sociedade passa por uma profunda transformação de suas estruturas,
qualificando-se hoje pela imaterialidade e pela ausência dos limites temporais
e espaciais tradicionais. Dessa forma, com o surgimento da informática, seus
avanços e popularização, é possível afirmar que a sociedade se encontra diante
de uma tecnologia revolucionária e que condiciona o seu funcionamento.
O Direito,
pela sua forma dinâmica,
também tem sofrido diversas mudanças, na tentativa de acompanhar
as evoluções tecnológicas e de se adaptar às transformações sociais,
adequando-se, de modo gradual, à nova realidade. Isso porque são necessárias
novas soluções para os novos problemas que surgem, o que desperta uma demanda
por maior atenção para os aspectos jurídicos do uso do computador, dado o
grande desenvolvimento da internet.
Não obstante todos os benefícios alcançados, como consequência do
uso generalizado dos computadores e do amplo acesso à internet, a evolução
tecnológica é acompanhada por um risco potencial, resultante da própria
vulnerabilidade do meio informático. Sendo assim, cabe ao Estado, no desempenho do seu
papel de regulador e organizador da sociedade, o dever de buscar mecanismos
de prevenção e de combate
às condutas que transgridam a ordem legal estabelecida. E quanto mais se amplia
o uso da informática nas atividades humanas, maior a tendência de que surjam
problemas legais, incluindo novas formas de crimes.
Ainda sem a tipificação adequada e com a facilidade de acesso à
rede mundial de computadores, os crimes tradicionais previstos em nossa
legislação não se mostram suficientes para abranger aqueles cometidos contra o
computador ou por meio dele. Em outras palavras, embora ocorra a aplicação do
Código Penal para alguns dos crimes cibernéticos, frente ao surgimento de novas
modalidades criminosas, se faz necessária uma legislação específica, capaz de
englobar com eficiência o maior número possível dessas condutas.
Em que pese ser óbvia a impossibilidade da
legislação de acompanhar os avanços desses crimes no mesmo ritmo em que se
desenvolvem, é fundamental que se tenha em mente que a falta de normas
especificas é um grande empecilho para a persecução e um elemento fomentador da
impunidade, já que várias condutas graves continuam
sendo atípicas, não podendo ser penalizadas. Ainda
assim, é inegável que certas medidas emergenciais têm sido adotadas, como a
criação de normas próprias que tipificam algumas das condutas criminosas que
ocorrem no meio virtual. Esse é o caso das Leis
nº 12.735 e 12.737, ambas de 30 de novembro de 2012, a primeira conhecida
popularmente como Lei Azeredo e a segunda como Lei Carolina
Dieckmann.
A Lei Azeredo incluiu um novo inciso no art.
20 da Lei nº 7.716/89 (Lei de Combate ao Racismo), estabelecendo a
obrigatoriedade da cessação imediata de mensagens com conteúdo racista e o
dever de retirada das mesmas de quaisquer meios de comunicação. A Lei Carolina Dieckmann, por
sua vez, alterou o Código Penal, tipificando os crimes de invasão de
computadores para obtenção vantagem ilícita; falsificação de cartões e de documentos particulares; e interrupção de
serviços eletrônicos de utilidade pública.
Considerando
a nocividade e a repulsa social das condutas por elas abrangidas, é preciso
reconhecer que alterações no mesmo sentido das então promovidas deveriam ter
ocorrido muito antes. Contudo, a promulgação dessas leis revela que nem sempre se faz necessária a intervenção do Direito Penal
para a proteção de bens jurídicos, devendo esta ser reservada para as hipóteses
de insuficiência dos instrumentos não jurídicos e dos outros setores do
ordenamento, como um último recurso, por se tratar de ramo do Direito de
natureza essencialmente violenta e sancionatória. Mas as referidas leis, no
contexto em que foram promulgadas, demonstram exatamente o oposto.
Tanto é assim que o chamado Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965, de 23 de abril de
2014), norma que disciplina o uso, inclusive
ético, da rede mundial de computadores no país, só veio a ser promulgado cerca
de dois anos depois da criminalização das condutas praticadas sob o seu
espectro. E só no dia 11 de maio do corrente ano, quase quatro anos depois, às vésperas do afastamento provisório da
Presidente Dilma Rousseff, é que foi editado o Decreto nº
8.771/2016, também regulamentando o uso da
internet. Logo, tudo indica que o legislador decidiu por bem recorrer ao
Direito Penal e criminalizar, para só então - muito recente e tardiamente,
diga-se de passagem – disciplinar e estabelecer direitos e deveres
cibernéticos.
A técnica legislativa utilizada na redação da Lei Carolina Dieckmann, em si mesma, também é
problemática, pois a presença de termos como “mecanismo de segurança”,
“dispositivo informático” e “titular do dispositivo”, sem as respectivas
definições legais, dificulta a sua aplicação.
É importante destacar ainda as dificuldades de identificação do
autor ou autores dos crimes cibernéticos, pela indispensabilidade de
autorização judicial para a identificação do IP (Internet Protocol) de onde pode ter partido a ação e, depois, pela
necessidade da identificação daquele que efetivamente utilizou determinado
dispositivo informático para a prática de um delito.
A partir dessa breve análise, é fácil perceber que o mau uso da
internet produz sérias consequências e elevados riscos. Por isso e pela
importância que assume atualmente, é evidente que o espaço virtual não deve
estar alheio a qualquer forma de regulamentação, sobretudo no que se refere aos
temas penais. Tendo em vista a vulnerabilidade do meio informático e o
dinamismo da nova criminalidade a ele inerente, uma sociedade informada é
imprescindível para que se alcance o equilíbrio entre o uso saudável da
internet e a segurança, seja na sua dimensão pública ou pessoal, o que só pode
ocorrer a partir do debate e da construção de uma política legislativa mais
robusta e que melhor responda às necessidades sociais. Como primeiro passo, é
necessária legislação própria e, antes disso, um atento exame dos diversos
aspectos técnicos que gravitam em torno do assunto, a fim de que se garanta a
adequação e a efetividade da lei.
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