IDENTIFICAÇÃO DE GÊNERO E SUAS
REPERCUSSÕES NO AMBIENTE DE TRABALHO
Orlando
José de Almeida
Sócio de Homero
Costa Advogados
Daniel de Oliveira Varandas
Estagiário de Direito em Homero
Costa Advogados
Perante a 3ª Vara do Trabalho de Curitiba, foi
distribuída uma reclamação trabalhista em face de K.F.B LTDA, multinacional do
ramo alimentício, na qual, dentre os pedidos, foi postulada uma reparação por
danos morais devido à discriminação (Autos TRT nº 21076-2012-003-09-00-0 RO).
O Autor da ação se identifica com o sexo feminino,
apesar de possuir corpo masculino, e, por conseguinte, se travestia de mulher e
era tratado por seus colegas de trabalho como se fosse mulher; porém, não se
submeteu à cirurgia de mudança de sexo e não há aos autos qualquer comprovação
de que o Reclamante pretendia ou pretende fazer a cirurgia.
A empresa Reclamada, sabendo dessa situação,
permitiu que o Reclamante utilizasse o vestiário feminino e, com isso,
compartilhasse de vasos sanitários e chuveiros com as demais empregadas. Tal
situação criou desconforto perante as obreiras que dividiam um ambiente íntimo
com um homem.
Com o objetivo de solucionar o mal-estar criado, a
Reclamada pediu para que o Reclamante utilizasse o vestiário masculino. O Autor
alegou ter sido hostilizado e sofrido diversos constrangimentos.
Esse é o fundamento do pedido de danos morais por
discriminação.
Na sequência, foi publicada sentença que julgou
improcedente o pedido de reparação por não terem sido demonstrados e
comprovados os fatos provocadores de tal dano. O Reclamante interpôs recurso
ordinário.
A 1ª Turma do TRT da 9ª Região, vencida a
Desembargadora Relatora Neide Alves dos Santos, deu provimento
ao recurso considerando discriminatória a atitude da Ré ao determinar que o
Autor utilizasse o vestiário masculino, condenando a Reclamada ao pagamento de
indenização no valor de R$ 5.000,00.
Esclarecidas as questões processuais, é importante
definir o que seriam transexuais e travestis. Segundo definições médicas,
transexuais, são aqueles que sentem a necessidade de fazer a cirurgia de
mudança de sexo, pois se sentem pertencentes ao outro gênero. Já os travestis,
seriam aqueles que se comportam e se vestem como o outro gênero, mas não querem
a cirurgia para mudar seu órgão sexual.
Comparando-se a definição de transexual com a
situação vivida pelo Reclamante fica evidente não se tratar de um transexual e
sim de um travesti.
Pois bem, ao que nos parece, versa a controvérsia
sobre a violação, de forma mais acentuada, de um direito coletivo, posicionamento
que se ajusta ao da Desembargadora Relatora
Neide Alves dos Santos em seu voto.
Mas percebe-se que, no julgamento do Tribunal,
houve proteção ao direito individual do cidadão quando se interpreta que houve
discriminação, em se tratando da conduta dos demais empregados e, inclusive, da
empregadora.
Porém, não restou comprovada a efetiva conduta
discriminatória, vez que o Reclamante não colacionou provas nos autos a fim de
demonstrar o dano em questão, o que se soma ao fato de que até mesmo requereu a
inversão do ônus probandi.
Questiona-se, pois, se o direito individual em
questão deveria prevalecer perante o coletivo? Segue trecho do acórdão para
ilustrar a indagação.
A situação de a autora ser vista de lingerie perante os empregados
do sexo masculino me parece mais desconfortante do que as empregadas do sexo
feminino serem vistas de lingerie pela parte autora, que também se vê como mulher.
Para outros, no entanto, o desconforto maior seria
das empregadas, do sexo feminino, que teriam que conviver com o Autor, do sexo
masculino, de lingerie, no mesmo espaço íntimo.
E o que seria mais danoso ao direito de intimidade?
Um homem, mesmo que este se veja como mulher, compartilhando um ambiente íntimo
com outros homens ou compartilhando com mulheres esse mesmo ambiente?
Aqueles que frequentam vestiários podem afirmar que
é quase impossível a total privacidade individual, mesmo que se diga que os
vestiários da empresa permitiam a preservação da intimidade dos indivíduos.
Importante ressaltar que o Reclamante, além de
possuir identificação civil masculina, possuía também corpo masculino,
diferenciando-lhe, nesse aspecto, das demais empregadas que também frequentavam
o vestiário.
Ora, a separação de banheiros e de qualquer outro
ambiente íntimo se dá por motivos de preservação da intimidade daqueles de sexo
diferente. Não tendo o Autor passado por cirurgia de mudança de sexo, nem
sequer tendo se registrado civilmente como membro do sexo feminino, ele é
caracteristicamente “homem”, independente de como se enxergue ou como queira
ser.
Portanto, é possível concluir que o direito à
intimidade a ser tutelado, face ao princípio da proporcionalidade, e
resguardado é o daquelas mulheres que se viam obrigadas a compartilhar da sua
intimidade com um homem.
Assim, no caso da empresa, o dano pode ser ainda
maior, ou seja, as empregadas que se sentiram constrangidas, por dividir tal
ambiente com um homem, poderiam também pleitear uma reparação.
Em conclusão, pensamos que, em casos como este,
deve ser preservado o direito coletivo, mas o grupo precisa ser bem orientado
para não desrespeitar aquele que pensa ou age de forma diversa em relação à
maioria.
Ainda a título de exemplo, pode-se imaginar ainda
outro cenário. A empresa poderia instituir opções de banheiros/vestiários,
criando um que fosse exclusivo para uso dos transexuais e outro para os
travestis. Essa iniciativa não poderia ser interpretada, por si só, como ato
discriminatório?
Sem dúvidas, a matéria suscita grandes
controvérsias e indagações, comportando, portanto, interpretações e opiniões
variadas, caso a caso.
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