quinta-feira, 16 de junho de 2016

Da (Im)Possibilidade do Município Emitir Autorização Especial de Transporte para Trânsito em Via Municipal de Veículos Automotores não Licenciados

DA (IM)POSSIBILIDADE DO MUNICÍPIO EMITIR AUTORIZAÇÃO ESPECIAL DE TRANSPORTE PARA TRÂNSITO EM VIA MUNICIPAL DE VEÍCULOS AUTOMOTORES NÃO LICENCIADOS

Hassan Magid de Castro Souki
Sócio de Homero Costa Advogados

O presente texto busca, de forma sucinta, analisar a possibilidade de o Município autorizar o tráfego de veículos automotores não licenciados em via municipal, seja por lei ou por autorização especial.

Cabe inicialmente ressaltar que o artigo 24, VI da Lei 9.503/97, ao atribuir ao Município a competência para executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito”, dá a tal ente estatal apenas poder de fiscalização do cumprimento de regras inseridas no Código de Trânsito Brasileiro.

Realmente, conforme preceitua o artigo 22, inciso XI e parágrafo único da Constituição Federal[1], a competência para legislar sobre trânsito é exclusiva da União, cabendo aos estados membros dispor sobre esta matéria somente se autorizados por lei complementar federal.

O que importa observar, no que tange a legislação sobre trânsito, é que a norma municipal deve respeitar os princípios das normas federais e estaduais vigentes, bem como o fato de que a superveniência de lei federal ou estadual que contrarie a norma municipal suspende sua eficácia.

Dessa forma, com relação ao trânsito, a competência municipal de regulamentação encontra-se adstrita a observância das regras impostas pela Lei 9.503/97.

Assim, não tem o Município competência para editar lei alterando a forma de registro de veículos ou dispondo acerca do trânsito em via pública de veículo não licenciado, pelo que qualquer lei municipal neste sentido seria inconstitucional.

No que tange à possibilidade do Município emitir Autorização Especial, verifica-se que o Código de Trânsito em seu artigo 101 permite que a autoridade com circunscrição sobre a via conceda AET, com prazo certo e válida para cada viagem[2].

Uma interpretação sistemática da Lei 9.503/97, contudo, leva à conclusão que tal autorização somente poderia ser concedida aos veículos devidamente licenciados que ultrapassassem os limites de peso e dimensões estabelecidos pelo CONTRAN.

Neste sentido está a Resolução nº 211 do CONTRAN, que traz as seguintes disposições:

Art. 4°. Ao requerer a concessão da Autorização Especial de Trânsito - AET o interessado deverá apresentar:
(...)
II - Cópia dos Certificados de Registro e Licenciamento dos Veículos, da composição veículo e semi-reboques - CRLV.
§ 1°. Nenhuma Combinação de Veículos de Carga - CVC poderá operar ou transitar na via pública sem que o Órgão Executivo Rodoviário da União, dos Estados, dos Municípios ou Distrito Federal tenha analisado e aprovado toda a documentação mencionada neste artigo e liberado sua circulação”. (Grifou-se)

Art.8º A não observância dos preceitos desta Resolução sujeita o infrator às penalidades previstas no artigo 231 e seus incisos do CTB, conforme cabível, além das medidas administrativas aplicáveis”.

Assim, tem-se que seria ilegal a emissão pelo Município de Autorização Especial de Trânsito para veículo que não esteja devidamente licenciado.

Em vista de tudo o que foi exposto, a eventual emissão de AET pelo Município poderia levar à responsabilidade criminal e político-administrativa do prefeito municipal.

Com efeito, tal conduta poderia caracterizar o crime de prevaricação, previsto no Código Penal Brasileiro nos seguintes termos:

“Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa”.

Sobre o delito em apreço, leciona Ney Moura Teles que:

“A prevaricação realiza-se mediante uma das seguintes condutas: retardar, deixar de praticar ou praticar ato de ofício.
(...)
A terceira conduta típica é praticar ato de ofício contra disposição expressa de lei. Praticar é realizar, concretizar, executar o ato.
Ato de ofício é aquele inserido no âmbito das atribuições conferidas ao funcionário ou de sua competência. Pode, assim, ser um ato administrativo, legislativo ou judicial. Deve ser praticado contrariando dispositivo legal expresso. Não há incidência dessa norma quando a infração é a uma norma regulamentar, uma portaria, uma resolução etc.
Como se vê, nas três formas típicas, há um elemento normativo: nas duas primeiras o ato deve ser indevido, na última deve ser contrário a uma norma legal.
Nas três o ato deve ser do ofício do agente, ou seja, de sua atribuição ou competência, daí que não incorrerá na proibição se o ato que retarda, deixa de praticar ou pratica com infração a norma legal não se encontra dentre aqueles a que estava obrigado a realizar. Deve, pois, ser um ato próprio do agente que, igualmente, deve encontrar-se no pleno exercício de suas funções, porque somente assim estará ele obrigado a praticá-lo com observância das normas legais incidentes”[3].

Ainda, poderia a concessão de autorização contra legem ser caracterizada infração político-administrativa sujeita à cassação do mandato pela Câmara dos Vereadores nos termos do artigo 4º do Decreto-Lei 201/67, senão veja-se:

“Art. 4º São infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato:
(...)
VII - Praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática;”

Obviamente que a responsabilização do Prefeito Municipal demandaria, no que tange à prevaricação, prévia atuação do Ministério Público, a quem caberia demonstrar que a conduta se deu para a satisfação de interesse ou sentimento pessoal do chefe do poder executivo municipal.

Já no que tange à responsabilidade político-administrativa, tal demandaria de denúncia de qualquer eleitor ou de Vereador e seu recebimento pela maioria dos presentes em sessão realizada na Câmara dos Vereadores.

Assim, conclui-se pela impossibilidade do Município autorizar o tráfego de veículos automotores não licenciados em via municipal, seja por lei ou por autorização especial.






[1] “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
XI - trânsito e transporte;
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”.
[2] Art. 101. Ao veículo ou combinação de veículos utilizado no transporte de carga indivisível, que não se enquadre nos limites de peso e dimensões estabelecidos pelo CONTRAN, poderá ser concedida, pela autoridade com circunscrição sobre a via, autorização especial de trânsito, com prazo certo, válida para cada viagem, atendidas as medidas de segurança consideradas necessárias.
[3]http://www.neymourateles.com.br/direito-penal/wp-content/livros/pdf/volume03/95.pdf.

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