DA (IM)POSSIBILIDADE DO MUNICÍPIO EMITIR
AUTORIZAÇÃO ESPECIAL DE TRANSPORTE PARA TRÂNSITO EM VIA MUNICIPAL DE VEÍCULOS
AUTOMOTORES NÃO LICENCIADOS
Hassan
Magid de Castro Souki
Sócio de Homero Costa Advogados
O presente
texto busca, de forma sucinta, analisar a possibilidade de o Município
autorizar o tráfego de veículos automotores não licenciados em via municipal,
seja por lei ou por autorização especial.
Cabe
inicialmente ressaltar que o artigo 24, VI da Lei 9.503/97, ao atribuir ao
Município a competência para “executar a
fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis,
por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no
exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito”, dá a tal ente estatal apenas
poder de fiscalização do cumprimento de regras inseridas no Código de Trânsito
Brasileiro.
Realmente,
conforme preceitua o artigo 22, inciso XI e parágrafo único da Constituição
Federal[1],
a competência para legislar sobre trânsito é exclusiva da União, cabendo aos
estados membros dispor sobre esta matéria somente se autorizados por lei
complementar federal.
O que importa
observar, no que tange a legislação sobre trânsito, é que a norma municipal
deve respeitar os princípios das normas federais e estaduais vigentes, bem como
o fato de que a superveniência de lei federal ou estadual que contrarie a norma
municipal suspende sua eficácia.
Dessa forma,
com relação ao trânsito, a competência municipal de regulamentação encontra-se
adstrita a observância das regras impostas pela Lei 9.503/97.
Assim, não
tem o Município competência para editar lei alterando a forma de registro de
veículos ou dispondo acerca do trânsito em via pública de veículo não
licenciado, pelo que qualquer lei municipal neste sentido seria
inconstitucional.
No que tange
à possibilidade do Município emitir Autorização Especial, verifica-se que o
Código de Trânsito em seu artigo 101 permite que a autoridade com circunscrição
sobre a via conceda AET, com prazo certo e válida para cada viagem[2].
Uma
interpretação sistemática da Lei 9.503/97, contudo, leva à conclusão que tal
autorização somente poderia ser concedida aos veículos devidamente licenciados
que ultrapassassem os limites de peso e dimensões estabelecidos pelo CONTRAN.
Neste sentido
está a Resolução nº 211 do CONTRAN, que traz as seguintes disposições:
“Art. 4°. Ao requerer a concessão
da Autorização Especial de Trânsito - AET o interessado deverá apresentar:
(...)
II - Cópia dos Certificados de Registro e
Licenciamento dos Veículos, da composição veículo e semi-reboques - CRLV.
§ 1°. Nenhuma
Combinação de Veículos de Carga - CVC poderá operar ou transitar na via pública
sem que o Órgão Executivo Rodoviário da União, dos Estados, dos Municípios ou
Distrito Federal tenha analisado e aprovado toda a documentação mencionada
neste artigo e liberado sua circulação”. (Grifou-se)
“Art.8º A não observância dos
preceitos desta Resolução sujeita o infrator às penalidades previstas no artigo
231 e seus incisos do CTB, conforme cabível, além das medidas administrativas
aplicáveis”.
Assim, tem-se
que seria ilegal a emissão pelo Município de Autorização Especial de Trânsito
para veículo que não esteja devidamente licenciado.
Em vista de
tudo o que foi exposto, a eventual emissão de AET pelo Município poderia levar
à responsabilidade criminal e político-administrativa do prefeito municipal.
Com efeito,
tal conduta poderia caracterizar o crime de prevaricação, previsto no Código
Penal Brasileiro nos seguintes termos:
“Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar,
indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei,
para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena - detenção,
de três meses a um ano, e multa”.
Sobre o
delito em apreço, leciona Ney Moura Teles que:
“A prevaricação
realiza-se mediante uma das seguintes condutas: retardar, deixar de praticar ou
praticar ato de ofício.
(...)
A terceira conduta
típica é praticar ato de ofício contra disposição expressa de lei. Praticar é
realizar, concretizar, executar o ato.
Ato de ofício é
aquele inserido no âmbito das atribuições conferidas ao funcionário ou de sua
competência. Pode, assim, ser um ato administrativo, legislativo ou judicial.
Deve ser praticado contrariando dispositivo legal expresso. Não há incidência dessa
norma quando a infração é a uma norma regulamentar, uma portaria, uma resolução
etc.
Como se vê, nas
três formas típicas, há um elemento normativo: nas duas primeiras o ato deve
ser indevido, na última deve ser contrário a uma norma legal.
Nas três o ato
deve ser do ofício do agente, ou seja, de sua atribuição ou competência, daí
que não incorrerá na proibição se o ato que retarda, deixa de praticar ou
pratica com infração a norma legal não se encontra dentre aqueles a que estava
obrigado a realizar. Deve, pois, ser um ato próprio do agente que, igualmente,
deve encontrar-se no pleno exercício de suas funções, porque somente assim
estará ele obrigado a praticá-lo com observância das normas legais incidentes”[3].
Ainda,
poderia a concessão de autorização contra
legem ser caracterizada infração político-administrativa sujeita à cassação
do mandato pela Câmara dos Vereadores nos termos do artigo 4º do Decreto-Lei
201/67, senão veja-se:
“Art. 4º São
infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao
julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato:
(...)
VII - Praticar,
contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua
prática;”
Obviamente
que a responsabilização do Prefeito Municipal demandaria, no que tange à
prevaricação, prévia atuação do Ministério Público, a quem caberia demonstrar
que a conduta se deu para a satisfação de interesse ou sentimento pessoal do
chefe do poder executivo municipal.
Já no que
tange à responsabilidade político-administrativa, tal demandaria de denúncia de
qualquer eleitor ou de Vereador e seu recebimento pela maioria dos presentes em
sessão realizada na Câmara dos Vereadores.
Assim,
conclui-se pela impossibilidade do Município autorizar o tráfego de veículos
automotores não licenciados em via municipal, seja por lei ou por autorização
especial.
[1] “Art.
22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
[2] Art. 101. Ao veículo
ou combinação de veículos utilizado no transporte de carga indivisível, que não
se enquadre nos limites de peso e dimensões estabelecidos pelo CONTRAN, poderá
ser concedida, pela autoridade com circunscrição sobre a via, autorização
especial de trânsito, com prazo certo, válida para cada viagem, atendidas as
medidas de segurança consideradas necessárias.
[3]http://www.neymourateles.com.br/direito-penal/wp-content/livros/pdf/volume03/95.pdf.
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