Amanda Carvalho Montanari
Advogada Associada a Homero Costa Advogados, Pós-graduada em Direito Público na Universidade Gama Filho
*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 37 em 28/08/2011
A Lei nº 12,305 sancionada pelo Presidente então em exercício, Luís Inácio Lula da Silva, em 02 de agosto de 2010 que inaugura especificamente o tema da “Política Nacional de Resíduos Sólidos” no Brasil, completou um ano de sua vigência em 02 de agosto do presente ano, haja vista que entrou em vigor na data de sua publicação.
Esse instrumento legal tem por escopo lidar com a delicada questão do direcionamento do montante crescente de resíduos sólidos gerados pela sociedade de consumo brasileira, que, a cada dia, fica mais atrelada a uma profusão infindável de bens de consumo, considerados num país de extensão territorial continental como o nosso.
A referida lei trouxe à baila um tema que há muito carecia de previsão legal específica, principalmente no que se refere ao trato dos resíduos sólidos de origem privada. Por não ser auto-aplicável, veio à lume o Decreto 7.404, em 23 de dezembro de 2010, com a clara intenção de regulamentar a lei e de tornar viável a aplicação dos instrumentos nela apontados, após o detalhamento de seus institutos.
Em seu intróito, a lei aponta, no artigo 1º, §1º, como sujeito passivo as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou de direito privado, que detém responsabilidade direta ou indireta na geração de resíduos sólidos, e aquelas que desempenham atividades vinculadas à gestão integrada ou ao gerenciamento propriamente dito de resíduos sólidos.
Desse modo, a lei inova ao anunciar o princípio da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, na medida em que distribui esse ônus aos fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de geração de resíduos sólidos.
Cabe, de início, considerar que a referida lei tem por fim maior trazer relevantes e salutares benefícios ao meio ambiente, à sociedade, ao Poder Público e ao setor produtivo, somando os esforços desses agentes para a realização do tratamento e do descarte final ambientalmente adequado de resíduos sólidos.
Indubitavelmente, um dos pontos de maior visibilidade da lei está evidenciado no artigo 3º, XII, que define o conceito de logística reversa como “instrumento de desenvolvimento econômico e social, caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada”.
É um sistema que não é essencialmente original no nosso ordenamento jurídico, visto que já era um instituto existente em resoluções editadas pelo CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente), que minudenciavam o descarte de pilhas e baterias, pneumáticos abandonados e inservíveis, óleos lubrificantes usados e embalagens vazias advindas do uso de agrotóxicos.
Embora não tenha ainda se tornado de conhecimento notório, e talvez, em razão disso, a logística reversa acaba por gerar uma reação um pouco temerária por parte, principalmente, dos empreendedores, em decorrência dos custos operacionais gerados por sua aplicação prática.
Todavia, em termos gerais, percebe-se um pensamento uníssono de que a logística reversa gera efeitos positivos no meio ambiente, atendendo a finalidade primordial para a qual foi criada, qual seja, a de reverter os resíduos sólidos gerados em seus ciclos produtivos para o setor empresarial, que nada mais é do que a fonte a partir da qual promanam tais resíduos. Portanto, cabe a eles o ônus de dar destinação final ambientalmente adequada a esses produtos no momento posterior ao consumo.
Entretanto, essa responsabilidade não fica adstrita a eles, pois também é estendida aos consumidores. A lei prevê, no artigo 30, que cabe aos fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos o exercício de atribuições individualizadas e concatenadas, com a finalidade de reduzir o volume de resíduos sólidos e de rejeitos gerados, bem como de amenizar os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental. Trata-se da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos.
A logística reversa da Política Nacional de Resíduos Sólidos abarca a aplicação de alguns princípios vetores do Direito Ambiental. Nas palavras do doutrinador GOMES, os princípios ambientais são aqueles que “estão voltados para a finalidade básica de proteger a vida, em qualquer forma que esta se apresenta, e garantir um padrão de existência digna para os seres humanos desta e das futuras gerações, bem como de conciliar os dois elementos anteriores com o desenvolvimento econômico ambientalmente sustentável”.
Como princípio ambiental, o Princípio do Equilíbrio, para BESSA ANTUNES, significa “uma versão do conhecido exame de custo/benefício que (...) informa toda e qualquer atividade humana realizada conscientemente” e que impõe uma necessidade de atentar para “as conseqüências previsíveis da adoção de uma determinada medida, de forma que esta possa ser útil à comunidade e não importar em gravames excessivos aos ecossistemas e à vida humana.” Dessa forma, esse princípio analisa “todas as implicações de uma intervenção no meio ambiente, buscando-se adotar a solução que melhor concilie um resultado globalmente positivo”.
Assim, ao prever a lei que haja a avaliação de custos e benefícios na realização de atividades humanas que produzam resíduos sólidos e rejeitos, evidencia-se a preocupação de garantir a permanência de um ambiente ecologicamente equilibrado, por meio da realização do sistema de logística reversa e de outros instrumentos de igual relevância.
Em outras palavras, a logística reversa pode ser vista, como um sistema inteligente e estratégico para reverter os resíduos sólidos a quem os produziu, na mais sensata aplicação, como também de outros princípios, do Princípio do Poluidor-Pagador.
Esse princípio basilar insculpido na lei expõe, nas palavras de GOMES, que “aquele que polui fica obrigado a corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os encargos daí resultantes, não lhe sendo permitido continuar a ação poluente”, traduzindo-se num “princípio sancionatório e não num princípio atributivo de faculdade”.
Por conseguinte, haverá a internalização dos custos da produção, também no que concerne aos custos relativos ao gerenciamento e gestão dos resíduos sólidos, permitindo também que seus produtores arquem com eles, e não somente a sociedade.
Em face do princípio da cooperação existente entre o Poder Público e os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes no que tange à implementação e à operacionalização do sistema de logística reversa, estabelecem-se os acordos setoriais entre esses atores, os regulamentos expedidos pelo Poder Público e os termos de compromisso, cuja eficácia ocorrerá a partir da sua homologação pelo órgão ambiental competente do SISNAMA.
Além disso, a lei fixa no seu artigo 7º, III, como um dos seus objetivos, o estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços. Somada a isso, prevista no artigo 31, I, alínea “a”, está a responsabilidade dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de investirem em fabricação, desenvolvimento e alocação de produtos no mercado, com aptidão para, após o consumo, serem facilmente colocados à reutilização, à reciclagem ou a outro modo de destinação ambientalmente adequada.
Em face de todo o exposto, considera-se que a Lei de Política Nacional de Resíduos Sólidos apresenta firmes intenções de produzir consideráveis benefícios ambientais, concernentes à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, atribuindo valor à participação ativa de todos os envolvidos na cadeia produtiva nos instrumentos legais propiciadores da ecoeficiência e do desenvolvimento sustentável.
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¹ GOMES, Luís Roberto, “Princípios Constitucionais de proteção ao meio ambiente”, Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, n. 16, página 170.
² BESSA ANTUNES, Paulo de, Direito Ambiental, 10 ª edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, página 40.
³ GOMES, Luís Roberto, Princípios Constitucionais (...), páginas 185 e 186.
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