Ana Carolina Silva Barbosa
Sócia do Escritório Homero Costa Advogados, especialista em Direito Tributário pelo CAD
*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 31 em
28/01/2011
A
Lei nº 11.941/2009 alterou as penalidades até então aplicadas pelo INSS em seus
lançamentos, seguindo o processo de unificação de procedimentos e entendimentos
que teve início com a extinção da Secretaria da Receita Previdenciária e a
criação da “Supereceita”.
Com a novel legislação, as penalidades muitas vezes foram fixadas em patamares inferiores aos anteriormente praticados. Uma vez constatado que a legislação superveniente revela-se mais benéfica ao contribuinte, esta deve retroagir para alcançá-lo, nos moldes do que determina o artigo 106 do Código Tributário Nacional, verbis:
Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
(...)
II - tratando-se de
ato não definitivamente julgado:
(...)
c) quando lhe
comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua
prática.
O art. 79 da Lei nº. 11.941/09 confirmou a revogação promovida pela Medida Provisória nº. 449/08, dentre outros, dos parágrafos 4º, 5º e 6º do art. 32 da Lei nº. 8.212/91, que previam, respectivamente, as seguintes penalidades:
“Art. 32. A empresa também é obrigada a;
(...)
IV –
informar mensalmente ao Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, por
intermédio de documento a ser definido em regulamento, dados relacionados aos
fatos geradores de contribuição previdenciária e outras informações de
interesse do INSS.
(...)
§4º
A não apresentação do documento previsto no inciso IV, independentemente do
recolhimento da contribuição, sujeitará o infrator à pena administrativa
correspondente a multa variável equivalente a um multiplicador sobre o valor
mínimo previsto no art. 92, em função do número de segurados, conforme quadro
abaixo:
0 a
5 segurados – ½ valor mínimo
6 a
15 segurados – 1x o valor mínimo
16 a
50 segurados – 2 x o valor mínimo
51 a
100 segurados – 5 x o valor mínimo
101
a 500 segurados – 10 x o valor mínimo
501
a 1000 segurados – 20 x o valor mínimo
1001
a 5000 segurados – 35 x o valor mínimo
Acima
de 5000 segurados – 50 x o valor mínimo.
§5º
A apresentação do documento com dados não correspondentes aos fatos geradores
sujeitará o infrator à pena administrativa correspondente à multa de cem por
cento do valor devido relativo à contribuição não declarada, limitada aos
valores previstos no parágrafo anterior.
§ 6º
A apresentação do documento com erro de preenchimento nos dados não
relacionados aos fatos geradores sujeitará o infrator à pena administrativa de
cinco por cento do valor mínimo previsto no art. 92, por campo com
informações inexatas, incompletas ou omissas, limitadas aos valores previstos
no § 4º”
Em substituição a estas penalidades, por descumprimento de obrigações acessórias, introduziu-se na Lei nº. 8.212/91 o art. 32-A, que passou a prever as seguintes multas:
"Art. 32-A. O contribuinte que deixar de apresentar a declaração de que trata o inciso IV do caput do art. 32 desta Lei no prazo fixado ou que a apresentar com incorreções ou omissões será intimado a apresentá-la ou a prestar esclarecimentos e sujeitar-se-á às seguintes multas:
I -
de R$ 20,00 (vinte reais) para cada grupo de 10 (dez) informações incorretas ou
omitidas; e
II -
de 2% (dois por cento) ao mês-calendário ou fração, incidentes sobre o montante
das contribuições informadas, ainda que integralmente pagas, no caso de falta
de entrega da declaração ou entrega após o prazo, limitada a 20% (vinte por
cento), observado o disposto no § 3o deste artigo.
§ 1o Para efeito
de aplicação da multa prevista no inciso II do caput deste artigo, será
considerado como termo inicial o dia seguinte ao término do prazo fixado para
entrega da declaração e como termo final a data da efetiva entrega ou, no caso
de não-apresentação, a data da lavratura do auto de infração ou da notificação
de lançamento.
§ 2o Observado o
disposto no § 3o deste artigo, as multas serão
reduzidas:
I -
à metade, quando a declaração for apresentada após o prazo, mas antes de
qualquer procedimento de ofício; ou
II -
a 75% (setenta e cinco por cento), se houver apresentação da declaração no
prazo fixado em intimação.
§ 3o A multa
mínima a ser aplicada será de:
I -
R$ 200,00 (duzentos reais), tratando-se de omissão de declaração sem ocorrência
de fatos geradores de contribuição previdenciária; e
II -
R$ 500,00 (quinhentos reais), nos demais casos."
Não
obstante se tratar de penalidades inegavelmente mais benéficas do que as até
então em vigor para as mesmas situações, o art. 57 da Lei nº. 11.941/09 indicou
expressamente, sem fazer menção à aplicação retroativa do art. 32-A, que as
disposições do art. 35-A da Lei nº. 8.212/91, assim como da nova redação do
art. 35, serão aplicáveis “às prestações ainda não pagas de parcelamento e
aos demais débitos, inscritos ou não em dívida ativa, cobrado por meio de
processo ainda não definitivamente julgado.”
O referido dispositivo era na verdade dispensável, pois o art. 106, inciso II, “c” do Código Tributário Nacional determina que a retroatividade da legislação nos casos em que for prevista nova penalidade para a mesma infração e essa for mais benéfica do que a anteriormente prevista.
Entretanto, veio a Portaria Conjunta da PGFN e RFB nº. 14/2009 e, determinou a comparação mencionada no Ofício nº. 0135/2010 e corroborada pela petição da Procuradoria da Fazenda Nacional, verbis:
“Art. 3º A análise da penalidade mais benéfica, a que se refere esta Portaria, será realizada pela comparação entre a soma dos valores das multas aplicadas nos lançamentos por descumprimento de obrigação principal, conforme o art. 35 da Lei nº 8.212, de 1991, em sua redação anterior à dada pela Lei nº 11.941, de 2009, e de obrigações acessórias, conforme §§ 4º e 5º do art. 32 da Lei nº 8.212, de 1991, em sua redação anterior à dada pela Lei nº 11.941, de 2009, e da multa de ofício calculada na forma do art. 35-A da Lei nº 8.212, de 1991, acrescido pela Lei nº 11.941, de 2009.
§ 1º Caso as multas
previstas nos §§ 4º e 5º do art. 32
da Lei nº 8.212, de 1991, em sua redação anterior à dada pela Lei nº
11.941, de 2009, tenham sido aplicadas isoladamente, sem a imposição de
penalidade pecuniária pelo descumprimento de obrigação principal, deverão ser
comparadas com as penalidades previstas no art.
32-A da Lei nº 8.212, de 1991, com a redação dada pela Lei nº
11.941, de 2009.”
Veja-se que a Portaria determinou a cumulação das multas aplicadas com base na legislação anterior em decorrência do descumprimento das obrigações principal (recolhimento a menor de contribuição) e acessórias (omissão do fato gerador na GFIP), para que a soma dessas penalidades seja comparada com a multa de ofício de 75% atualmente prevista para os casos de falta de recolhimento das contribuições tratadas na Lei nº. 8.212/91.
Entretanto, a penalidade anteriormente prevista para o recolhimento a menor era a multa de mora, fixada, nos termos do antigo art. 35 da Lei nº. 8.212/91, em percentual variável: 24% nos casos de lançamento de ofício e de pagamento dentro do prazo de 15 dias, passando a 30% após este prazo e até a eventual apresentação de recurso interposto contra decisão que negara procedência à defesa apresentada em face do lançamento.
Até o advento da MP nº. 449/08, a legislação previa uma única penalidade a ser considerada pela falta ou pelo atraso de recolhimento das contribuições previstas na Lei nº. 8.212/91. Não há dúvidas de que o caput de seus artigos 34 e 35 indicavam que incidiria apenas multa de mora nestas situações.
A multa de mora era aplicável tanto nos casos em que o contribuinte recolhia espontaneamente o débito quando naquele em que o valor não recolhido fosse constituído por lançamento de ofício. O que variava era tão somente o percentual a ser considerado sobre o valor não recolhido. Caso o débito fosse constituído por meio de lançamento fiscal, essa multa de mora não seria inferior a 24% (inciso II, “a”), podendo chegar a 100%, caso o débito fosse executado e posteriormente parcelado (inciso III, “d”).
Ou seja, a infração decorrente do recolhimento em atraso das contribuições previstas na Lei nº. 8.212/91 ensejava a aplicação de penalidade variando entre 8% e 100%, de acordo com o momento do recolhimento do débito e se ele fora constituído em lançamento fiscal, além de outras variáveis. Mas a penalidade era a mesma para todas as situações, multa de mora, nos termos expressos dos artigos 34 e 35 da Lei nº. 8.212/91.
Após as alterações trazidas pela MP nº 449/08, o art. 34 foi revogado, e o art. 35 passou a ter a seguinte redação:
“Art. 35. Os débitos com a União decorrentes das contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 desta Lei, das contribuições instituídas a título de substituição e das contribuições devidas a terceiros, assim entendidas outras entidades e fundos, não pagos nos prazos previstos em legislação, serão acrescidos de multa de mora e juros de mora, nos termos do art. 61 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996.”
De acordo com o art. 61 da Lei nº 9.430/1996, a multa passou a ser de no máximo 20% do valor do débito, veja-se:
"Art. 61. Os débitos para com a União, decorrentes de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, cujos fatos geradores ocorrerem a partir de 1º de janeiro de 1997, não pagos nos prazos previstos na legislação específica, serão acrescidos de multa de mora, calculada à taxa de trinta e três centésimos por cento, por dia de atraso.
§ 1º A multa de que
trata este artigo será calculada a partir do primeiro dia subseqüente ao do
vencimento do prazo previsto para o pagamento do tributo ou da contribuição até
o dia em que ocorrer o seu pagamento.
§ 2º O percentual
de multa a ser aplicado fica limitado a vinte por cento.
§ 3º Sobre os
débitos a que se refere este artigo incidirão juros de mora calculados à taxa a
que se refere o § 3º do art. 5º, a partir do primeiro dia do mês subseqüente ao
vencimento do prazo até o mês anterior ao do pagamento e de um por cento no mês
do pagamento. "
E ainda acrescentou-se a multa de ofício, que não existia anteriormente na legislação previdenciária:
Art. 35-A. Nos casos de lançamento de ofício relativos às contribuições referidas no art. 35 desta Lei, aplica-se o disposto no art. 44 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996.
O art. 44 da
Lei nº 9.430, de 1996 segue abaixo:
"Art. 44. Nos
casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas:
I - de 75% (setenta
e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição
nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos
de declaração inexata;
II - de 50%
(cinqüenta por cento), exigida isoladamente, sobre o valor do pagamento mensal:
a) na forma do art.
8º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, que deixar de ser efetuado,
ainda que não tenha sido apurado imposto a pagar na declaração de ajuste, no
caso de pessoa física;
b) na forma do art.
2º desta Lei, que deixar de ser efetuado, ainda que tenha sido apurado prejuízo
fiscal ou base de cálculo negativa para a contribuição social sobre o lucro
líquido, no ano calendário correspondente, no caso de pessoa jurídica.
§ 1º O percentual
de multa de que trata o inciso I do caput deste artigo será duplicado nos casos
previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964,
independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.
§ 2º Os percentuais
de multa a que se referem o inciso I do caput e o § 1º deste artigo serão
aumentados de metade, nos casos de não atendimento pelo sujeito passivo, no
prazo marcado, de intimação para:
I - prestar
esclarecimentos;
II - apresentar os
arquivos ou sistemas de que tratam os arts. 11 a 13 da Lei nº 8.218, de 29 de
agosto de 1991;
III - apresentar a
documentação técnica de que trata o art. 38 desta Lei.
§ 3º Aplicam-se às
multas de que trata este artigo as reduções previstas no art. 6º da Lei nº
8.218, de 29 de agosto de 1991, e no art. 60. da Lei nº 8.383, de 30 de
dezembro de 1991.
§ 4º As disposições
deste artigo aplicam-se, inclusive, aos contribuintes que derem causa a
ressarcimento indevido de tributo ou contribuição decorrente de qualquer
incentivo ou benefício fiscal. "
Foi incluída pela MP nº. 449/08 importante alteração para punição do contribuinte inadimplente. Até o advento da MP a única penalidade existente para punir a ausência ou o atraso no recolhimento das contribuições previstas na Lei nº. 8.212/91 era a multa de mora, após a sua vigência, passou-se a aplicar também àquelas contribuições a multa de ofício de 75% nas hipóteses de lançamento de ofício.
Indubitavelmente não existia previsão da multa de ofício a ser aplicada no caso de falta de recolhimento das contribuições anteriormente a esta alteração, ainda que o crédito tributário fosse constituído via lançamento de ofício. E se não existia a multa de ofício, não há como se vislumbrar a sua aplicação a fatos geradores anteriormente ao advento da MP nº. 449/08, como pretende a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.
Dessa forma, se era aplicada apenas a multa de mora na constituição de ofício dos créditos previdenciários e decorrentes das contribuições destinadas a terceiros, variando sua quantificação entre 24% e 100%, e penalidade dessa natureza continua prevista, agora com percentual limitado a 20% (art. 35 da Lei nº. 8.212/91),
Diante do exposto, vê-se que a solução proposta pela Portaria Conjunta nº. 14/2009 é ilegal, porque pretende cumular penalidades impostas por infrações diferentes. As multas atualmente previstas no art. 32-A da Lei nº. 8.212/91 devem ser confrontadas apenas com as previstas nos revogados parágrafos 4º e 5º do art. 32 da mesma Lei.
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