terça-feira, 13 de agosto de 2024

A POSSIBILIDADE DE DISTRIBUIÇÃO DOS JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO ANTES DA DEDUÇÃO DO PREJUÍZO ACUMULADO


 

 

Gustavo Pires Maia da Silva

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

                      

 

De acordo com a Primeira Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), é possível a distribuição de juros sobre capital próprio no exercício financeiro em que a empresa obteve lucro, ainda que exista prejuízo acumulado de outros exercícios.

 

O pronunciamento da Corte Superior sobre a matéria aconteceu em um caso em que houve o provimento de Recurso Especial interposto por conselheiros e acionistas do Banco do Estado de Sergipe (“Banese”).

 

O placar foi apertado. O recurso foi decidido por 3 votos a 2 e serviu para solucionar um aparente conflito entre a Lei das S.A. (Lei nº 6.404/76) e a Lei nº 9.249/95, que apresenta as regras para dedução dos juros sobre capital próprio.

 

Importante esclarecer que os juros sobre capital próprio significam a remuneração que as empresas pagam àqueles que investiram dinheiro na atividade exercida.

 

Nos moldes do Artigo 9º, §1º, da Lei nº 9.249/1995, existem duas possibilidades para dedução dos juros sobre o capital próprio: 1ª) a existência de lucros, computados antes da dedução dos juros; 2ª) a existência de lucros acumulados e reservas de lucros.

 

Nas duas hipóteses acima identificadas, os lucros necessitam totalizar quantia igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados.

 

O Artigo 189 da Lei nº 6.404/76 impõe que, antes de qualquer participação no resultado do exercício financeiro, sejam deduzidos os prejuízos acumulados e a provisão para o Imposto de Renda.

 

No caso julgado pelo STJ, conselheiros e acionistas do Banese assentiram a dedução de juros sobre capital próprio nos exercícios de 2002/2003 antes de deduzir do resultado financeiro os prejuízos acumulados.

 

A atuação transgrediu o Artigo 189 da Lei das Sociedades Anônimas e produziu multa aplicada pela Comissão de Valores Imobiliários (“CVM”), que restou sustentada pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.

 

Os penalizados utilizaram-se do Poder Judiciário para contraditar a penalidade, mas não tiveram sucesso, inicialmente. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região manteve a multa aplicada pela infração ao dispositivo da Lei das S.A.

 

O assunto dissociou na 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Prevaleceu, o entendimento do Ministro Gurgel de Faria, Relator, que foi acompanhado pelos Ministros Sérgio Kukina e Benedito Gonçalves.

 

Para os Ministros, o funcionamento de pagamento dos juros sobre capital próprio tem uma previsão própria e especial na legislação que, por isso mesmo, se justapõe ao Artigo 189 da Lei nº 6.404/76.

 

Isso quer dizer que a dedução dos juros sobre capital próprio pode ser realizada quando a empresa obteve lucro no exercício financeiro, apesar de ter acumulado prejuízo nos anteriores; ou quando teve prejuízo no exercício financeiro, mas conservou lucro acumulado previamente.

 

Afirmou o Ministro Gurgel de Faria: “Caso o propósito legal fosse proibir o pagamento dos juros sobre capital próprio por parte das empresas que amargassem prejuízo acumulado, bastaria condicionar aquele (o pagamento) à existência de lucros acumulados”.

 

“Diante desse raciocínio, não se justifica a manutenção da multa aplicada pela prática de conduta que era permitida pela lei”, constatou.

Restaram vencidos a Ministra Regina Helena Costa e o Ministro Paulo Sérgio Domingues. Segundo eles, os juros sobre o capital próprio são uma forma de destinação do lucro líquido, o que torna aplicável o Artigo 189 da Lei das Sociedades Anônimas.

 

Ou melhor, é necessário fazer o abatimento das perdas havidas em exercícios anteriores para oportunizar a remuneração dos acionistas.

 

Ponderou a Ministra Regina: “A própria existência de lucro, arrolada pela Lei 9.249/1995 como elemento indispensável ao crédito de tal parcela, pressupõe antecedente abatimento de perdas anteriormente amontoadas”.

 

Na análise da Magistrada, o Artigo 9º, §1º, da Lei nº 9.249/1995 e o Artigo 189 da Lei das S.A. são totalmente adequados e não carecem de superpor um ao outro.

 

Ainda conforme a Ministra, compreender diferente seria contrariar a lógica da Lei nº 6.404/1976, que favorece a reorganização do capital social e a responsabilidade financeira em prejuízo do mero pagamento de proventos aos acionistas.

 

Diante do exposto, conclui-se facilmente que não há ilegalidade se existe pagamento de juros sobre capital próprio quando da ocorrência de lucros no exercício, mas prejuízos acumulados.

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