Orlando José de Almeida
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados
Cristina Simões Vieira
Estagiária de Homero Costa Advogados
No dia 27 de agosto do ano em curso, foi
publicada notícia no site do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região
com o seguinte título: “Bancária
receberá adicional de periculosidade por trabalho em edifício que continha
armazenamento de combustível para gerador”.[1]
Consta da matéria que “a Justiça do
Trabalho mineira reconheceu o direito de uma bancária ao recebimento do
adicional de periculosidade, já que ela trabalhava no 10º andar de um edifício
que continha, em seu subsolo, mais de três mil litros de líquidos inflamáveis”,
armazenados e destinados principalmente aos geradores de energia elétrica.
A sentença foi proferida pelo Juiz
Frederico Leopoldo Pereira, titular da 1ª Vara do Trabalho de Alfenas-MG, nos
autos do processo nº 0010833-77.2018.5.03.0086, e restou confirmada em grau de
recuso pela Décima Turma.
De
início, a informação pode causar certa perplexidade, considerando que além de
se tratar a empregada de uma bancária, cujas funções normalmente não são
realizadas em área de risco ou em condições periculosas, o trabalho era
desenvolvido no décimo andar de um edifício, sendo que o armazenamento do
inflamável se encontrava no subsolo.
No entanto, a Constituição
Federal estabelece no caput do artigo 7º, e no inciso XXIII, que
constituem direitos
dos trabalhadores urbanos e rurais, o recebimento do adicional de remuneração
para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.
A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT,
no artigo 193, fixa que “são consideradas
atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo
Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de
trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do
trabalhador”, dentre outras hipóteses, “a inflamáveis”.
O trabalho em
condições periculosas assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por
cento) sobre o salário-base e reflexos.
O artigo 200, da CLT, em acréscimo ao
comando acima, preceitua que “cabe ao
Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que
trata este Capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou
setor de trabalho”, especialmente a respeito de “depósitos, armazenagem e
manuseio de combustíveis, inflamáveis e explosivos, bem como trânsito e
permanência nas áreas respectivas”.
Em decorrência das previsões legais acima,
foi editada a Portaria 3214, em 1.978, que aprovou as Normas Regulamentaras –
NRs, referentes à Segurança e Medicina do Trabalho.
As referidas normas, portanto, tem como
objetivo propiciar um ambiente de trabalho seguro e de proteger a saúde de
todos os trabalhadores no local que desenvolvem as suas atividades.
Dentre elas destaca-se a NR 16, que versa
sobre as atividades e operações perigosas.
Por último, deve ser salientado que no Anexo 2, da NR-16, do MTE, está
contido o item 3, alínea "s", que considera de risco "toda a
área interna do recinto", em que há "armazenamento de vasilhames que
contenham inflamáveis líquidos ou vazios não desgaseificados, ou decantados, em
recinto fechado".
Apresentada a evolução legal acerca da
matéria, quando do julgamento em primeira instância, relativo ao processo
apontado, o julgador adotou como razão de decidir a Orientação Jurisprudencial
nº 385, da SBDI-1/TST, que dispõe: “É devido o pagamento do adicional de
periculosidade ao empregado que desenvolve suas atividades em edifício
(construção vertical), seja em pavimento igual ou distinto daquele onde estão
instalados tanques para armazenamento de líquido inflamável, em quantidade
acima do limite legal, considerando-se como área de risco toda a área interna
da construção vertical”.
De outro lado, merece ser aduzido que para
a caracterização do trabalho em condições periculosas os inflamáveis, bem como
a quantidade armazenada, devem corresponder ao devido enquadramento legal.
Mariano José
Messias
em artigo intitulado “os limites
quantitativos para o armazenamento de líquidos inflamáveis no interior de
edifícios habitados e a gestão de segurança e saúde no trabalho”,[2] menciona que “a NR-16 não estabelece expressamente o conceito
de líquido inflamável, definindo apenas o conceito de líquido combustível, que
é excluído para efeitos de direito à percepção do adicional de periculosidade”,
razão pela qual entende que o correto é se valer da NR-20, que define os
inflamáveis como líquidos ou gasosos. Assim, “os inflamáveis líquidos são
aqueles que possuem ponto de fulgor menor ou igual a 60ºC (sessenta graus
Celsius), enquanto os gases inflamáveis são líquidos inflamáveis com ponto de
fulgor maior que 60ºC (sessenta graus Celsius) e menor ou igual a 93ºC (noventa
e três graus Celsius).”
E quanto a
quantidade armazenada para considerar o ambiente periculoso o autor, no mesmo
artigo, assevera que “de acordo com o disposto no Anexo 2 da NR-16, Portaria nº
3.214/1978, do MTE, conjugado com o item 16.6 da mesma norma, que se aplica por
analogia, são consideradas atividades perigosas, ensejando o adicional de
periculosidade, aquelas desenvolvidas habitualmente em área de risco, contendo,
armazenados, líquidos inflamáveis em quantidades superiores a 200 litros.
Portanto, no caso de armazenamento, essa tolerância, imposta por analogia, deve
prevalecer, em que pese a norma não estabelecer expressamente a quantidade
estocada.”
Dessa forma
e nos termos indicados anteriormente, ao ser enquadrado em conformidade com as
disposições legais, o Banco foi condenado ao pagamento do adicional
de periculosidade.
Finalmente,
é importante relatar que a prevenção, para evitar o pagamento do adicional de
periculosidade, eventuais indenizações em decorrência de acidentes e autuações,
é o melhor caminho, tal como previsto na Constituição da República ao atribuir aos empregados o
direito a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de
saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII).
Aliás, no exemplo que deu origem à notícia, o Juiz na sentença enfatizou
a mudança de comportamento dos condôminos do edifício, o que certamente evitou
novas condenações, considerando que “o fator de risco e a
preocupação com a segurança eram tão relevantes que, a partir de janeiro de
2019, houve a transferência da casa de geradores para a área externa ao
edifício.”
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