quarta-feira, 27 de outubro de 2021

ARMAZENAMENTO DE INFLAMÁVEIS EM EDIFÍCIOS E O ADICIONAL DE PERICULOSIDADE

 

Orlando José de Almeida

                                                      Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

                                                                                         Cristina Simões Vieira

                                                                Estagiária de Homero Costa Advogados

 

 

No dia 27 de agosto do ano em curso, foi publicada notícia no site do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região com o seguinte título: “Bancária receberá adicional de periculosidade por trabalho em edifício que continha armazenamento de combustível para gerador”.[1]

 

Consta da matéria que “a Justiça do Trabalho mineira reconheceu o direito de uma bancária ao recebimento do adicional de periculosidade, já que ela trabalhava no 10º andar de um edifício que continha, em seu subsolo, mais de três mil litros de líquidos inflamáveis”, armazenados e destinados principalmente aos geradores de energia elétrica.

 

A sentença foi proferida pelo Juiz Frederico Leopoldo Pereira, titular da 1ª Vara do Trabalho de Alfenas-MG, nos autos do processo nº 0010833-77.2018.5.03.0086, e restou confirmada em grau de recuso pela Décima Turma.

 

De início, a informação pode causar certa perplexidade, considerando que além de se tratar a empregada de uma bancária, cujas funções normalmente não são realizadas em área de risco ou em condições periculosas, o trabalho era desenvolvido no décimo andar de um edifício, sendo que o armazenamento do inflamável se encontrava no subsolo.

 

No entanto, a Constituição Federal estabelece no caput do artigo 7º, e no inciso XXIII, que constituem direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, o recebimento do adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.

 

A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, no artigo 193, fixa que “são consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador”, dentre outras hipóteses, “a inflamáveis”.

 

O trabalho em condições periculosas assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário-base e reflexos.

 

O artigo 200, da CLT, em acréscimo ao comando acima, preceitua que “cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho”, especialmente a respeito de “depósitos, armazenagem e manuseio de combustíveis, inflamáveis e explosivos, bem como trânsito e permanência nas áreas respectivas”.

 

Em decorrência das previsões legais acima, foi editada a Portaria 3214, em 1.978, que aprovou as Normas Regulamentaras – NRs, referentes à Segurança e Medicina do Trabalho.

 

As referidas normas, portanto, tem como objetivo propiciar um ambiente de trabalho seguro e de proteger a saúde de todos os trabalhadores no local que desenvolvem as suas atividades.

 

Dentre elas destaca-se a NR 16, que versa sobre as atividades e operações perigosas.

Por último, deve ser salientado que no Anexo 2, da NR-16, do MTE, está contido o item 3, alínea "s", que considera de risco "toda a área interna do recinto", em que há "armazenamento de vasilhames que contenham inflamáveis líquidos ou vazios não desgaseificados, ou decantados, em recinto fechado".

 

Apresentada a evolução legal acerca da matéria, quando do julgamento em primeira instância, relativo ao processo apontado, o julgador adotou como razão de decidir a Orientação Jurisprudencial nº 385, da SBDI-1/TST, que dispõe: “É devido o pagamento do adicional de periculosidade ao empregado que desenvolve suas atividades em edifício (construção vertical), seja em pavimento igual ou distinto daquele onde estão instalados tanques para armazenamento de líquido inflamável, em quantidade acima do limite legal, considerando-se como área de risco toda a área interna da construção vertical”.

 

De outro lado, merece ser aduzido que para a caracterização do trabalho em condições periculosas os inflamáveis, bem como a quantidade armazenada, devem corresponder ao devido enquadramento legal.

 

Mariano José Messias em artigo intitulado “os limites quantitativos para o armazenamento de líquidos inflamáveis no interior de edifícios habitados e a gestão de segurança e saúde no trabalho”,[2] menciona que “a NR-16 não estabelece expressamente o conceito de líquido inflamável, definindo apenas o conceito de líquido combustível, que é excluído para efeitos de direito à percepção do adicional de periculosidade”, razão pela qual entende que o correto é se valer da NR-20, que define os inflamáveis como líquidos ou gasosos. Assim, “os inflamáveis líquidos são aqueles que possuem ponto de fulgor menor ou igual a 60ºC (sessenta graus Celsius), enquanto os gases inflamáveis são líquidos inflamáveis com ponto de fulgor maior que 60ºC (sessenta graus Celsius) e menor ou igual a 93ºC (noventa e três graus Celsius).”

 

E quanto a quantidade armazenada para considerar o ambiente periculoso o autor, no mesmo artigo, assevera que “de acordo com o disposto no Anexo 2 da NR-16, Portaria nº 3.214/1978, do MTE, conjugado com o item 16.6 da mesma norma, que se aplica por analogia, são consideradas atividades perigosas, ensejando o adicional de periculosidade, aquelas desenvolvidas habitualmente em área de risco, contendo, armazenados, líquidos inflamáveis em quantidades superiores a 200 litros. Portanto, no caso de armazenamento, essa tolerância, imposta por analogia, deve prevalecer, em que pese a norma não estabelecer expressamente a quantidade estocada.”

 

Dessa forma e nos termos indicados anteriormente, ao ser enquadrado em conformidade com as disposições legais, o Banco foi condenado ao pagamento do adicional de periculosidade.

 

Finalmente, é importante relatar que a prevenção, para evitar o pagamento do adicional de periculosidade, eventuais indenizações em decorrência de acidentes e autuações, é o melhor caminho, tal como previsto na Constituição da República ao atribuir aos empregados o direito a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII).

 

Aliás, no exemplo que deu origem à notícia, o Juiz na sentença enfatizou a mudança de comportamento dos condôminos do edifício, o que certamente evitou novas condenações, considerando que “o fator de risco e a preocupação com a segurança eram tão relevantes que, a partir de janeiro de 2019, houve a transferência da casa de geradores para a área externa ao edifício.”

Um comentário:

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