Orlando José de Almeida
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados
Bernardo Gasparini Furman
Advogado Associado de Homero Costa Advogados
Diante de cobranças indevidas em Reclamações Trabalhistas, alguns empregadores vêm utilizando, em sede de reconvenção, das previsões contidas no artigo 940, do Código Civil, para buscar a responsabilização do Autor. A redação do aludido dispositivo é a seguinte:
Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.
A norma tem como principal objetivo coibir a cobrança de dívida já paga, mesmo que parcial, sem a ressalva da quantia recebida. O que se busca, portanto, é preservar a boa-fé nas relações jurídicas, mediante penalização daquele que pretende auferir valores quitados.
Consoante previsão do artigo 8º, da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, “as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”.
E, ainda, consta do parágrafo 1º que “o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho”.
Logo, em uma primeira análise dos dispositivos mencionados, não haveria restrição quanto à utilização do artigo 940, do Código Civil, no âmbito trabalhista, até porque não existe normatização específica a respeito de responsabilização por cobrança indevida na CLT, motivo pelo qual a lacuna poderia ser suprida pelo direito comum.
Os que defendem a aplicação do referido artigo nesta hipótese baseiam-se, notadamente, na preservação da lealdade processual entre as partes, sendo que tal argumento se torna mais forte em razão das hipóteses da litigância de má-fé apontadas no artigo 793-B, da CLT, com redação trazida pela Lei 13.467 de 2017.
Realmente, para demandar dívida já paga a parte altera a verdade dos fatos e utiliza do processo para conseguir objetivo ilegal. Ora, receber algo indevido proporciona enriquecimento sem causa o que, a nosso ver, não é legal e, tampouco, moral.
No entanto, não é esse o entendimento mais recente adotado pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho. E a título de exemplo vejamos:
RECONVENÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 940 DO CÓDIGO CIVIL. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a multa do art. 940 do Código Civil é inaplicável ao processo do trabalho, uma vez que tal instituto é incompatível com o princípio protetivo do direito trabalhista. Recurso de revista conhecido e provido. (ARR-1781-20.2012.5.02.0434, 2ª Turma, Relatora Ministra Delaide Miranda Arantes, DEJT 25/10/2019). (Destacamos).
RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.015/2014. [...]. 4. MULTA PREVISTA NO ARTIGO 940 DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. INCOMPATIBILIDADE COM O PRINCÍPIO PROTETIVO. Nos termos da iterativa, notória e atual jurisprudência deste Tribunal Superior do Trabalho, a multa prevista no artigo 940 do Código Civil não se aplica ao processo do trabalho, porquanto somente é possível a utilização do direito comum como fonte subsidiária do Direito do Trabalho quando não se revele incompatível com os princípios fundamentais deste (CLT, art. 8º). Julgados desta Corte. Recurso de revista não conhecido." (TST-RR-10488-93.2014.5.01.0026, 5.ª Turma, Relator: Ministro Douglas Alencar Rodrigues - DEJT 7/6/2019.). (Destacamos).
RECURSO DE REVISTA. COBRANÇA DE DÍVIDA JÁ PAGA. PENALIDADE PREVISTA NO ART. 940 DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO AO TRABALHADOR. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a multa do art. 940 do Código Civil é inaplicável ao processo do trabalho, uma vez que tal instituto é incompatível com o princípio protetivo do direito trabalhista. Recurso de revista conhecido e provido, no particular. (Autos: RR-105500-88.2009.5.02.0089; 1ª Turma do TST; Relator: Ministro Walmir Oliveira da Costa, DJ: 14/12/17). (Destacamos).
ART.940 DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. O artigo 940 do Código Civil, que prevê a condenação daquele que demanda por dívida já paga ao pagamento de indenização em valor correspondente ao dobro da importância exigida, é inaplicável ao Direito do Trabalho, porque incompatível com o princípio da proteção ao trabalhador hipossuficiente. Entendimento do Tribunal Superior do Trabalho que se adota, absolvendo o trabalhador da multa de R$ 10.000,00 a que se condenado. (TRT-4 RO: 0020358-56.2017.5.04.0841; 7ª Turma.; Relator Desembargador João Pedro Silvestrin; DJ: 19/10/2018). (Destacamos).
Para essa corrente o direito do trabalho está construído e embasado em uma série de princípios que tem como objetivo primordial equilibrar a relação entre as partes envolvidas.
José Caio Junior define como princípio ’’tudo aquilo que orienta o operador do Direito na sua atividade interpretativa, além de ser classificado como meio de integração das eventuais lacunas legais” (JÚNIOR, 2017, p. 99)
Mais especificamente em relação ao princípio da proteção Mauricio Godinho Delgado leciona que ’’o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia — o obreiro —, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho.” (DELGADO, 2017, p. 213)
E nesse sentido a jurisprudência tem privilegiado como visto o princípio da proteção para afastar a aplicação do artigo 940, do Código Civil, na seara trabalhista.
O principal argumento utilizado para fundamentar a inaplicabilidade do referido artigo tem como base a desigualdade econômica e de poder, entre empregado e empregador, o que difere da esfera cível, na qual os litigantes possuem, em tese, igualdade de condições.
Desse modo, e mediante aplicação do princípio da proteção, o entendimento dominante atualmente é na direção de que as cobranças indevidas no direito do trabalho não geram as consequências previstas do artigo 940 do Código Civil.
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