Maria Eduarda
Guimarães de Carvalho Pereira Vorcaro
Advogada
Sócia do Homero Costa Advogados
Bernardo José
Drumond Gonçalves
Advogado
Sócio do Homero Costa Advogados
Ao
atual Ordenamento Jurídico brasileiro foi acrescida a Lei nº 13.146/15, também
denominada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, um importante instrumento à
proteção dos direitos humanos.
A
referida lei consolidou as premissas trazidas pela Convenção das Nações Unidas
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – CDPC, representando notável
avanço para a proteção da dignidade da pessoa portadora de ausência ou
disfunção de uma estrutura psíquica, fisiológica ou anatômica. As inovações
buscam e retratam a evolução pela inclusão social e ao direito à cidadania
plena e afetiva.
Sua natureza
incorpora um novo modelo social alvidrado pelos direitos humanos que é a
reabilitação da própria sociedade, visando, assim, minorar as barreiras de
exclusão e incluir o deficiente na comunidade, garantindo-lhe uma vida
independente, com igualdade no exercício da capacidade jurídica.
Cumpre destacar os
arts. 6º e 84 do referido diploma legal, que atestam que a deficiência não
afeta a plena capacidade civil das pessoas, inclusive para I - casar-se e
constituir união estável; II - exercer direitos sexuais e reprodutivos; III -
exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a
informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV - conservar
sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; V - exercer o
direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI - exercer o
direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando,
em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
Dispõe o art. 84
que “A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua
capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas”. Por conseguinte, em seu art. 114, o Estatuto altera diversos
artigos do Código Civil, remodelando consubstancialmente a teoria das
incapacidades, uma vez que passou a declarar apenas
uma hipótese de incapacidade absoluta: os menores de 16 anos, inexistindo,
portanto, no Ordenamento Pátrio, pessoa maior absolutamente incapaz. Em
síntese, os arts. 3º e 4º do Código Civil sofreram as principais
modificações.
Destaca-se, ainda,
que os dispositivos da referida lei retiraram do rol de relativamente incapazes
os portadores de deficiência mental e os excepcionais sem desenvolvimento
completo, mantidos: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II –
os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; III – aqueles que, por causa
transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; e IV – os
pródigos.
Aqueles antes
vistos como “interditos”, “sujeitos irrecuperáveis”, ou ainda, “que por
enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para
a prática” dos atos da vida civil, saíram do rol de absolutamente para o de
relativamente incapazes, em uma tentativa de
conceber a tão afamada inclusão social.
As
pessoas antes sujeitas à interdição em razão de enfermidade ou deficiência
passam, por força da nova lei, a serem consideradas plenamente capazes. Essa garantia reconhece uma presunção geral de plena
capacidade a favor das pessoas com deficiência, o que somente por meio de
relevante inversão probatória sucederia à incapacidade, excepcional e
amplamente justificada. Inexistindo para estes, ressalta-se, a incapacidade
absoluta.
Nesse
passo, o Estatuto inova no instituto da Curatela, que reconhece o direito da
pessoa com deficiência ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de
condições com as demais pessoas, passando a ter o caráter de medida
excepcional, extraordinária, devendo ser adotada somente quando e na medida em
que for necessária.
Tanto
é assim que restaram revogados os incisos I, II e IV do artigo 1.767 do Código
Civil, em que se afirmava que os portadores de transtorno mental estariam
sujeitos à curatela.
O
deficiente, o enfermo ou o excepcional, sendo pessoa plenamente capaz, poderá
celebrar negócios jurídicos sem qualquer restrição,
pois não mais se aplicam as invalidades previstas nos artigos 166, I e
171, I do Código Civil.
A
interdição foi outro instituto que também sofreu consideráveis mudanças. A Lei
nº 13.046/2015 alterou o artigo 1.768 do Código
Civil, deixando de mencionar que "a interdição será promovida",
passando a enunciar que "o processo que define os termos da curatela deve
ser promovido", incluindo a própria pessoa a ser objeto da medida como
legitimada para tanto.
A
referida lei incluiu também o instituto jurídico da Tomada de Decisão, que será
devidamente tratado em artigo posterior.
Concernente
à plena capacidade civil e ao casamento, o Estatuto revogou o inciso I do
artigo 1.548 do Código Civil, que previa ser
nulo o casamento do “enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos
da vida civil”. Portanto, não podem os deficientes ser alijados da formação de
família por meio do casamento ou mesmo da união estável.
Ainda
na seara da celebração do casamento, anterior à vigência da Lei nº 13.146/2015
não era possível realizar casamento de pessoas com deficiência, por ser vedado
expressamente em lei, limitando, assim, o direito à igualdade e afetividade,
pois eram considerados plenamente incapazes de realizar o matrimônio, uma vez
que, dentre os requisitos desse, é essencial a mútua assistência. Tomando-se
por base tais alterações, não há mais que se falar em impedimentos para os
deficientes em constituir união estável ou celebrar casamento, permitindo a
expectativa de inclusão social, uma vez que a incapacidade antes prevista, não
mais possui aplicabilidade.
A
nova estruturação do regime jurídico das incapacidades repercutiu diretamente
na aplicação do instituto da prescrição contra as pessoas com deficiência. Isso
porque o art. 198, I do Código Civil estabelece que não corre a prescrição
"contra os incapazes de que trata o art. 3º". Dessa forma, aqueles
que não tinham discernimento para a prática dos atos civis e os
impossibilitados de exprimir sua vontade eram beneficiados com o impedimento ou
a suspensão do curso do prazo prescricional. A partir da edição da Lei nº
13.146/2015, somente os menores impúberes é que estariam contemplados com a
regra protetiva do art. 198, I, do aludido Código, já que os demais deixaram de
compor o rol de seu art. 3º.
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