Anelise Santos Guimarães
Falconi
Advogada Sócia do Homero Costa Advogados
Em 15 de abril de 2016, foi promulgada a Lei no
13.271, que dispõe sobre a proibição de revista
íntima de funcionárias, nos locais de trabalho.
O art. 1º desta Lei proíbe as empresas privadas, os
órgãos e entidades da administração pública, direta e indireta, de adotar
qualquer prática de revista íntima de suas funcionárias e de clientes do sexo
feminino.
Conforme disposto no art. 2º e incisos, o
descumprimento desta norma implica no pagamento de multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) ao empregador,
revertidos aos órgãos de proteção dos direitos da mulher e, no caso de
reincidência, multa em dobro do retro citado valor, independentemente da
indenização por danos morais e materiais e sanções de ordem penal.
No âmbito do Direito do Trabalho,
entendemos que o principal fundamento desta norma é a preservação da intimidade
e da dignidade humana, tendo em vista que, no Brasil, os direitos fundamentais estão presentes no campo da regulação das
relações trabalhistas - individuais e coletivas. Na lição de José Afonso da Silva, os direitos e garantias
fundamentais “são aquelas prerrogativas e instituições que o Direito Positivo
concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as
pessoas” (1)
Empregado e empregador são titulares de
direitos e obrigações. A Constituição Federal assegura ao empregador o direito
à propriedade e a CLT lhe confere o poder diretivo, pelo qual conduz e orienta
o trabalho e seus empregados. Entretanto, o poder de direção do empregador não
é ilimitado e está adstrito às garantias constitucionais, bem como aos limites
previstos pelo art. 187, do Código Civil de 2002, bem como pelo art. 8º,
parágrafo único da CLT.
Entre
os abusos coibidos pela legislação pátria, encontra-se a revista íntima. Considera-se revista íntima a coerção
para se despir ou qualquer ato de molestamento físico que exponha o corpo.
Nesse contexto, os Tribunais Regionais do Trabalho e, inclusive, o Superior
Tribunal do Trabalho, entendem que se houver revista íntima, cabe indenização
por danos morais.
Na verdade, a Lei 13.271/2016 parece não
trazer nenhuma novidade, uma vez que o inciso VI, do art. 373-A, da CLT, já
prevê que é vedado “proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas
empregadas ou funcionárias.”
É importante esclarecer, entretanto, que o
empregador, no exercício do seu poder diretivo, pode proceder à revista de seus
funcionários, desde que tal revista não seja íntima. Ou seja, a revista deve, sempre, respeitar a intimidade, a honra
e a imagem dos empregados. Sob esse prisma, a recentíssima jurisprudência do
Superior Tribunal do Trabalho é no sentido de que “as
revistas feitas no ambiente da empresa, como forma
de garantia do patrimônio do empregador, quando realizadas dentro de limites
que garantam a dignidade do trabalhador, evitando formas vexatórias de revistas
ou ainda maneiras humilhantes diante de seus colegas, mostra-se dentro do
lícito poder diretivo do empregador.” (2)
É frágil e sutil o liame entre o exercício
do direito diretivo e de fiscalização e a violação de direitos individuais e
fundamentais. Assim, havendo conflito entre a medida adotada – ou a ser adotada
pelo empregador, e os direitos fundamentais, há de ser observado o princípio da
proporcionalidade, para que tal medida seja adequada, necessária e proporcional
ao seu objetivo. Dessa forma, haverá, sempre, uma harmonia entre os direitos
individuais e fundamentais do empregado e o direito diretivo do empregador.
Certo é que, exatamente em respeito aos princípios
fundamentais e para o fim de se evitar alegações de abuso, a revista deve ser a
última opção. Ademais, vivemos em uma sociedade altamente tecnológica e,
portanto, é possível a utilização de detectores de metais ou uniformes que
dificultem a subtração ou ocultação de qualquer objeto, como métodos
alternativos para possibilitar a fiscalização dos empregados e a manutenção do
patrimônio.
Importante lembrar, contudo, que a
Constituição Federal de 1988 não distingue homens e mulheres. Destarte, a Lei
13.271/2016, ou qualquer outra norma que restringe às mulheres a proibição da
revista íntima, sem justificativa plausível, pode ter sua constitucionalidade
discutida.
Conclui-se, portanto, que a forma de
preservação do patrimônio patronal não pode violar direitos fundamentais
inerentes ao empregado, sendo imprescindível o exame do caso concreto, para se aferir a existência de lesão ou não aos
direitos fundamentais.
*(1) Curso de Direito Constitucional Positivo. Ed
Malheiros, São Paulo, 15ª Ed., 1998.
(2) RR - 938-16.2010.5.09.0245, Data de
Julgamento: 20/04/2016, Relator Ministro: Alexandre de Souza
Agra Belmonte, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/04/2016.)
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