sexta-feira, 29 de abril de 2016

O Exercício do Poder Diretivo e de Fiscalização do Empregador e a Proibição da Revista Íntima de Funcionárias do Sexo Femino


Anelise Santos Guimarães Falconi
Advogada Sócia do Homero Costa Advogados

Em 15 de abril de 2016, foi promulgada a Lei no 13.271, que dispõe sobre a proibição de revista íntima de funcionárias, nos locais de trabalho.
O art. 1º desta Lei proíbe as empresas privadas, os órgãos e entidades da administração pública, direta e indireta, de adotar qualquer prática de revista íntima de suas funcionárias e de clientes do sexo feminino.
Conforme disposto no art. 2º e incisos, o descumprimento desta norma implica no pagamento de multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) ao empregador, revertidos aos órgãos de proteção dos direitos da mulher e, no caso de reincidência, multa em dobro do retro citado valor, independentemente da indenização por danos morais e materiais e sanções de ordem penal.
No âmbito do Direito do Trabalho, entendemos que o principal fundamento desta norma é a preservação da intimidade e da dignidade humana, tendo em vista que, no Brasil, os direitos fundamentais estão presentes no campo da regulação das relações trabalhistas - individuais e coletivas. Na lição de José Afonso da Silva, os direitos e garantias fundamentais “são aquelas prerrogativas e instituições que o Direito Positivo concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas” (1)
Empregado e empregador são titulares de direitos e obrigações. A Constituição Federal assegura ao empregador o direito à propriedade e a CLT lhe confere o poder diretivo, pelo qual conduz e orienta o trabalho e seus empregados. Entretanto, o poder de direção do empregador não é ilimitado e está adstrito às garantias constitucionais, bem como aos limites previstos pelo art. 187, do Código Civil de 2002, bem como pelo art. 8º, parágrafo único da CLT.
Entre os abusos coibidos pela legislação pátria, encontra-se a revista íntima. Considera-se revista íntima a coerção para se despir ou qualquer ato de molestamento físico que exponha o corpo. Nesse contexto, os Tribunais Regionais do Trabalho e, inclusive, o Superior Tribunal do Trabalho, entendem que se houver revista íntima, cabe indenização por danos morais.
Na verdade, a Lei 13.271/2016 parece não trazer nenhuma novidade, uma vez que o inciso VI, do art. 373-A, da CLT, já prevê que é vedado “proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.”
É importante esclarecer, entretanto, que o empregador, no exercício do seu poder diretivo, pode proceder à revista de seus funcionários, desde que tal revista não seja íntima. Ou seja, a revista deve, sempre, respeitar a intimidade, a honra e a imagem dos empregados. Sob esse prisma, a recentíssima jurisprudência do Superior Tribunal do Trabalho é no sentido de que “as revistas feitas no ambiente da empresa, como forma de garantia do patrimônio do empregador, quando realizadas dentro de limites que garantam a dignidade do trabalhador, evitando formas vexatórias de revistas ou ainda maneiras humilhantes diante de seus colegas, mostra-se dentro do lícito poder diretivo do empregador.” (2)
É frágil e sutil o liame entre o exercício do direito diretivo e de fiscalização e a violação de direitos individuais e fundamentais. Assim, havendo conflito entre a medida adotada – ou a ser adotada pelo empregador, e os direitos fundamentais, há de ser observado o princípio da proporcionalidade, para que tal medida seja adequada, necessária e proporcional ao seu objetivo. Dessa forma, haverá, sempre, uma harmonia entre os direitos individuais e fundamentais do empregado e o direito diretivo do empregador.
Certo é que, exatamente em respeito aos princípios fundamentais e para o fim de se evitar alegações de abuso, a revista deve ser a última opção. Ademais, vivemos em uma sociedade altamente tecnológica e, portanto, é possível a utilização de detectores de metais ou uniformes que dificultem a subtração ou ocultação de qualquer objeto, como métodos alternativos para possibilitar a fiscalização dos empregados e a manutenção do patrimônio.
Importante lembrar, contudo, que a Constituição Federal de 1988 não distingue homens e mulheres. Destarte, a Lei 13.271/2016, ou qualquer outra norma que restringe às mulheres a proibição da revista íntima, sem justificativa plausível, pode ter sua constitucionalidade discutida.
Conclui-se, portanto, que a forma de preservação do patrimônio patronal não pode violar direitos fundamentais inerentes ao empregado, sendo imprescindível o exame do caso concreto, para se aferir a existência de lesão ou não aos direitos fundamentais.



*(1) Curso de Direito Constitucional Positivo. Ed Malheiros, São Paulo, 15ª Ed., 1998.


(2) RR - 938-16.2010.5.09.0245, Data de Julgamento: 20/04/2016, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/04/2016.)

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