quinta-feira, 13 de junho de 2024

SOCIEDADES DE ADVOGADOS: EXPECTATIVAS E CONTRAPARTIDAS

 

Stanley Martins Frasão

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

 

O CESA Centro de Estudos de Sociedades de Advogados, em 2023, durante a Conferência Nacional da Advocacia, realizada em Belo Horizonte, lançou o Manual de Governança Corporativa para Sociedades de Advogados, que foi produzido pelo CADEP - Comitê de Administração e Ética Profissional do CESA ( https://cesa.org.br/comite/administracao-e-etica/ ).

 

Após uma nova leitura do Manual, em uma Sociedade de Advogados, ressalvando-se os tamanhos e quantidade de sócios, as expectativas e as contrapartidas dos sócios podem variar amplamente dependendo da estrutura e dos objetivos da Sociedade.

 

Abaixo, detalho alguns dos principais aspectos que podem ser esperados e oferecidos em contrapartida pelos sócios em uma Sociedade de Advogados:

 

Expectativas dos Sócios:

 

  1. Contribuições Financeiras:
    • Capital Inicial: Espera-se que os sócios contribuam com um capital inicial para a formação da Sociedade.
    • Aportes Adicionais: Em situações de necessidade, como expansão ou crises financeiras, pode ser necessário que os sócios façam aportes adicionais.

 

  1. Contribuições de Trabalho:
    • Atuação Profissional: Espera-se que os sócios atuem ativamente na prestação de serviços jurídicos, trazendo sua expertise e experiência para a Sociedade.
    • Gestão e Administração: Os sócios podem ser responsáveis por funções administrativas, como gestão de pessoal, marketing, finanças e desenvolvimento de negócios.

 

  1. Prospecção de Clientes:
    • Networking: Utilização de suas redes de contatos para prospectar novos clientes e expandir a carteira de clientes da Sociedade.
    • Reputação: Manutenção e melhoria da reputação da Sociedade através de um trabalho ético e de alta qualidade.

 

  1. Desenvolvimento Profissional:
    • Capacitação: Participação em cursos, seminários e outras formas de capacitação para manter-se atualizado com as mudanças na legislação e práticas jurídicas.
    • Mentoria: Orientação e treinamento de advogados mais jovens e estagiários dentro da Sociedade.

 

Contrapartidas Oferecidas aos Sócios:

 

  1. Participação nos Lucros:
    • Distribuição de Lucros: Os sócios têm direito a uma participação proporcional nos lucros da sociedade, conforme estabelecido no Contrato Social e ou Acordo de Quotistas.
    • Bonificações: Em alguns casos, podem ser oferecidas bonificações adicionais com base no desempenho individual ou da sociedade.

 

  1. Poder de Decisão:
    • Voto em Decisões Estratégicas: Os sócios têm direito a participar e votar em decisões estratégicas da Sociedade, como expansão, fusões, aquisições e mudanças na estrutura organizacional.
    • Autonomia: Dependendo da estrutura da Sociedade, os sócios podem ter autonomia para tomar decisões em suas áreas de atuação.

 

  1. Benefícios e Incentivos:
    • Benefícios: Podem incluir planos de saúde, previdência privada, participação em eventos e conferências, entre outros.
    • Incentivos: Programas de incentivo, como participação em lucros e bônus por desempenho, podem ser oferecidos para motivar e reter talentos.

 

  1. Desenvolvimento Profissional e Pessoal:
    • Oportunidades de Crescimento: A Sociedade pode oferecer oportunidades de crescimento profissional, como a possibilidade de se tornar sócio sênior ou assumir cargos de liderança.
    • Ambiente de Trabalho: Um ambiente de trabalho colaborativo e de apoio, que promova o desenvolvimento contínuo e a satisfação profissional.

 

  1. Recursos e Infraestrutura:
    • Infraestrutura: Acesso a uma infraestrutura adequada, incluindo escritórios bem equipados, tecnologia de ponta e suporte administrativo.
    • Recursos Humanos: Suporte de uma equipe de advogados, paralegais e outros profissionais para auxiliar no trabalho jurídico.

 

Estabelecidas as contrapartidas, abordar-se-á as questões práticas, desafios comuns e estratégias para garantir uma parceria bem-sucedida.

 

Estruturação da Sociedade de Advogados

 

1. Contrato Social e Acordo de Sócios

  • Contrato Social: Documento fundamental que estabelece as regras básicas da Sociedade, incluindo a divisão de lucros, responsabilidades, aportes de capital e procedimentos para admissão e saída de sócios.
  • Acordo de Sócios: Complementa o Contrato Social, detalhando aspectos como cláusulas de não concorrência, políticas de retirada, mecanismos de resolução de conflitos e critérios de avaliação de desempenho.

 

 

 

2. Governança Corporativa

  • Conselho de Administração: Em Sociedades maiores, pode ser útil ter um Conselho de Administração para supervisionar a gestão e tomar decisões estratégicas.
  • Comitês: Criação de Comitês específicos (financeiro, de ética, de desenvolvimento de negócios) para tratar de questões específicas e melhorar a governança.

 

Desafios Comuns e Soluções

 

1. Conflitos entre Sócios

  • Causas: Diferenças de opinião sobre a direção da Sociedade, distribuição de lucros, carga de trabalho e estilo de gestão.
  • Soluções: Estabelecimento de mecanismos claros de resolução de conflitos, como mediação e arbitragem, e a criação de um ambiente de comunicação aberta e transparente.

 

2. Desempenho Desigual

  • Causas: Diferenças na contribuição de trabalho, prospecção de clientes e desempenho financeiro entre os sócios.
  • Soluções: Implementação de sistemas de avaliação de desempenho e políticas de compensação que reflitam a contribuição individual de cada sócio.

 

3. Retenção de Talentos

  • Causas: Insatisfação com a cultura da Sociedade, falta de oportunidades de crescimento e desequilíbrio entre vida pessoal e profissional.
  • Soluções: Desenvolvimento de programas de mentoria, oportunidades de capacitação contínua, e políticas de equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

 

Estratégias para uma Parceria Bem-Sucedida

 

1. Planejamento Estratégico

  • Visão e Missão: Definição clara da visão e missão da Sociedade para alinhar os objetivos dos sócios.
  • Metas e Objetivos: Estabelecimento de metas e objetivos de curto, médio e longo prazo, com planos de ação específicos para alcançá-los.

 

2. Desenvolvimento de Negócios

  • Marketing e Branding: Investimento em marketing e branding para aumentar a visibilidade da Sociedade e atrair novos clientes.
  • Networking: Participação em eventos, associações profissionais e outras atividades de networking para expandir a rede de contatos.

 

3. Tecnologia e Inovação

  • Automação de Processos: Utilização de tecnologia para automatizar processos administrativos e jurídicos, aumentando a eficiência.
  • Ferramentas de Gestão: Implementação de ferramentas de gestão de projetos e casos para melhorar a organização e a colaboração.

 

4. Cultura Organizacional

  • Valores e Princípios: Promoção de uma cultura organizacional baseada em valores e princípios éticos.
  • Ambiente de Trabalho: Criação de um ambiente de trabalho positivo e colaborativo, que incentive a inovação e o desenvolvimento profissional.

 

Exemplos de Contrapartidas Específicas

 

1. Participação em Decisões Estratégicas

  • Voto em Assembleias: Direito de voto em Assembleias Gerais e Reuniões de sócios para decisões estratégicas.
  • Comitês de Decisão: Participação em Comitês de decisão, como Comitês de Contratação, de Desenvolvimento de Negócios e de Tecnologia.

 

2. Benefícios e Incentivos

  • Planos de Saúde e Previdência: Oferecimento de planos de saúde e previdência privada como benefícios adicionais.
  • Bônus por Desempenho: Programas de bônus baseados no desempenho individual e da Sociedade.
  • Seguros: de Vida e de Sucessão.

 

3. Desenvolvimento Profissional

  • Capacitação Contínua: Acesso a programas de capacitação contínua, como cursos, seminários e workshops.
  • Mentoria e Coaching: Programas de mentoria e coaching para desenvolvimento de habilidades profissionais e pessoais.

 

Conclusão

 

A criação e manutenção de uma Sociedade de Advogados bem-sucedida requer um equilíbrio cuidadoso entre as expectativas e contrapartidas dos sócios, sendo fundamental para o sucesso e a longevidade da Sociedade.

 

É essencial que essas expectativas e contrapartidas sejam claramente definidas e acordadas no Contrato Social e em outros documentos internos da Sociedade.

 

A transparência, a comunicação aberta e a colaboração são fundamentais para uma parceria bem-sucedida e para a criação de um ambiente de trabalho produtivo e harmonioso, visando garantir que todos os sócios estejam alinhados com os objetivos da Sociedade e comprometidos com seu sucesso.

 

A implementação de boas práticas de governança, a promoção de uma cultura organizacional positiva e o investimento em desenvolvimento profissional são estratégias essenciais para alcançar esse equilíbrio e garantir a longevidade e prosperidade da Sociedade.

INTERESSES QUE MOVEM AS RELAÇÕES HUMANAS

  

Stanley Martins Frasão

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

As relações humanas são um reflexo complexo dos diversos interesses que movem indivíduos e grupos ao longo da história. Esses interesses interagem e moldam as conexões entre as pessoas e a sociedade, com a presença tanto da boa-fé quanto da má-fé, dentro do emaranhado de interesses que se entrecruzam e definem a dinâmica social.

 

Interesses Emocionais

 

Os interesses emocionais estão no cerne das relações humanas. Afeto, amor, amizade e a necessidade de pertencimento são forças poderosas que impulsionam o comportamento humano. Desde a infância, as conexões emocionais com os pais e familiares moldam nossa capacidade de formar relações futuras. Na vida adulta, essas conexões se expandem para amizades, relacionamentos românticos e parcerias de vida, inclusive profissionais. A busca por apoio emocional, compreensão e conexão autêntica é uma constante nas interações humanas, influenciando decisões e comportamentos. (https://homerocosta.blogspot.com/2023/09/os-vinculos-humanos-relacoes-definidas.html).

 

No entanto, essa perspectiva pode negligenciar como esses mesmos sentimentos podem ser manipulados ou se tornarem fontes de dependência e conflito. A idealização das relações emocionais ignora as dinâmicas de poder e as desigualdades que podem surgir dentro desses vínculos, sugerindo uma visão romântica que nem sempre corresponde à realidade.

 

Interesses Sociais

 

Os interesses sociais envolvem a necessidade de aceitação, status e integração em grupos. Ser parte de uma comunidade, um grupo de amigos ou de uma organização oferece um sentido de identidade e segurança. As normas sociais e expectativas de comportamento são moldadas por esses interesses. O desejo de ser respeitado e valorizado dentro de um grupo pode levar a comportamentos conformistas, mas também pode impulsionar inovações e mudanças sociais, quando indivíduos buscam reconhecimento por suas contribuições únicas.

 

Ao abordar os interesses sociais, reconhece-se a necessidade humana de aceitação e integração. A pressão para se conformar às expectativas do grupo pode levar à supressão da individualidade e à perpetuação de normas sociais prejudiciais. (https://homerocosta.blogspot.com/2023/10/espiral-do-silencio.html). Além disso, a valorização do status social pode reforçar estruturas de desigualdade e exclusão.

 

Interesses Econômicos

 

Embora muitas vezes vistos sob uma luz negativa, os interesses econômicos são fundamentais para a sobrevivência e o bem-estar. A busca por estabilidade financeira, prosperidade e segurança material influencia muitas das escolhas que fazemos. As relações profissionais, parcerias de negócios e até alguns aspectos das relações pessoais podem ser fortemente influenciados por considerações econômicas. O apoio financeiro, a colaboração em projetos econômicos e a gestão conjunta de recursos são aspectos importantes das relações humanas.

Os interesses econômicos são apresentados como essenciais para a sobrevivência e bem-estar, mas essa visão pode ser redutora. A competição por recursos pode intensificar desigualdades e conflitos, enquanto a colaboração econômica é muitas vezes limitada por interesses próprios e desequilíbrios de poder. A relação entre economia e relações humanas é mais ambígua e conflituosa do que este artigo sugere. (https://homerocosta.blogspot.com/2023/07/o-conflito-etico-da-sociedade-moderna.html).

 

Interesses Políticos

 

As relações humanas também são moldadas por interesses políticos. Desde a micro-política das dinâmicas familiares até as macro-políticas das relações internacionais, o poder e a influência são componentes essenciais das interações humanas. As alianças, os conflitos e as negociações são muitas vezes movidos por interesses em exercer poder ou influenciar decisões. A liderança dentro de grupos sociais, a mobilização para causas comuns e a formação de coalizões são expressões desses interesses.

 

A análise dos interesses políticos destaca a importância do poder e influência. No entanto, a discussão poderia beneficiar-se de uma crítica mais profunda sobre como o desejo de poder pode corromper ou distorcer relações, levando a abusos e injustiças. ( https://homerocosta.blogspot.com/2023/12/poder-chave-oculta-da-verdadeira.html ) A política nas relações humanas não é apenas sobre liderança e mobilização, mas também sobre manipulação, coerção e resistência.

 

Interesses Culturais

 

A cultura, que inclui valores, crenças, tradições e práticas, também desempenha um papel crucial nas relações humanas. Os interesses culturais podem unir indivíduos através de uma identidade compartilhada e valores comuns, mas também podem ser fonte de conflito quando há choque de culturas. A preservação de tradições, a promoção de uma língua ou a defesa de práticas culturais são manifestações desses interesses. Em um mundo globalizado, o intercâmbio cultural tem o potencial de enriquecer as relações humanas, mas também para homogeneizar e apagar identidades culturais, criando novas formas de exclusão e resistência.

 

Interseção dos Interesses

 

Raramente os interesses humanos operam de forma isolada. Em vez disso, eles se entrelaçam e influenciam uns aos outros. Por exemplo, um interesse econômico pode ter um componente emocional (como o desejo de prover para a família), enquanto interesses políticos podem ser impulsionados por valores culturais. Essa interseção cria um panorama dinâmico e multifacetado das relações humanas, onde diferentes interesses podem se complementar ou entrar em conflito.

 

Os interesses humanos são interconectados e multifacetados, uma visão que merece ser aprofundada. As interseções entre diferentes tipos de interesses podem ser fontes de conflito e negociação, refletindo a complexidade das relações humanas. Essas interseções criam espaços para resistência, mudança e redefinição de relações de poder. (https://homerocosta.blogspot.com/2023/12/poder-chave-oculta-da-verdadeira.html).

 

Os interesses que movem as relações humanas são diversos e interconectados. Emocionais, sociais, econômicos, políticos e culturais, esses interesses formam a base sobre a qual construímos nossas interações e conexões com os outros. As relações humanas são marcadas por ambiguidades, conflitos e constantes negociações de poder. Reconhecer e explorar essas complexidades é crucial para uma compreensão mais profunda e crítica das dinâmicas sociais, essencial para navegar e nutrir as relações humanas, promovendo uma sociedade mais harmoniosa e cooperativa.

O STJ E A APLICAÇÃO DA COISA JULGADA PARCIAL EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

 

Gustavo Pires Maia da Silva

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

 

A coisa julgada parcial, inserida pelo Código de Processo Civil de 2015, emprega-se nas hipóteses cuja decisão de mérito se deu na vigência do novo Código.

 

Mediante decisão unânime, proferida no REsp nº 2.038.959, os Ministros da 2ª Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça reconheceram a coisa julgada parcial, autorizando o contribuinte excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS e permanecer esperando o julgamento em repercussão geral, a respeito do ISS na base das contribuições. Imperou o ponto de vista do Ministro Relator, Herman Benjamin, de que a coisa julgada parcial, posta pelo Artigo 356 do CPC, utiliza-se nos casos cuja decisão de mérito ocorreu na vigência do novo Código.

 

O princípio da coisa julgada parcial apoia-se na compreensão de que a coisa julgada se forma de maneira progressiva, ou seja, não é necessário aguardar o trânsito em julgado do processo em sua plenitude. Em relação ao ICMS na base das contribuições, existe decisão do Supremo Tribunal Federal, que decretou o Tema 69, propiciando a sua eliminação da base de cálculo do PIS e da COFINS. Vale esclarecer que, o STF ainda não julgou o Tema 118, que determinará se o ISS integra a base das contribuições.

 

Restou derrotado o entendimento da Fazenda Nacional, que solicitava que a coisa julgada parcial fosse aplicável apenas nos casos em que as ações foram ajuizadas na vigência do CPC de 2015. O Procurador Leonardo Quintas Furtado, mandatário da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, justificou na defesa oral que a coisa julgada progressiva ou parcial não era aplicável ao caso concreto, porque tratava-se de uma ação coletiva proposta no ano de 2010.

 

Para o Procurador da Fazenda Nacional, nessa circunstância, deveriam ser aplicadas as disposições do Código de Processo Civil de 1973, quando estava vigente a unicidade do julgamento. Ou seja, só se levava em conta que havia formação de coisa julgada quando definidas todas as questões abordadas no processo.

 

“A Fazenda defende que as novas regras, da coisa julgada parcial, se aplicam apenas aos processos ajuizados na vigência do atual código”, declarou o Procurador. De acordo com ele, os fundamentos para o entendimento são o Artigo 14 do CPC, que proíbe a aplicação retroativa da lei processual, e o Artigo 23 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que anuncia uma regra de transição quando houver orientação ou interpretação nova.

 

Não obstante o entendimento da Fazenda Nacional, o Ministro Herman Benjamin, Relator, proclamou que o novo CPC, ao trazer a coisa julgada progressiva, privilegiou a efetividade da prestação jurisdicional e a duração razoável do processo. “No caso dos autos, a decisão que reformou a sentença e concedeu a apelação no mandado de segurança coletivo deu-se na vigência do CPC de 2015, assim como seu trânsito em julgado, quando não mais vigorava o princípio da unicidade de julgamento”.

 

Para o Ministro Herman Benjamin, diante disso, é “plenamente possível a execução do capítulo da sentença que trata do direito de exclusão do ICMS sobre PIS e Cofins”. Os demais Ministros seguiram de forma unânime o entendimento.

 

 

PROVAS DIGITAIS - GEOLOCALIZAÇÃO – PROCESSO DO TRABALHO

 

 

Orlando José de Almeida

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

 

 

Em 17/05/2024 foi publicada notícia no site do Tribunal Superior do Trabalho - TST, referente ao julgamento proferido nos autos do processo ROT-23218-21.2023.5.04.0000.

 

A matéria foi intitulada “TST valida geolocalização como prova digital de jornada de bancário”, sendo nela indicado que “o processo ficará em segredo de justiça”. Com efeito, o acesso ao conteúdo do acordão, quando de sua publicação, não será franqueado. 

 

A questão em análise decorre da quebra de sigilo de dados por intermédio de tecnologias GPS, Bluetooth, sinal Wi-Fi, torres de celular e outras, com a finalidade de buscar o histórico de localização geográfica de determinada pessoa.

 

A utilização da prova digital de geolocalização no processo do trabalho tem gerado grandes controvérsias, no que diz respeito às interpretações de disposições previstas em nossa legislação, notadamente constitucionais.

 

Uma corrente é contrária ao fundamento principal de que a utilização desse meio de prova viola os direitos constitucionais à privacidade e à intimidade (art. 5º, X, da CF), bem como o de sigilo e proteção de dados pessoais, inclusive nos meios digitais (art. 5º, XII e LXXIX, este último com redação dada pela Emenda Constitucional nº 115/2022).

 

E, ainda, entendem que vulnera a Lei 13.709/2018 - Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) – ao estabelecer que a proteção dos dados pessoais tem como fundamento o respeito à privacidade e à inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem (art. 2º, incisos I e IV), salvo em caso de consentimento do titular (art. 7º, I).

Para outra corrente o deferimento desta prova, que é mais um meio de busca da verdade real será permitido, quando a parte assim requerer.

 

O consentimento do titular é dispensável nos termos do art. 7º, VI, da Lei 13.709, se o acesso aos seus dados pessoais objetivarem "o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral”.

 

Sustentam que a vedação da prova não poderá prevalecer, sob pena de violação aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, consagrados nos incisos LIV e LV, do art. 5º, da Constituição Federal.

 

Asseveram também que o art. 765, da CLT, assegura aos julgadores “ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas” e o art. 369, do CPC, preconiza que “as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.” Exemplificativamente, confira-se a seguinte decisão:

 

NULIDADE DO JULGADO. PROVA DIGITAL. INDEFERIMENTO. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. CONFIGURAÇÃO. Configura cerceio de defesa o indeferimento de produção de prova digital (posts de geolocalização), quando a discussão dos autos envolve matéria controvertida, relativa à ultrapassagem da jornada de trabalho sem a anotação respectiva, desconsiderando os controles de ponto que contemplam registros após o horário declinado na inicial. Assim, devem os autos retornar à instância de origem para reabertura da instrução processual e prolação de nova sentença. (Acórdão TRT-11 - 2632420215110015, publicado em 18/08/2022).

 

Já a corrente intermediária posiciona no sentido de que o deferimento desse meio de prova deve ser avaliado caso a caso, resguardando-se ao máximo os direitos à privacidade e à intimidade daquele, cuja prova será produzida, razão pela qual o seu uso não deve ser autorizado de forma indiscriminada ou sem uma plausível justificativa.

Nessa hipótese, recomenda-se que a prova seja adotada excepcionalmente, esgotando-se a utilização de outros meios legais e legítimos para fazer prova da pretensão buscada, sendo mantido o processo em segredo de justiça, naturalmente.

 

Nessa linha é o que pode ser deduzido do seguinte jugado:

 

PROVA. GEOLOCALIZAÇÃO DO TRABALHADOR. JORNADA DE TRABALHO. LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS (LEI Nº 13.709 /2018). A prova que se pretende produzir com a "geolocalização" do trabalhador consiste "dado pessoal" que, nos termos do art. 5º, I, da Lei 13.709 /2018 é a "informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável". De acordo com o art. 7º, I, da Lei 13.709 /2018, o fornecimento dos dados pessoais somente poderá ser realizado, mediante o expresso consentimento do titular, o que, no caso, não se confirmou. O consentimento do titular será dispensável, em tese, nos termos do mesmo art. 7º, IV, da referida lei, se o acesso aos seus dados pessoais objetivarem "o exercício regular de direitos" do reclamado. Não haverá, entretanto, exercício regular de direitos do reclamado sobre a geolocalização do trabalhador para aferição da jornada de trabalho, por ausência de previsão legal, porque a lei trabalhista prevê que se comprove jornada de trabalho por meio de "registro manual, mecânico ou eletrônico" (CLT, art. 74, § 2º). Nesse sentido, inclusive, é a Súmula 338 do TST. Se o acesso a dados pessoais do reclamante não permite o exercício regular de direitos do reclamado, não é possível o deferimento da prova requerida, sob pena de violação ao art. art. 7º, VI, da Lei 13.709 /2018. (Acórdão TRT-9 - Recurso Ordinário Trabalhista: ROT 295520195090019, publicado em 05/07/2023). (Destacamos).

 

Retornando à notícia publicada em 17/05/2024, nela foi realçado que no julgamento, “por maioria de votos, a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho cassou liminar que impedia que o Banco Santander S.A. utilizasse prova digital de geolocalização para comprovar jornada de um bancário de Estância Velha (RS)”, que segundo o Banco exercia o cargo de gerente e, portanto, não estava sujeito ao registro da jornada de trabalho.

 

Consta da matéria que o ministro Relator Amaury Rodrigues “considerou a geolocalização do aparelho celular adequada como prova, porque permite saber onde estava o trabalhador durante o alegado cumprimento da jornada de trabalho por meio do monitoramento de antenas de rádio-base. A medida é proporcional, por ser feita com o menor sacrifício possível ao direito à intimidade. O ministro lembrou que a diligência coincide exatamente com o local onde o próprio trabalhador afirmou estar, e só se poderia cogitar em violação da intimidade se as alegações não forem verdadeiras. Quanto à legalidade da prova, o relator destacou que não há violação de comunicação, e sim de geolocalização. “Não foram ouvidas gravações nem conversas”, ressaltou. Em seu voto, o ministro lembra que a Justiça do Trabalho capacita os juízes para o uso de tecnologias e utiliza um sistema (Veritas) de tratamento dos relatórios de informações quanto à geolocalização, em que os dados podem ser utilizados como prova digital para provar, por exemplo, vínculo de trabalho e itinerário ou mapear eventuais “laranjas” na fase de execução.”

 

Ficaram vencidos os ministros Aloysio Corrêa da Veiga e Dezena da Silva e a desembargadora convocada Margareth Rodrigues Costa, sendo destacado que “para Veiga, a prova de geolocalização deve ser subsidiária, e não principal. No caso, ela foi admitida como primeira prova processual, havia outros meios menos invasivos de provar as alegações do empregado. Na sua avaliação, as vantagens da medida para provar a jornada não superam as suas desvantagens. “A banalização dessa prova de forma corriqueira ou como primeira prova viola o direito à intimidade”, concluiu”.

 

O tema, portanto, é bastante delicado, sendo que várias outras discussões ocorrerão. E devido às questões de natureza constitucional envolvidas e relativas aos direitos fundamentais da pessoa humana inerentes à privacidade e à intimidade, competirá ao Supremo Tribunal Federal apaziguar as controvérsias.