Orlando José de Almeida
Advogado
Sócio de Homero Costa Advogados
Em 17/05/2024 foi publicada notícia no site do
Tribunal Superior do Trabalho - TST, referente ao julgamento proferido nos
autos do processo ROT-23218-21.2023.5.04.0000.
A
matéria foi intitulada “TST valida geolocalização como prova digital de jornada
de bancário”, sendo nela indicado que “o processo ficará em segredo de
justiça”. Com efeito, o acesso ao conteúdo do acordão, quando de sua
publicação, não será franqueado.
A questão
em análise decorre da quebra de sigilo de dados por intermédio de tecnologias
GPS, Bluetooth, sinal Wi-Fi, torres de celular e outras, com a finalidade de
buscar o histórico de localização geográfica de determinada pessoa.
A utilização
da prova digital de geolocalização no processo do trabalho tem gerado grandes
controvérsias, no que diz respeito às interpretações de disposições previstas
em nossa legislação, notadamente constitucionais.
Uma
corrente é contrária ao fundamento principal de que a utilização desse meio de
prova viola os direitos constitucionais à privacidade e à intimidade (art. 5º,
X, da CF), bem como o de sigilo e proteção
de dados pessoais, inclusive nos meios digitais (art. 5º, XII e LXXIX, este
último com redação dada pela Emenda Constitucional nº 115/2022).
E, ainda, entendem que vulnera a Lei 13.709/2018 -
Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) – ao estabelecer que a proteção
dos dados pessoais tem como fundamento o respeito à privacidade e à
inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem (art. 2º, incisos I e IV),
salvo em caso de consentimento do titular (art. 7º, I).
Para outra corrente o deferimento desta prova, que é
mais um meio de busca da verdade real será permitido, quando a parte assim
requerer.
O consentimento do titular é dispensável
nos termos do art. 7º, VI, da Lei 13.709, se o acesso aos seus dados pessoais
objetivarem "o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral”.
Sustentam que a vedação da prova não poderá
prevalecer, sob pena de violação aos princípios do devido processo legal, do
contraditório e da ampla defesa, consagrados nos incisos LIV e LV, do art. 5º,
da Constituição Federal.
Asseveram também que o art. 765, da CLT,
assegura aos julgadores “ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo
andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária
ao esclarecimento delas” e o art. 369, do CPC, preconiza que “as partes
têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente
legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos
fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção
do juiz.” Exemplificativamente, confira-se a seguinte decisão:
NULIDADE DO JULGADO. PROVA DIGITAL.
INDEFERIMENTO. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. CONFIGURAÇÃO. Configura
cerceio de defesa o indeferimento de produção
de prova digital (posts de geolocalização), quando a
discussão dos autos envolve matéria controvertida, relativa à ultrapassagem da
jornada de trabalho sem a anotação respectiva, desconsiderando os controles de
ponto que contemplam registros após o horário declinado na inicial. Assim,
devem os autos retornar à instância de origem para reabertura da instrução
processual e prolação de nova sentença. (Acórdão TRT-11
- 2632420215110015,
publicado em 18/08/2022).
Já a corrente intermediária posiciona no sentido de
que o deferimento desse meio de prova deve ser avaliado caso a caso, resguardando-se
ao máximo os direitos à privacidade e à intimidade daquele, cuja prova será
produzida, razão pela qual o seu uso não deve ser autorizado de forma
indiscriminada ou sem uma plausível justificativa.
Nessa
hipótese, recomenda-se que a prova seja adotada excepcionalmente, esgotando-se
a utilização de outros meios legais e legítimos para fazer prova da pretensão
buscada, sendo mantido o processo em segredo de justiça, naturalmente.
Nessa linha é o que pode ser deduzido do seguinte
jugado:
PROVA. GEOLOCALIZAÇÃO DO TRABALHADOR.
JORNADA DE TRABALHO. LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS (LEI Nº 13.709 /2018).
A prova que se pretende produzir com a "geolocalização" do
trabalhador consiste "dado pessoal" que, nos termos do art. 5º, I, da
Lei 13.709 /2018 é a "informação relacionada a pessoa natural identificada
ou identificável". De acordo com o art. 7º, I, da Lei 13.709 /2018, o
fornecimento dos dados pessoais somente poderá ser realizado, mediante o
expresso consentimento do titular, o que, no caso, não se confirmou. O
consentimento do titular será dispensável, em tese, nos termos do mesmo art.
7º, IV, da referida lei, se o acesso aos seus dados pessoais objetivarem
"o exercício regular de direitos" do reclamado. Não haverá,
entretanto, exercício regular de direitos do reclamado sobre
a geolocalização do trabalhador para aferição da jornada de trabalho,
por ausência de previsão legal, porque a lei trabalhista prevê que se
comprove jornada de trabalho por meio de "registro manual, mecânico ou
eletrônico" (CLT, art. 74, § 2º). Nesse sentido, inclusive, é a Súmula
338 do TST. Se o acesso a dados pessoais do reclamante não permite o exercício
regular de direitos do reclamado, não é possível o deferimento
da prova requerida, sob pena de violação ao art. art. 7º, VI, da Lei
13.709 /2018. (Acórdão TRT-9
- Recurso Ordinário Trabalhista: ROT 295520195090019, publicado em 05/07/2023). (Destacamos).
Retornando à notícia publicada em 17/05/2024, nela
foi realçado que no julgamento, “por maioria de votos, a Subseção
II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do
Trabalho cassou liminar que impedia que o Banco Santander S.A. utilizasse prova
digital de geolocalização para comprovar jornada de um bancário de Estância
Velha (RS)”, que segundo o Banco exercia o cargo de gerente e, portanto, não
estava sujeito ao registro da jornada de trabalho.
Consta da matéria que o ministro Relator Amaury Rodrigues
“considerou a geolocalização do aparelho celular adequada como prova, porque
permite saber onde estava o trabalhador durante o alegado cumprimento da
jornada de trabalho por meio do monitoramento de antenas de rádio-base. A
medida é proporcional, por ser feita com o menor sacrifício possível ao direito
à intimidade. O ministro lembrou que a diligência coincide exatamente com o
local onde o próprio trabalhador afirmou estar, e só se poderia cogitar em
violação da intimidade se as alegações não forem verdadeiras. Quanto à
legalidade da prova, o relator destacou que não há violação de comunicação, e
sim de geolocalização. “Não foram ouvidas gravações nem conversas”, ressaltou.
Em seu voto, o ministro lembra que a Justiça do Trabalho capacita os juízes
para o uso de tecnologias e utiliza um sistema (Veritas) de tratamento dos
relatórios de informações quanto à geolocalização, em que os dados podem ser
utilizados como prova digital para provar, por exemplo, vínculo de trabalho e
itinerário ou mapear eventuais “laranjas” na fase de execução.”
Ficaram vencidos os ministros Aloysio Corrêa da Veiga e
Dezena da Silva e a desembargadora convocada Margareth Rodrigues Costa, sendo
destacado que “para Veiga, a prova de geolocalização deve ser subsidiária, e
não principal. No caso, ela foi admitida como primeira prova processual, havia
outros meios menos invasivos de provar as alegações do empregado. Na sua
avaliação, as vantagens da medida para provar a jornada não superam as suas
desvantagens. “A banalização dessa prova de forma corriqueira ou como primeira
prova viola o direito à intimidade”, concluiu”.
O tema, portanto, é bastante delicado, sendo que
várias outras discussões ocorrerão. E devido às questões de natureza
constitucional envolvidas e relativas aos direitos fundamentais da pessoa
humana inerentes à privacidade e à intimidade, competirá ao Supremo Tribunal
Federal apaziguar as controvérsias.
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