OS
LIMITES DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E AS ALTERAÇÕES NO NOVO
CPC
A desconsideração da personalidade jurídica é “a retirada episódica, momentânea e
excepcional da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a fim de estender os
efeitos de suas obrigações à pessoa de seus titulares, sócios ou
administradores, com o fim de coibir o desvio de função da pessoa jurídica,
perpetrado por estes”.[3]
A doutrina e a jurisprudência adotam duas teorias no
que diz respeito aos pressupostos da aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica, a saber, a teoria maior e a teoria menor.
Pela teoria maior, é imprescindível a caracterização
do “abuso da personalidade jurídica”. Tal abuso se concretiza quando se
preenche dois requisitos, o primeiro requisito é o desvio de finalidade ou
confusão patrimonial – chamado de requisito subjetivo – e, o segundo, o
reconhecimento da insuficiência patrimonial da pessoa jurídica, chamado de requisito
objetivo. Comprovado todos os fatores, tem-se preenchidos os requisitos para a
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.
Pela segunda vertente, sua incidência se dá pela mera
prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações
(requisito objetivo), independente da existência de desvio de finalidade ou
confusão patrimonial (requisito subjetivo).
Em atenção às relações civis e empresariais, o
instituto da desconsideração da personalidade jurídica está inserido no art. 50
do Código Civil. À simples leitura do aludido dispositivo, percebe-se que, para
aplicação deste instituto nas relações civis e empresariais, faz-se necessário
o desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Portanto, o Código Civil adota
a teoria maior.
Já nas relações consumeristas, basta o
simples estado de insolvência, de acordo com o art. 28 do CDC, para permitir a
aplicação da desconsideração, sem que haja qualquer desvio de finalidade ali
perpetrada. Com isso, sabe-se que, nas relações em que estiver sob a tutela da
Lei 8.078/90, o magistrado deverá se valer da teoria menor.
Em
termos processuais, basta o credor, por meio de simples petição devidamente
fundamentada, requerer ao magistrado a desconsideração da personalidade
jurídica, momento em que este, ao analisar o caso concreto e eventuais provas
acostadas nos autos enfrentará a matéria.
O
novo CPC trouxe uma inovação processual ao assunto, ao inserir o Incidente da
Desconsideração da Pessoa Jurídica, em seu art. 133, estabelecendo que “será instaurado a pedido da parte ou do
Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo’’.
Neste
particular, a matéria será discutida por meio de incidente processual, citando
os sócios e a própria pessoa jurídica para apresentar resposta, no prazo
peremptório de 15 dias. A instauração do incidente suspenderá o processo,
ressalvada a hipótese em que a desconsideração tiver sido requerida na própria
petição inicial, hipótese em que dispensará o incidente, nos termos dos art.
134, §3° e §4° da Lei 13.105/15.
Pode-se
dizer que o novo CPC positivou as regras procedimentais do instituto da
desconsideração da pessoa jurídica, nitidamente priorizando as garantias
fundamentais constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal, o que,
em contrapartida, poderá retardar a solução do litígio e a satisfação do
crédito.
Ou seja, o novo CPC privilegiou as premissas de um
Estado Democrático de Direito, que é baseado na construção participada das
decisões.
Lado outro, sabe-se que a desconsideração da personalidade
jurídica está inserida não só nas relações privadas, como também em outros
ramos do direito. No direito tributário, por exemplo, o art. 135, III, do
Código Tributário Nacional determina as pessoas que responderão pelos atos
praticados em excesso de poderes ou infração à lei. No direito do trabalho,
também há a possibilidade de aplicação do instituto da desconsideração, sendo
certo que alguns doutrinadores a fundamentam com base no art. 8° da CLT, em que
permite a aplicação subsidiária do direito comparado, quando compatível.
Apenas a título de informação, há no nosso ordenamento
jurídico a possibilidade de adoção da chamada “desconsideração inversa”. Por
este mecanismo, a pessoa jurídica não devedora
passa a responder pelas obrigações contraídas por seus sócios, tendo em vista a
existência de confusão patrimonial somada ao esgotamento dos meios capazes de
atingir os bens dos sócios devedores, em razão da conduta abusiva e fraudulenta
dos devedores.
Identifica-se a desconsideração
inversa também no direito de família, na situação em que um dos cônjuges,
casados sob regime de comunhão parcial, por exemplo, transfere parcela
substancial de seu patrimônio para a sociedade, a fim de subtrair bens da
partilha.[4]
Pela desconsideração, é possível que
sócios e administradores respondam com seu patrimônio pessoal pelas obrigações
originariamente contraídas pela pessoa jurídica, nos casos em que tiver
ocorrido desvio de finalidade aliada ao estado de insolvência da empresa.
Entretanto, a lei infraconstitucional não faz menção sobre qual seria o limite
da obrigação de cada sócio ou administrador, deixando a cargo dos tribunais
suprir a omissão legislativa.
Em síntese, atualmente vigoram dois
posicionamentos jurisprudenciais divergentes. O primeiro considera que a
responsabilidade dos sócios e administradores é solidária e integral. Portanto,
não haveria qualquer tipo de limite ou divisão da obrigação imputada. Por outro
lado, há juristas que entendem que a responsabilidade do sócio e do
administrador estaria limitada à sua participação societária.
Segundo o Tribunal de Justiça de
Minas Gerais, em seus recentes julgados, aplica a tese da responsabilidade
solidária e integral entre os sócios.
Vale ressaltar trecho do Agravo de
Instrumento n° 1.0024.07.790231-0/001,
da relatoria da Eminente Des. Dra.
Evangelina Castilho Duarte, ao aduzir que “ao
credor não pode ser imputado o dever de buscar o ressarcimento parcial de seu
crédito, com base em distribuição do capital social, eis que a questão está
afeita única e exclusivamente à sociedade, em que foi desconsiderada”. Contudo,
acena pela possibilidade de ação de regresso do sócio que eventualmente tenha
efetuado o pagamento da dívida que exacerbou o valor das cotas integralizadas.
Aos que se posicionam a favor da responsabilidade
solidária e integral, a principal justificativa seria a acima explanada, de
maneira que o credor, ao buscar o mecanismo excepcional da desconsideração, não
haveria que se falar em limitação ao ressarcimento do crédito. Ademais,
salientam que a divisão de cotas diz respeito a regras internas da sociedade e,
no momento em que esta tenha sido desconsiderada, mesmo em caráter temporário,
descabida a divisão de responsabilidade tendo por base a participação
societária de cada sócio.
Ainda nesta linha, o Superior
Tribunal de Justiça, ao julgar um Agravo Regimental na Medida Cautelar
n°20.472/DF, entendeu por bem não limitar a responsabilidade dos sócios ao
capital social por ele integralizado, na medida em que também se mostrou a
favor da tese da satisfação integral do crédito a ser recebido pelo credor.
Merece destaque parte do voto do
então Ministro relator Dr. Marco Buzzi, ao enfatizar que “o artigo 50 do Código Civil não tece qualquer restrição nesse sentido,
sendo certo que tal exegese poderia, inclusive, tornar inócuo o instituto em
comento, destinado a permitir a satisfação pontual do credor, lesado pelo
desvio de finalidade ou confusão patrimonial”.
Em contrapartida, outros tribunais
pátrios se mostram contrários ao entendimento ora demonstrado, porquanto
asseveram ser descabida a responsabilização solidária dos sócios. O Tribunal de
Justiça de São Paulo, por exemplo, em um recente julgado (11.15.2015), ao
enfrentar o tema, decidiu em sentido inverso, reconhecendo a “Responsabilidade da sócia minoritária e sem
poderes de gerência limitada ao valor de suas quotas que integralizam o capital
social” (Agravo de Instrumento nº
2072574-65.2015.8.26.0000).
O Tribunal de Justiça do Distrito
Federal, em sede de Apelação Cível, também decidiu de forma unânime a aplicação
do disposto no art. 1.052 do Código Civil, que restringe a responsabilidade do
sócio ao limite do capital social integralizado. Cumpre destacar ainda o entendimento cristalino do Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul, ao defender a mesma tese ora ventilada (Agravo de Instrumento
Nº 70035362649). Nas razões de seu
voto, a Eminente Relatora aduz que: “a
aplicação do art. 50 do CC não torna devedor solidário o sócio da sociedade
empresária que teve a personalidade jurídica desconsiderada, apenas faz com que
os seus bens particulares passem a responder pela dívida da pessoa jurídica
(...)”.
Diante dessas breves considerações, é possível
concluir que o entendimento jurisprudencial ainda não é consolidado acerca dos
limites da responsabilidade dos sócios nos casos em que houver sido decretada a
desconsideração da personalidade jurídica, muito embora o STJ já tenha se
inclinado à tese da responsabilidade solidária e integral.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
TOMAZETTE, MARLON. Curso
de Direito Empresarial: teoria geral e direito societário, volume 1, 4. Ed.
São Paulo: Atlas, 2012.
PARENTONI,
Leonardo Netto. Desconsideração
Contemporânea da Personalidade Jurídica – Dogmática e análise científica da
jurisprudência brasileira. São Paulo, Quartier Latin, 2014.
[1]
Estagiário de Homero Costa Advogados
[3]
TOMAZETTE, MARLON. Curso de Direito Empresarial: teoria geral e direito societário,
volume 1, 4. Ed. São Paulo: Atlas, 2012. Pag. 231.
[4]
PARENTONI, Leonardo Netto. Desconsideração Contemporânea da Personalidade
Jurídica – Dogmática e análise científica da jurisprudência brasileira. São
Paulo, Quartier Latin, 2014. Pags. 89.90.
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