Orlando José de Almeida
Advogado Sócio de
Homero Costa Advogados
Uma questão ainda bastante debatida na Justiça do Trabalho diz respeito à
seguinte indagação: É lícita ou ilícita a gravação de conversa por um dos
interlocutores ou terceiro por ele autorizado, sem a ciência do outro
participante?
No dia 22/11/2024, foi publicada notícia no site do Tribunal Superior do Trabalho -TST, referente ao julgamento proferido pela Primeira Turma, nos autos
do processo nº TST-Ag-AIRR-446-14.2020.5.23.0009, sendo o acórdão publicado no dia
13/11/2024. A matéria foi assim intitulada: “Gravação telefônica com más
referências de vendedora é prova válida contra empregador”.
Os
fatos que originaram o julgamento, em síntese, foram assim descritos: “Na ação,
a vendedora, que trabalhou na Delta de 2017 a 2019, disse que, após a dispensa,
foi chamada para várias entrevistas e processos seletivos, que "ocorriam
de forma positiva”, mas, ao final, “não era selecionada, ainda que tivesse
larga experiência para as vagas ofertadas”. Diante de tantas negativas, mesmo
em situações em que a contratação já parecia certa, passou a suspeitar que o
antigo patrão estaria dando más referências a seu respeito. Ela então pediu a
duas pessoas conhecidas que ligassem para a empresa pedindo referências e,
segundo seu relato, as informações fornecidas eram inverídicas e desabonadoras.
Na ação, ela alegou que essa conduta prejudicou, de forma explícita, seu acesso
ao mercado de trabalho no ramo para o qual se qualificou.”
Nas
instâncias inferiores o pleito da Autora não fora acolhido, sob justificativa
de que a prova apresentada era manifestamente ilícita, uma vez que “obtida por
meio de simulação, por terceiro e sem ciência da gravação pelo único
interlocutor integrante da relação contratual”.
Destaca-se
que, para fundamentar essa posição, no acórdão prolatado no Regional restou
citado julgamento proferido por uma de suas Turmas:
"DANO MORAL. DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÕES
DESABONADORAS. GRAVAÇÃO TELEFÔNICA. PROVA ILÍCITA. A divulgação de informações
desabonadoras representa violação de um dever de conduta a que se submetem os
sujeitos do contrato de trabalho, ainda que findo, estribado no princípio da
boa-fé, que lhes impinge o dever de agir com lealdade, correção e consideração
com o outro sujeito da relação, a teor do que estabelece o artigo 422 do Código
Civil. Procurando desvencilhar-se do encargo probatório que lhe incumbe (art.
818 da CLT e art. 373, inciso I, do CPC), o autor encartou aos autos um
pen-drive que contém conversa gravada entre o representante da ré e o seu
cunhado, simulando ser futuro empregador que estava interessado em sua
contratação. Contudo, referida gravação telefônica, consistente na captação de
conversa com terceiros, da qual não participou, razão pela qual não pode ser
usada contra a ré, porque envolve a quebra da privacidade, direito
constitucionalmente, tido como inviolável (art. 5º, X, CF). Recurso ao qual
nego provimento.". (TRT da 23ª Região; Processo:
0000153-81.2019.5.23.0008; Data: 25-11-2019; Órgão Julgador: Gab. Des. Maria
Beatriz Theodoro - 2ª Turma; Relator(a): MARIA BEATRIZ THEODORO GOMES).
Com
efeito, os adeptos dessa corrente jurisprudencial, entendem pela ilicitude da
prova, considerando que a gravação decorreu de conversa obtida por terceiro e
sem ciência de um dos interlocutores, o que causa ofensa, notadamente, ao
direito à intimidade, à privacidade e ao sigilo das comunicações telefônicas,
conforme previsto nos incisos X e XII, do artigo 5º, da Constituição Federal.
A
Autora interpôs Recurso defendendo a tese de que a gravação, ainda que
realizada por terceiro, que não constou da relação processual ou contratual, a
seu pedido e sem ciência da outra parte, deve ser considerada lícita. E o seu
pleito, como visto, foi acatado.
É
que a exceção prevista no artigo 5º, XII, da Constituição da República, diz
respeito à interceptação telefônica de conversa realizada por terceiro,
autorizada em decisão judicial, para produzir prova em investigação criminal e
em instrução processual penal. Para tanto, devem ser preenchidos os requisitos
previstos na Lei nº 9.296/96, o que não é hipótese em discussão, não havendo
que se falar em violação do direito à intimidade, à privacidade e, tampouco, do
direito ao sigilo das comunicações telefônicas.
O diálogo entre o terceiro e o preposto da empresa, responsável
por prestar informações sobre ex-empregados, “não se insere em causa legal de
sigilo ou de reserva de conversação para ser inadmitido como prova.”
E
para justificar tal posição, no acórdão cujo julgamento favoreceu a parte
Autora, foram citadas decisões proferidas por todas as Turmas integrantes do
Tribunal Superior do Trabalho, com destaque para as seguintes:
“RECURSO DE REVISTA - PRELIMINAR DE NULIDADE POR USO DE
PROVA OBTIDA POR MEIO ILÍCITO. A gravação de conversa, realizada por um dos interlocutores,
não se enquadra no conceito de interceptação telefônica, razão pela qual não se
pode considerá-la meio ilícito de obtenção de prova. O uso desse meio em
processo judicial é plenamente válido, mesmo que o ofendido seja um terceiro,
que não participou do diálogo, mas foi citado na conversa e obteve a prova por
intermédio do interlocutor. Se a obtenção é lícita, o produto, ou seja, a
prova, também o é. Na hipótese a reclamante viu sua honra ser maculada por
declarações da ex-empregadora, no intuito de frustrar sua admissão em um novo
emprego, o que, obviamente, só poderia ter sido documentado por um terceiro,
que foi quem recebeu as informações depreciativas a respeito da trabalhadora.
Intacto o art. 5º, LVI, da Constituição Federal. Precedentes do STF e desta
Corte. Recurso de revista não conhecido." (TST-RR -
21500-05.2008.5.15.0001, 1ª Turma, Relator Juiz Convocado José Pedro de Camargo
Rodrigues de Souza, DEJT de 8/6/2012).
"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA.
RITO SUMARÍSSIMO. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. GRAVAÇÃO DE CONVERSA POR UM
DOS INTERLOCUTORES SEM O CONHECIMENTO DO OUTRO. IRRELEVANTE O FATO DE O
RECLAMANTE, BENEFICIÁRIO DA GRAVAÇÃO, NÃO TER PARTICIPADO DA CONVERSA GRAVADA.
EXIGÊNCIA INVIABILIZA O DIREITO DE DEFESA. PROVA LÍCITA. Não merece provimento
o agravo, haja vista que os argumentos apresentados não desconstituem os
fundamentos da decisão monocrática pela qual se negou provimento ao agravo de
instrumento em face de não constatada a violação ao artigo 5º, inciso LIV, da
CF. Agravo desprovido” (Ag-AIRR-10325-35.2020.5.15.0149, 3ª Turma, Relator
Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 13/10/2023).
"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA.
ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. GRAVAÇÃO CLANDESTINA. MEIO
DE PROVA. LICITUDE. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. O e. TRT, com esteio no
conjunto fático-probatório dos autos, intangível nesta fase recursal a teor da
Súmula nº 126 do TST, concluiu que a conversa foi gravada pelo reclamante,
reputa-se, portanto, “lícita a origem da prova, tendo em vista que o
funcionário que gravou o diálogo contido no arquivo de áudio apresentado era um
dos interlocutores”. Com efeito, nos termos em que proferida, a decisão do e.
TRT encontra-se em perfeita harmonia com a jurisprudência desta Corte, a qual,
seguindo entendimento do STF, adota o entendimento de que a gravação
clandestina, ou seja, aquela gravação realizada por um dos interlocutores, sem
o conhecimento do outro, destinada a comprovação de fatos, constitui meio
lícito de prova. Precedentes do e. STF e de Turmas deste TST. Nesse contexto,
estando a decisão regional em harmonia com o entendimento do STF, bem como com
a pacífica jurisprudência desta Corte, incide a Súmula nº 333 do TST, como
obstáculo à extraordinária intervenção deste Tribunal Superior no feito. A
existência de obstáculo processual apto a inviabilizar o exame da matéria de
fundo veiculada, como no caso, acaba por evidenciar, em última análise, a
própria ausência de transcendência do recurso de revista, em qualquer das suas
modalidades. Agravo não provido. (...)". Agravo não provido"
(AIRR-0010305-44.2020.5.15.0149, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros,
DEJT 02/07/2024).
RECURSO DE REVISTA. GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA.
AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO DOS INTERLOCUTORES. LICITUDE DA PROVA. O STF já
firmou entendimento no sentido de que a gravação feita por um dos
interlocutores da conversa telefônica, a fim de comprovar fatos em juízo, ainda
que sem o conhecimento da outra parte, não se confunde com a garantia
constitucional prevista no art. 5º, XII, da CF, que trata especificamente da
captação de conversa feita por um terceiro. Desse modo, não se trata de
interceptação ilícita, podendo ser utilizada processualmente como meio lícito
de prova. Precedentes do STF e do TST. Recurso de revista não conhecido. (...)
(RR-1430-42.2011.5.09.0093, 8ª Turma, Rel. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro,
DEJT de 25/5/2018)
Nesse contexto, a título de exemplo, o Supremo Tribunal
Federal decidiu:
EMENTA: "Habeas corpus". Utilização de gravação de
conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos
interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização,
excludente da antijuridicidade. - Afastada a ilicitude de tal conduta - a de,
por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não
haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime -, é ela, por via de
conseqüência, lícita e, também conseqüentemente, essa gravação não pode ser
tida como prova ilícita, para invocar-se o artigo 5º, LVI, da Constituição com
fundamento em que houve violação da intimidade (art. 5º, X, da Carta Magna).
"Habeas corpus" indeferido. (HC 74678, Relator(a): MOREIRA ALVES,
Primeira Turma, julgado em 10-06-1997, DJ 15-08-1997 PP-37036 EMENT VOL-01878-02 PP-00232)
Aliás,
vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal, no Tema 237 do Ementário de
Repercussão Geral, fixou a tese: “É lícita a prova consistente em gravação
ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro”.
A
consequência para o ex-empregador que fornece informações inverídicas e
desabonadoras do ex-colaborador é a de ser responsabilizado pela reparação dos
danos causados. E nessa direção foi decidido:
"(...) PROVA LÍCITA - GRAVAÇÃO TELEFÔNICA REALIZADA POR
UM DOS INTERLOCUTORES SEM O CONHECIMENTO DO OUTRO - VALIDADE DA PROVA . 1. A
gravação de conversa telefônica por um dos interlocutores, ainda que sem o
conhecimento da outra parte, não constitui prova ilícita e pode ser utilizada
em juízo . 2. A inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas,
prevista no art. 5º, XII, da Constituição Federal, está direcionada à
interceptação da conversa telefônica por terceiros estranhos ao diálogo. DANO
MORAL - INFORMAÇÃO DESABONADORA - AJUIZAMENTO DE AÇÃO TRABALHISTA - ATO ILÍCITO
- CONFIGURAÇÃO. 1. No caso, a reclamada, em conversa telefônica, divulgou a
terceiros a informação de ajuizamento de ação trabalhista pela reclamante
contra a ex-empregadora. 2. O ato praticado pelo antigo empregador pode
sujeitar o empregado à discriminação no mercado de trabalho, impondo-lhe
dificuldades para obter novo emprego e reinserir-se no mercado de trabalho . A
conduta do ex-empregador é ilícita e autoriza a condenação ao pagamento de
indenização por dano moral. (...) " (AIRR-7167-22.2011.5.12.0035, 7ª
Turma, Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 07/06/2019).
O que se recomenda,
portanto, é que o ex-empregador tenha cuidado ao repassar informações de
ex-colaborador, principalmente aquelas que o desabonem injustamente, sob pena
de ser condenado a reparar os danos decorrentes.