domingo, 1 de setembro de 2013

Direito de Retenção do Imóvel pelas Benfeitorias X O Direito do Proprietário de auferir Aluguéis

Ricardo Victor Gazzi Salum

Advogado, especialista em Direito de Empresas pelo IEC – Instituto de Educação Continuada - da PUC/MG

*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 09, em 27/11/2008

O art. 1.219 do Código Civil prescreve que "O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis".
Como se observa, o diploma civil resguarda ao possuidor de boa-fé o direito de reter o imóvel que ocupa, até que seja indenizado pelas benfeitorias que nele houver erigido. Por benfeitorias, neste texto, deve-se entender aquelas que geram o direito do possuidor de reter o imóvel, na forma do dispositivo acima citado, ou seja, as necessárias e úteis, quando erigidas de boa-fé.

A regra, em princípio, parece clara e de fácil interpretação.

Não obstante, há casos nos quais o direito do possuidor conflita diretamente com o direito do proprietário de receber aluguéis pelo imóvel de sua propriedade. Afinal, segundo o art. 1.221 do Código Civil, "As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem".

Deve-se verificar, pois, quando extingue o direito do possuidor de boa-fé pela retenção do imóvel e quando exsurge o direito do proprietário de receber aluguéis pelo não uso, gozo e fruição de seu bem em razão da posse exercida pelo primeiro.

Parte da jurisprudência entende que a citação, em ação reivindicatória ou alguma das possessórias, seria o marco inicial para que os aluguéis comecem a ser contados em favor do proprietário. A tese se sustenta no fato de que, a partir deste momento, o possuidor deixaria de exercer sua posse de boa-fé, diante da ciência da intenção de retomada do bem pelo dono.

Há quem entenda também que os aluguéis seriam devidos desde a data de citação até a data em que o possuidor tivesse reconhecido, por decisão judicial, seu direito de reter o imóvel pelas benfeitorias nele realizadas. Isso porque, a partir do reconhecimento judicial de que o possuidor faria jus às benfeitorias soerguidas no bem, sua posse passaria a ser justa. Assim perduraria até que recebesse a indenização, quando voltariam a ser contados os aluguéis em favor do proprietário, em caso de não devolução do imóvel pelo possuidor.

Nesse sentido, veja-se o seguinte julgado:

IMISSÃO DE POSSE. Benfeitorias. Compensação. Aluguel.
Para a compensação do valor das benfeitorias com o valor dos danos (art. 518 do CCivil), no qual foram incluídos, pelas instâncias ordinárias, os aluguéis pagos pelos autores da ação, estes devem corresponder ao tempo em que cessou a boa-fé dos possuidores (data da citação na ação de imissão) até a data em que manifestaram, nos embargos que vieram a ser julgados procedentes, a pretensão de serem indenizados pelas benfeitorias necessárias e úteis, uma vez que a partir daí estavam exercendo o direito de retenção. O valor dos aluguéis deve corresponder, aproximadamente, ao valor locativo do imóvel objeto da ação.
Recurso conhecido e provido em parte. (REsp 279303 / BA - RECURSO ESPECIAL 2000/0097256-8 - Relator(a) Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR – 4ª Turma, j. 14.12.2000, DJ 12.3.2001) 

Há quem entenda, ainda, que o possuidor somente deveria pagar aluguéis ao proprietário após o recebimento das benfeitorias feitas no imóvel. A tese é simples e está calcada no fato de que, somente após a indenização, o possuidor exerceria posse de má-fé.

Nesse sentido:

ACESSÃO. Construções. Posse de boa-fé. Retenção.
O possuidor de boa-fé tem direito à retenção do bem enquanto não indenizado pelas construções (acessões) erguidas sobre o imóvel. Precedentes. Recurso conhecido e provido. (REsp 430810 / MS - RECURSO ESPECIAL 2002/0044610-4, Relator(a) Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR – 4ª Turma, j. 1º/10/2002, DJ 18/11/2002).
 
DIREITO DE RETENÇÃO, ATÉ O EFETIVO PAGAMENTO-SENTENÇA MANTIDA, INCLUSIVE QUANTO ÀS CUSTAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – Estando a ré na posse do imóvel, com a convicção de que está em sua propriedade, inclusive fazendo inúmeras benfeitorias, não deve alugueres aos legítimos proprietários, e deve ser indenizada por tais melhoramentos, sendo-lhe assegurado, ainda, o direito de retenção até o efetivo pagamento. RECURSOS DESPROVIDOS. (TJPR – ApCiv 0143426-0 – (11684) – Londrina – 6ª C.Cív. – Rel. Des. Eraclés Messias – DJPR 15.03.2004).
 
AÇÃO REIVINDICATÓRIA - POSSUIDOR DE BOA-FÉ - BENFEITORIAS - INDENIZAÇÃO - RETENÇÃO DO IMÓVEL - ALUGUEL INDEVIDO.
É lícito ao possuidor de boa-fé, desde que o requeira, reter o imóvel até que receba indenização das benfeitorias realizadas no mesmo.
Reconhecido o direito de retenção por benfeitorias não incidem aluguéis, até que seja paga a indenização devida. (Apelação Cível 2.0000.00.331281-4/000, Relator Des. Alvimar de Ávila, j, 16.5.2001, DJ 26.5.2001.)

 Como se viu, é possível encontrar na doutrina e jurisprudência pátrias decisões em todos os sentidos expostos neste artigo.

A fragilidade da primeira corrente está no fato de que a simples citação, embora faça litigiosa a coisa e, mesmo que ordenada por juiz incompetente, constitua em mora o devedor e interrompa a prescrição (art. 219 do Código de Processo Civil), não seria suficiente para efetivamente constituir em mora o possuidor que ainda tem direito de reter o imóvel até ser indenizado pelas benfeitorias.

Mora, como cediço, imprescinde do não cumprimento de uma obrigação a tempo e modo. Assim, se o possuidor tem o direito de ser indenizado, e considerando que esta obrigação (de indenizar), precede a devolução do imóvel, afigura-se patente que o possuidor não pode ser considerado em mora até que receba pelas benfeitorias.

A fragilidade da segunda corrente, por outro lado, está no fato de que reconhece o direito do proprietário de receber pelas benfeitorias até que seja julgado o direito do possuidor de receber pelas benfeitorias. Ou seja, quando citado, o possuidor passaria a dever aluguel ao proprietário, ônus que perduraria até o reconhecimento do seu direito de ser indenizado pelas benfeitorias e que voltaria e existir após o pagamento destas.

A própria alternância da situação jurídica indica a dificuldade de aceitação da tese, mormente porque o direito de recebimento pelas benfeitorias existe mesmo quando o possuidor é citado em demanda movida pelo proprietário. A simples citação não lhe retiraria este direito e não macularia a posse que exerce.

A terceira corrente exposta, no sentido de que o possuidor somente deveria pagar aluguéis ao proprietário após a indenização pelas benfeitorias, é mais adequada à exegese dos dispositivos legais aplicáveis ao caso.

Cumprida a primeira obrigação – indenização pelas benfeitorias – surge o direito de retomada do imóvel. Se o possuidor o retém indevidamente, passa a dever aluguel em favor do proprietário. Simples e objetiva, essa tese não afronta, como visto, a interpretação dos dispositivos legais pertinentes e é bem recebida pelos tribunais pátrios.

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