segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Parâmetros Legais às Cláusulas do Ajustamento de Conduta no Âmbito Consumerista

Juliana Mello Vieira

Advogada, Mestre em Ciências Juridico-Civilisticas  pela Universidade de Coimbra

*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 10, em 19/12/2008


O Compromisso de ajustamento de conduta, instituto de caráter conciliatório amplamente difundido na prática administrativa atual, adotado para fins de composição e tutela de interesses metaindividuais, faz parte da história recente do direito brasileiro. Sua introdução no Ordenamento Jurídico pátrio teve lugar há menos de duas décadas, em meio ao ambiente de redemocratização que envolveu a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Este novo momento na tutela de direitos também se fez sentir na dogmática processual mais atual que preconiza, em caráter prioritário, a prevenção e a composição. Institutos como a tutela antecipatória, tutela inibitória, transação penal, composição civil de danos, procedimentos especiais adotados em juizados, como também o próprio compromisso de ajustamento de conduta, vêm propor um atendimento mais eficaz por parte do Estado para o fim de concretizar a garantia constitucional a direitos fundamentais do ser humano, seja em caráter individual, seja em caráter metaindividual.

O marco legal do Compromisso é o Código de Defesa do Consumidor de 1990 (lei ordinária federal 8.078/90) que, ao tratar das ações de interesse metaindividual, difuso ou coletivo, de caráter consumerista, estendeu sua normatização às demais ações coletivas, já desde 1985 tratadas pela lei de ação civil pública (lei ordinária federal n. 7.347/85). Instituiu-se a partir de então uma sistemática jurídico-processual das ações coletivas, que, logo após, veio a ser complementada por previsões normativas em outras áreas do direito de interesse metaindividual, como ocorreu no direito ambiental (vide lei de crimes ambientais – lei 9.605/98), na regulamentação do sistema financeiro (lei 8.884/94), bem como na área da Saúde.

Uma das principais inovações trazidas pelo código consumerista à sistemática jurídico-processual dos direitos metaindividuais foi justamente o compromisso de ajustamento de conduta, que passou a estar legalmente abrigado no artigo 5º, parágrafo 6º, da lei de ação pública, in verbis: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”. Sendo órgãos públicos legitimados a celebrar o TAC não apenas o Ministério Público, mas também a Defensoria Pública, e outros órgãos públicos da União, Estado ou Município que atuem na área específica de atenção.

O Compromisso pode ser definido como um instrumento de caráter preventivo, adotado em âmbito de investigação de infração administrativa ou cível a direitos metaindividuais, o qual, por meio da conciliação entre a empresa investigada e o órgão público de controle, objetiva a adequação voluntária da atividade empresarial às exigências legais de proteção aos aludidos direitos.

No tocante às cláusulas, limites e parâmetros do ajustamento, contudo, a lei federal silencia, deixando à norma complementar tal função.

O decreto federal 2.181, de 20.03.1997, norma complementar ao Código de Defesa do Consumidor, ao estabelecer as diretrizes do Sistema Nacional de Proteção ao Consumidor, veio regulamentar, entre outros institutos aplicados à proteção do consumidor, o Termo de Ajustamento de Conduta. Dispõe o aludido decreto, em seu artigo 6º, que: “As entidades e órgãos da Administração Pública destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor poderão celebrar compromissos de ajustamento de conduta às exigências legais.

No tocante às cláusulas em espécie do TAC, dispõe o decreto, in verbis:
 
“O compromisso de ajustamento conterá, entre outras, cláusulas que estipulem condições sobre:
 
I - obrigação do fornecedor de adequar sua conduta às exigências legais, no prazo ajustado;
 
II - pena pecuniária, diária, pelo descumprimento do ajustado, levando-se em conta os seguintes critérios:
 
a) o valor global da operação investigada;
 
b) o valor do produto ou serviço em questão;
 
c) os antecedentes do infrator;
 
d) a situação econômica do infrator;
 
III - ressarcimento das despesas de investigação da infração e instrução do procedimento administrativo.”

Verifica-se que o Decreto, seguindo a orientação do Código de Defesa do Consumidor, estabelece como fim último da celebração do Compromisso a adequação da empresa investigada às exigências legais, estabelecendo obrigações de fazer ou não fazer, para melhor atender a função preventiva do ajuste.

Não se trata, portanto, de imputar sanções, mas estabelecer cláusulas de compromisso que sejam suficientes para adequar a atividade empresarial às normas de proteção ao consumidor. Ressaltando-se que será fixada no TAC sanção pecuniária a título de pena para a hipótese de descumprimento do Compromisso, assim como para fins de ressarcimento de despesas decorrentes do inquérito.

Ocorre que, complementarmente à regulamentação em âmbito federal, os órgãos públicos estaduais de proteção ao consumo adotam normatização específica para a celebração do termo de ajustamento de conduta, ampliando o âmbito de alcance do ajuste. Para além das cláusulas de obrigação de fazer e não fazer, adota-se a fixação de sanção pecuniária reparatória como cláusula relevante à celebração do compromisso.

Em Minas Gerais, por exemplo, tanto as instruções normativas do Procon quanto as Resoluções da Procuradoria Geral de Justiça que tratam da celebração do TAC prevêem a aplicação de multa como cláusula prioritária do Compromisso. Adota-se como parâmetro os valores da multa sancionatória que eventualmente seria aplicada após apuração de infração administrativa.

O parágrafo 3º do artigo 24 da Instrução Normativa PROCON Nº 1, de 07.05.2003, dispõe que tanto na proposta de acordo quanto no termo de ajustamento de conduta a cláusula primeira será a do valor de indenização, com base na demonstração do resultado do exercício do fornecedor apresentado por ocasião da impugnação ao processo ou após requisição ministerial.

A seguir, o parágrafo 5º do mesmo diploma define o TAC como uma convenção entre a autoridade competente e o fornecedor com previsão de pagamento de sanção civil, para ressarcimento/reparação dos danos causados, de natureza metaindividual (interesses difusos ou coletivos) ou equiparada (interesses individuais homogêneos), e/ou sanção administrativa, além de outras cláusulas adequando a conduta do reclamado às exigências legais, nos termos do art. 6º do Decreto nº 2.181, de 20/6/03.

A Resolução PGJ-MG n. 68/2008, por sua vez, dispõe que o TAC conterá cláusulas que estabeleçam (i) obrigação ao fornecedor de adequar sua conduta às exigências legais, (ii) pena pecuniária pelo descumprimento do ajustado, (iii) bem como ressarcimento pelas despesas com a investigação da infração e com a instrução do procedimento administrativo, todas estas já previstas no Decreto federal 2.181/97. Mas também que será fixado (iv) ressarcimento dos danos eventualmente provocados à coletividade; e, por outro, (v) multa administrativa pertinente à infração praticada. Ressaltando que a multa só será objeto do ajuste se este for celebrado no curso de processo administrativo (artigo 4º, parágrafos 9 e 10).

Observa-se, destarte, que os órgãos estaduais de proteção ao consumo, nada obstante estarem embasados na legislação federal, diga-se parágrafo 6º do artigo 5º da LACP c/c o artigo 6º do Decreto 2.181/97, parecem adotar uma perspectiva diversa da proposta pela sistemática federal, que busca primordialmente o ajuste da atividade empresarial às normas e exigências para proteção ao consumidor. Ao passo que na sistemática estadual, a fixação de pecúnia a título sancionatório adquire posição de maior relevo.

Nesta questão, a doutrina se divide. Alguns entendem ser inadmissível a inclusão de cláusula de indenizar no ajuste, devendo o TAC se limitar às obrigações típicas de obrigação de fazer e não fazer para atender seu fim último de proteção aos direitos metaindividuais. Outros mais flexíveis entendem que, em não sendo possível a reparação específica do dano, nem a fixação de obrigação de fazer compensatória, seria admissível a cláusula de indenizar, “desde que só haja esse meio de reparação”. Devendo-se, todavia, ter muita cautela, considerando as dificuldades para a fixação do quantum adequado para reparar o dano, como também o risco de haver uma “verdadeira transação do cerne do direito”¹, o que seria inadmissível.

Resta concluir, portanto, que caberá aos órgãos de intervenção mais imediata, como é o caso do Procon, estabelecer caso a caso os parâmetros do ajustamento. Dever-se-á, porém, ser observado o fim último de prevenir e garantir o atendimento aos direitos metaindividuais em risco.

_______________

¹ RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, pg.189.

Nenhum comentário:

Postar um comentário