segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A impropriedade da fixação de patamares para condenações de indenização por danos morais

Patrícia Rosendo de Lima Costa

Advogada, bacharelada em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos

*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 17 em 27/08/2009

Na contramão dos estudos contemporâneos acerca do tema, tramita no Senado Projeto de Lei cujo conteúdo é a parametrização de valores para condenações de indenizações por danos morais.
De autoria do Senador Valter Pereira, o Projeto de Lei 334/08, a despeito de estabelecer, em seu art. 3º, que a “(...) fixação deverá considerar: I – o bem jurídico ofendido; II – a posição socioeconômica da vítima; III – a repercussão social e pessoal do dano; IV – a possibilidade de superação psicológica do dano, quando a vítima for pessoa física, e de recomposição da imagem econômica ou comercial, quando pessoa jurídica; V – a extensão da ofensa e a duração dos seus efeitos; VI – o potencial inibitório do valor estabelecido”, desconsidera a situação socioeconômica do ofensor e estabelece patamares exorbitantes a serem aplicados.

Confira-se os parâmetros propostos no art. 6º do Projeto:
DANO
VALOR
Morte
De R$41.500,00 (quarenta e um mil reais) a R$249.000,00 (duzentos e quarenta e nove mil).
Lesão corporal
De R$4.150,00 (quatro mil, cento e cinquenta reais) a R$124.500,00 (cento e vinte e quatro mil e quinhentos reais).
Ofensa à liberdade
De R$8.300,00 (oito mil e trezentos reais) a R$124.500,00 (cento e vinte e quatro mil e quinhentos reais).
Ofensa à honra
a) por abalo de crédito: de R$8.300,00 (oito mil e trezentos reais) a R$83.000,00 (oitenta e três mil reais).

b) de outras espécies: de R$8.300,00 (oito mil e trezentos reais) a R$124.500,00 (cento e vinte e quatro mil e quinhentos reais).
Descumprimento de contrato
De R$4.150,00 (quatro mil, cento e cinqüenta reais) a R$83.000,00 (oitenta e três mil reais).


A justificação do referido Projeto foi, em síntese, a busca por segurança jurídica, ao argumento de que a omissão legislativa em regulamentar (identificação de critérios e fixação de valores) as indenizações por danos morais tem gerado disparidades nos julgados.

Destaca-se que o relatório do Senador Alvaro Dias (18.12.2008), com voto pela aprovação do Projeto, também se apoiou no fato de que o “tratamento casuístico, hoje dado às ações judiciais, vem gerando disparidades entre os valores arbitrados”.

Contudo, são justamente os argumentos de sua justificação que afastam a viabilidade e adequação jurídica do Projeto.

Não há mais discussões acerca do fato de que a reparação por danos morais é assegurada pela Constituição (art. 5º, V e X), além de também estar disciplinada no Código Civil (arts. 186 e 927).

Atualmente, as indenizações já vêm sendo balizadas de acordo com o caso concreto em análise, levando em conta a situação do ofendido e do ofensor. É notório que os ensinamentos doutrinários já estão sendo aplicados pelos julgadores quando da fixação do quantum devido a título de reparação por danos morais, quais sejam, fixação de maneira comedida e moderada, verificação da extensão do dano, caráter punitivo e compensatório da medida e situação socioeconômica das partes envolvidas.

Não se pode desconsiderar que o valor fixado a título de indenização não pode causar enriquecimento sem causa para quem o recebe. Assim, faz-se necessário conjugar todas as variáveis do caso concreto para que seja apurado valor condizente com a situação a ser sentenciada.

Há que se considerar que a extensão de aplicação das regras do Projeto será nacional, bem como que os valores sugeridos como piso e teto representam, em cada região do país, determinado poder aquisitivo. Neste ponto, é imprescindível que as divergências regionais sejam levadas em conta, sendo desmedida a fixação de piso em patamares tão elevados.

Ao contrário do entendimento exposto na justificação, a fixação de patamares fomentaria a ‘indústria do dano moral’, mormente por estabelecer como piso quantias que podem se revelar expressivas diante da situação socioeconômica do ofensor.

Ademais, as hipóteses elencadas no art. 6º nem de longe exaurem as possíveis situações passíveis de indenização por danos morais.

Nota-se que o termo ‘segurança jurídica’ foi utilizado equivocadamente na justificação, haja vista transparecer a busca de uniformização dos julgados em relação à indenização por danos morais.

Ocorre que a segurança jurídica não é a certeza de aplicação exata da lei, mas sim a observância de determinados critérios para a construção da decisão, como, por exemplo, isonomia, ampla defesa e contraditório. A legitimidade e aceitação da decisão imposta estão diretamente ligadas à participação das partes, que sofrerão as consequências da decisão na sua construção. A segurança jurídica não é a uniformização de julgados, mas a valoração e valorização das provas e argumentos produzidos pelas partes para fundamentar o provimento. O que se busca do ordenamento jurídico é a resposta de forma concreta para os problemas individualmente tratados e não a massificação desenfreada das decisões.

De acordo com o entendimento da maioria dos juristas, seja pela complexidade do assunto, seja pela fragilidade da reflexão jurídica sobre as repercussões do Projeto, firma-se que o estabelecimento de patamares mínimos e máximos não deve ser incorporado na legislação brasileira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário