segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Do Rompimento do Vínculo Societário na Retirada do Cotista

Silvia Ferreira Persechini

Advogada, especialista em Direito de Empresas pela PUC/MG e mestranda em Direito de Empresa na Faculdade de Direito Milton Campos.

*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 10, em 19/12/2008


O rompimento do vínculo societário ocorre quando da resilição do contrato social, situação essa que a doutrina e a jurisprudência nomeiam de dissolução parcial da sociedade.
O Código Civil de 2002 prevê duas modalidades de resilição do contrato social: (i) expulsão (exclusão) do cotista e (ii) retirada do cotista.

De acordo com o referido ordenamento jurídico, a exclusão do cotista poderá ocorrer nas situações:

- de sócio remisso, ou seja, aquele que não cumpriu com as contribuições estabelecidas pelo contrato social – art. 1004, do CC/2002¹;

- previstas no art. 1030, do CC/2002: “Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente. Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026.”;
- em que um sócio tenha praticado ato grave, pondo em risco a atividade da sociedade – art. 1085, do CC/2002².

Em todas essas hipóteses, a exclusão (expulsão) do sócio/cotista dar-se-á mediante a iniciativa unilateral da maioria dos sócios, já que não haverá a manifestação da vontade do sócio excluído (expulso).

Por sua vez, no que tange ao segundo caso de resilição do contrato social – retirada do cotista – o Código Civil de 2002 prevê as seguintes situações:

· no caso de sociedade por prazo indeterminado – qualquer sócio poderá se retirar da sociedade, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de 60 (sessenta) dias – art. 1029, do CC/2002³;

· no caso de sociedade por prazo determinado – qualquer sócio poderá se retirar da sociedade, desde que comprove justa causa mediante ação judicial – art. 1029, do CC/20024;

· no caso de alteração substanciosa no contrato social, como fusão e/ou incorporação da sociedade – art. 1077, do CC/2002.

Registre-se que o direito do sócio retirante decorre de um ato unilateral, porque não haverá a concorrência com a manifestação dos demais sócios.

Com efeito, essas duas modalidades de resilição do contrato social – exclusão e retirada - acarretam uma alteração contratual, sendo certo que, para gerar efeitos perante terceiros, essa e qualquer outra alteração do contrato social deverá ser arquivada no registro público competente.

Por outro lado, especialmente no que tange ao exercício do direito de retirada, há divergências sobre o momento do rompimento do vínculo societário entre (i) o sócio que se retira e (ii) a sociedade limitada e os demais sócios. Quando esse rompimento poderá gerar efeitos perante a sociedade e os demais sócios?

Sobre esse questionamento, há diferentes correntes doutrinárias.

De acordo com Modesto Carvalhosa, “A resilição unilateral representada pela retirada [...] produz efeito para o futuro, não extinguindo a relação jurídica negocial desde o momento do seu exercício. Isso porque apenas com o pagamento e quitação dos haveres do (acionista) retirante é que ocorre a extinção. Enquanto tal não ocorrer, a relação jurídica mantém-se íntegra para todos os efeitos, notadamente para o pleno exercício dos direitos patrimoniais e políticos do (acionista juntos à companhia)”5.

Em outras palavras, conforme o entendimento registrado acima, o sócio retirante, ainda que tenha notificado os demais sócios sobre sua decisão, permanecerá com esse status de sócio, perante a sociedade e os demais cotistas, até que finalizada a fase de apuração de haveres.

Do contrário, Egberto Lacerta Teixeira entende que “Tão somente com a comunicação à sociedade o sócio perde essa qualidade, tornando-se credor da sociedade pelo valor do reembolso”6.

Em crítica a esse segundo entendimento, há quem entenda que o sócio retirante ou dissidente é sócio, e não mero credor. Assim, mesmo que tenha a seu favor sentença judicial autorizando a sua retirada da sociedade da qual faz parte, a condição de sócio somente se perde no momento em que receber os seus haveres.

Já para o Professor Osmar Brina, “[...] a retirada é um direito subjetivo (facultas agendi) do cotista. Trata-se de um direito potestativo. A eficácia do exercício desse direito independe da vontade dos demais sócios. Por isso mesmo, pode-se pensar em fazer concessão às manifestações no sentido de que o cotista que se retira deixa de ser sócio no momento mesmo em que exerce o direito de retirada, tornando-se mero credor da sociedade limitada”7.

Nesse mesmo sentido, Fábio Ulhoa Coelho expõe: “Pois bem, enquanto transcorre a ação de dissolução, qual é a condição do sócio em recesso? Tem ele ainda os direitos inerentes à titularidade da quota (participação nos lucros, fiscalização da gerência, discussão dos assuntos sociais), ou não mais? A lei é omissa. Pelos princípios gerais do direito dos contratos, a resposta pertinente indica que a exteriorização da vontade do sócio, no sentido de retirar-se da sociedade, é já suficiente para operar seu desligamento, porque não está o ato sujeito a qualquer outra condição. A definição do montante a ser reembolsado é decorrência do fim do vínculo contratual e, portanto, o pressupõe. Assim, no momento em que a sociedade recebe a declaração escrita do sócio de que está exercendo o seu direito de recesso, desfazem-se os vínculos societários que o envolviam”8.

Considerando que a resilição do contrato social, mediante a retirada do sócio, trata-se de uma declaração unilateral do sócio retirante, ou seja, não haverá qualquer manifestação dos demais sócios, entendemos que o posicionamento do professor Osmar Brina e de Fábio Ulhoa Coelho é o correto.

Em outras palavras, o sócio retirante deixará de ter essa qualidade, perante a sociedade e os demais sócios, apenas com a sua comunicação do exercício do direito de retirada.

No entanto, outros elementos devem ser considerados. Nos termos do art. 1029, do CC/2002, o sócio - de sociedade por prazo indeterminado que queira exercer o seu direito de retirada - deverá notificar os demais sócios, com antecedência mínima de 60 (sessenta) dias, sendo que, de acordo com o parágrafo único desse dispositivo, nos 30 (trinta) dias subseqüentes à notificação, os demais sócios poderão decidir pela dissolução da sociedade.

Assim, nesse particular, podemos dizer que o sócio retirante deixa de ter a qualidade de sócio quando expirado o prazo dos 30 (dias) destacados no parágrafo único, do art. 1029, do CC/2002, considerando, certamente, que os demais sócios não tenham optado pela dissolução da sociedade.

Por sua vez, deve-se acrescentar que, também nos termos do art. 1029, do CC/2002, se for sociedade por prazo determinado, o sócio apenas poderá se retirar, por justa causa, a ser comprovada em ação judicial. Diante disso, pode-se dizer que o sócio perderia esse status somente quando do trânsito em julgado dessa ação.



________________________

¹ Art. 1004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora.

Parágrafo único. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1º do art. 1.031.

² Art. 1085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.

Parágrafo único. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.

³ Art. 1029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.

Parágrafo único. Nos trinta dias subseqüentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade.

4 Art. 1077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.

5 CARVALHOSA, Modesto. O dissidente é sócio e não mero credor. RT, 528/79.

6 LACERTA TEIXEIRA, Egberto. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. São Paulo, Max Limonad, 1956, p. 217.

7 LIMA, Osmar Brina Corrêa. Sociedade Limitada. Rio de Janeiro: Forense. 2006.

8 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 5 ed. vol. 2. São Paulo: Saraiva. 2002.

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