quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Sociedade Limitada - Responsabilidade Civil do Administrador

Stanley Martins Frasão

Advogado, sócio de Homero Costa Advogados, Mestre em Direito Empresarial

*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 11, em 19/01/2009

Interessará, pois, o estudo da responsabilidade civil do administrador na sociedade limitada, e, em particular, do ilícito civil do qual emergirá para o agente a obrigação de reparar o dano, material ou moral¹, em favor da vítima, ou sujeito passivo, que poderá ser na espécie a sociedade limitada propriamente dita, os demais sócios, ou terceiros.
Informou o professor OSMAR BRINA CORRÊA-LIMA (Responsabilidade Civil  dos  Administradores  de Sociedade Anônima, 1989, p. 101-102), com base em pesquisas solicitadas aos Tribunais de Justiça do país que: “... a justiça brasileira tem sido pouco provocada em matéria de responsabilidade de administradores de sociedades comerciais em geral. Várias suposições têm sido formuladas para explicar esse fenômeno: carestia das custas processuais e dos honorários de advogados; morosidade da justiça; falta de treino dos magistrados para lidar com problemas financeiros complexos, o que reduziria a expectativa de decisões justas; relutância em litigar, não inteiramente explicitada por todos os fatores acima; desconfiança de que mesmo as decisões  justas venham a ser executadas.”

E continua:  “... por essas e outras razões, no Brasil, a contribuição do poder judiciário, nesta área, tem sido, quantitativamente, pequena. É claro que essa limitação quantitativa influi na própria qualidade das decisões. Quanto maior o número de casos num determinado setor do Direito, maiores serão os questionamentos, as pesquisas, os estudos, as reflexões e os insights”².

Segundo regra geral de direito das obrigações, a responsabilidade do administrador-sócio e do administrador não-sócio da sociedade limitada poderá ser contratual ou extracontratual - a chamada responsabilidade aquiliana, resultante de atos ilícitos.

O administrador responderá com seus bens para a reparação do dano causado (artigo 942), não podendo ser olvidado que o direito de exigir a reparação do dano, e a correlata obrigação de prestá-la, transmitem-se com a herança (artigo 943), em favor dos sucessores da vítima e contra os sucessores do agente.

Os atos que o administrador praticar em violação da lei ou do contrato social, com dolo ou culpa, e que venham a causar prejuízos à sociedade limitada, tornarão civilmente responsável o administrador faltoso, mesmo que os atos tenham sido praticados no âmbito das atribuições e poderes do administrador agente do ato ilícito³.

Impõe-se, pois, o estudo da responsabilidade civil do administrador, nas relações entre os sócios e a sociedade, interna corporis, e, externa corporis, no que se refere às relações do administrador com terceiros.

O administrador obriga-se perante a sociedade por responsabilidade civil de natureza contratual. Por isso, seus atos de gestão, quando ilícitos, dizem respeito à relação de ordem contratual que liga o administrador à sociedade. O contrato social é, pois, o instrumento legal ao qual deve o administrador se submeter. O contrato social não pode ser infringido pelo administrador, sob pena de ser responsabilizado civilmente por seus atos, e de responder com seu patrimônio pessoal. É o que poderá ocorrer sempre que o administrador extrapolar os poderes de gestão conferidos no contrato social da sociedade limitada.

Mas a responsabilidade do administrador perante a sociedade não é somente contratual. De fato, poder-se-á também configurar a chamada responsabilidade aquiliana, ou extracontratual, porque poderá ter origem em violação da lei, configurando-se a prática de ato ilícito. Se infringir a lei, deverá o administrador responder civilmente também por seu ato, porque terá violado o dever de obediência.

Os atos praticados pelo administrador, por ação ou omissão, com culpa ou dolo, e que causarem prejuízos à sociedade, ainda quando praticados dentro das atribuições ou poderes, ou com violação da lei ou do contrato social, tornarão civilmente responsável o administrador faltoso por violação do dever de diligência e do dever de lealdade.

O administrador da limitada tem os mesmos deveres dos administradores da anônima: diligência e lealdade. Se descumprir seus deveres, e a sociedade, em razão disso, sofrer prejuízo, ele será responsável pelo ressarcimento dos danos.4 O administrador é, pois, civilmente responsável, ilimitada e solidariamente, perante a sociedade, e em conjunto com a sociedade perante terceiros, se praticar os denominados atos “ultra vires”.

Do ponto de vista material, configura-se a responsabilidade civil de natureza contratual do administrador faltoso perante os demais sócios e, também, perante a sociedade, se o administrador praticar os denominados atos “ultra vires”, justamente porque esses atos constituem, em essência, de princípio, e sempre, a violação do contrato social. 

Nesse sentido, aliás, qualquer ilícito societário, contratual ou extracontratual, do administrador faltoso, constitui, do ponto de vista formal, um ilícito contra o contrato social, e enseja, pois, a reparação do dano.

Em rigor de definição, pode-se indicar do ponto de vista material, que, por hipótese, o administrador faltoso vá além, e some ao ato de excesso de poderes, com violação do contrato social, também um ato ilícito delituoso, com violação da lei penal, e deva responder, ainda, pela responsabilidade civil decorrente da responsabilidade penal. Ter-se-ia, nesta hipótese, em sentido material, a responsabilidade civil do administrador faltoso por ilícito societário extracontratual, de natureza aquiliana.   

No que diz respeito à responsabilidade do administrador perante terceiros, a responsabilidade civil será contratual, quando resultar de ato ilícito cometido no âmbito de relação contratual ou aquiliana, quando resultar de ato ilícito extracontratual.

Na hipótese da responsabilidade do administrador ter origem em ato ilícito, praticado mediante culpa no desempenho de suas funções, embora nos limites dos poderes e atribuições sociais, o administrador culpado responderá solidariamente perante a sociedade e perante terceiros prejudicados (artigo 1.016).

No caso de ser a sociedade limitada submetida ao regime supletivo externo, regência supletiva pela Lei das S/A, os administradores serão solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da sociedade (parágrafo 2º , artigo 158,  da Lei 6.404, de 1976).

A Responsabilidade Civil da Sociedade Perante Terceiros em Razão de Atos Praticados pelo Administrador: A Adoção do Sistema Estatutário no Direito Societário Brasileiro

É claro que a Sociedade poderá a vir a ser responsabilizada perante terceiros, em razão de atos praticados pelo administrador, sejam eles lícitos ou não.

Cuida-se, aqui, da distinção dos denominados sistemas legal, o primeiro, inoponível a terceiros, e estatutário, o segundo, que é oponível a terceiros, citados por CARLOS FULGÊNCIO CUNHA PEIXOTO (A Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada, 1958, p. 306) que bem ilustra a questão: “(...) os deveres dos gerentes são derivados da circunstância em que não podem sofrer influências do contrato social, no tocante aos interesses de terceiros. No segundo, essas atribuições são de natureza convencional e nos estatutos sociais, portanto, é que são  previstas e especificadas“5 .

A sociedade limitada será sempre responsável perante terceiros quando o administrador praticar seus atos nos limites de seus poderes definidos no contrato social6, excluindo-se, neste caso, a responsabilidade deste se tiver agido sem culpa. Se houver culpa, a responsabilidade será solidária7 .

Na hipótese de o administrador não ser sócio, responderá, também, solidariamente, ainda que não se configure ter agido com excesso dos poderes que lhe foram conferidos no contrato social, porque são responsáveis pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele (Arts. 932, III, 933 e parágrafo único do 942).

Nos termos do parágrafo único do artigo 1.015 do Código Civil, existindo prática de atos com excesso de poderes pelo administrador da sociedade limitada, esta poderá fazer a oposição a terceiros, como forma de se isentar da responsabilidade, na ocorrência pelo menos de uma das seguintes hipóteses: (i) se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; (ii) provando-se que a limitação de poderes era conhecida do terceiro; ou (iii) quando se tratar de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.

Diante da permissão de tais oposições, vale lembrar que CARLOS FULGÊNCIO DA CUNHA PEIXOTO8, JOÃO EUNÁPIO BORGES9, NELSON ABRÃO10 e RUBENS REQUIÃO11 filiaram-se ao sistema legal, enquanto EGBERTO LACERDA TEIXEIRA12  adotou o sistema estatutário.

Assim, passa a ter força o sistema estatutário, tendo o legislador adotado a lição de Waldemar Ferreira, no sentido de que caberá ao terceiro perscrutar quais os atos o administrador tem poderes para praticar, com respeito à publicidade que é portador o contrato arquivado no Registro do Comércio13 .

Os Deveres de Diligência, de Obediência, e de Lealdade do Administrador da Sociedade Limitada. O administrador da sociedade limitada deverá ter, no exercício de suas funções,  o  cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios (art. 1.011). Essa norma, já prevista no artigo 153 da Lei de Sociedades Anônimas, era empregada na sociedade por quotas de responsabilidade limitada, por força do art. 18 do Decreto 3.708, de 1919. No advento do Código Civil de 2002, com reordenamento do direito societário brasileiro, e a nova lei de regência da sociedade limitada, a regra do artigo 1.011 (Código Civil) e do artigo 153 (Lei das Sociedades Anônimas) tem aplicação ao regime jurídico próprio da sociedade limitada, seja por força do regime supletivo interno, seja em virtude do regime supletivo externo.

Exige-se do administrador, além do cuidado, a diligência necessária no exercício de suas funções perante a administração da sociedade e obediência estatutária e legal. Deve, assim, agir com obediência ao contrato social, principalmente com respeito aos limites de seus poderes, e às leis, sob pena de responder judicialmente pelos danos a que der causa, perante a sociedade, os sócios e terceiros.

As disposições dos artigos 1.052 a 1.087 do Código Civil, as quais tratam sobre a sociedade limitada, são omissas no que tange aos atos que podem ser praticados pelo administrador.

A declinação dos poderes do administrador certamente será encontrada no contrato social (art. 997, VI). Mas se este for omisso14, conforme estabelece o artigo 1.015, do Código Civil, os administradores poderão praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade. As omissões são propositais, acreditamos, quanto aos atos que podem ser praticados pelo administrador, na medida em que o legislador ofereceu a opção pelo regime supletivo interno, estabelecido no Código Civil de 2002, ou pelo regime supletivo externo, estabelecido na Lei das Sociedades Anônimas, segundo melhor convenha a escolha por esse ou aquele regime supletivo para as características da empresa sobre a qual constituir-se-á a sociedade limitada.

Deve ser lembrado que o terceiro de boa-fé, com entendimento mediano de negócios, pode e deve discernir um ato regular de administração de um ato estranho aos negócios da sociedade, praticado com excesso de poderes. No exame de um fato concreto deverá ser levada em consideração a Teoria da Aparência, com exame do comportamento adotado, afinal, a aparência, nos negócios de boa-fé, “é uma das formas de proteção da confiança, asseguradas pela ordem jurídica”15.

A considerar que o registro do contrato social no Registro do Comércio confere oposição erga omnes àquele ato societário, torna-se prudente a exigência para o terceiro de boa-fé tomar conhecimento do mesmo previamente à realização do negócio com a sociedade, para averiguar se o administrador estaria praticando algum ato em nome da sociedade, com excesso de poderes.

A Lei das Sociedades Anônimas, em seu artigo 154, prevê o dever do administrador de exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. Prescreve no parágrafo 2º do mesmo artigo que é vedado ao administrador: (i) praticar ato de liberdade à custa da companhia; (ii) sem prévia autorização da assembléia geral ou do conselho de administração, tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia, ou usar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens, serviços ou crédito; (iii) receber de terceiros sem autorização estatutária ou da assembléia geral, qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indireta, em razão do exercício de seu cargo.

Não obstante, o dever de lealdade também é exigido do administrador. O artigo 155 da Lei das Sociedades Anônimas dispõe que o administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado: (i) usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo; (ii) omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da companhia; e (iii) adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta tencione adquirir.

Essas disposições de lei geram a conclusão de que o administrador da sociedade limitada, pessoa natural, deve reunir os atributos de ser diligente, obediente e leal, estando submetido aos mesmos deveres do administrador da sociedade anônima.

________________________

¹ O Código Civil põe fim à discussão se a pessoa jurídica pode ou não ser indenizada por dano moral,  ao prescrever em seu art. 52 que “aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”.


² CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedade Anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989. p. 101-102.

³ Art. 1.016 e art. 158 da Lei 6.404, de 1976.

4  COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, vol. II. p. 441.

5  PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958,  vol. 1, n. 334. p. 306.

6 Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.

7  Art. 1.016

8 PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense,1958, v. I, n. 350. p. 323.

9  BORGES, João Eunápio. Curso de Direito Comercial Terrestre. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971, n. 375 e 338, p. 364 e 395.

10 ABRÃO, Nelson. Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada.  7 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, n. 65, p. 130.

11  REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 1981, v. I, n. 252. p. 306.

 12 TEIXEIRA, Egberto Lacerda. Das sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada. São Paulo: Max Limond, 1956, n. 54. p. 115.

13  FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1961,  vol. III, n. 540. p. 428 - 433.

14 Art. 1.053.

15  BORGHI, Hélio. Teoria da Aparência no Direito Brasileiro. São Paulo: Lejus, 1999. p.17.

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