Orlando José de Almeida
Sócio do Escritório Homero Costa Advogados, Pós Graduado em Direito Processual - IEC
Alcione Rodrigues Silva
Estagiária do Homero Costa Advogados
*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 48 em 21/04/2013
Introdução
A Lei 5859, de 11 de dezembro de 1972, define no seu artigo 1º que o empregado doméstico é “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas”.
A própria definição contida na norma já revela que tais prestadores de serviços, em regra, desfrutam de total confiança daqueles que os contratam, considerando o local onde desenvolvem as suas atividades.
As tarefas são desempenhadas por trabalhadores que exercem, dentre outras, as funções de cuidadores, babas, faxineiras, cozinheiros, vigias e motoristas.
Portanto, são pessoas que na maioria das vezes guardam o patrimônio dos seus empregadores, quando estes se ausentam de suas residências, sítios e casas de campo. São trabalhadores que normalmente fazem parte da intimidade dos seus patrões, quando são contratados para cuidar de idosos, deficientes, crianças, ou, ainda, deles tornam-se verdadeiros confidentes.
Com efeito, a relação entre empregadores e empregados é bastante estreita, donde se conclui que é razoável e justo que estes desfrutem, pelo menos, dos mesmos direitos que os empregados comuns.
De outro lado, a capacidade de pagamento daqueles que necessitam dos serviços dos empregados domésticos, muitas das vezes, não permite realizar a contratação, principalmente nas regiões menos favorecidas do País.
Logo, é possível imaginar que quanto mais direitos forem conferidos aos empregados domésticos, mais difícil são as novas admissões, considerando a dificuldade ou impossibilidade do cumprimento das obrigações decorrentes.
Assim, se por um lado tem-se o aumento dos direitos e das garantias constitucionais, por outro, a tendência será o aumento da informalidade e a troca de empregados por diaristas, a fim de que o tomador dos serviços seja menos onerado. Ressalte-se que a jurisprudência vem posicionando no sentido de que não é empregado doméstico aquele que presta serviços até duas vezes por semana para o mesmo contratante.
Nesse contexto, o que infelizmente se visualiza é que nem sempre a concessão de direitos ou benefícios significa a garantia de novos postos de trabalho.
Da Conquista dos Direitos
A seguir será apresentada a evolução da conquista dos principais direitos alcançados pelos empregados domésticos.
A Lei 5.859/72 assegurou à categoria, basicamente, o direito a férias remuneradas de 20 dias úteis, após cada período de 12 (doze) meses de trabalho para o mesmo empregador, e a integração à previdência social.
Posteriormente, quando da promulgação da Constituição de 1988, foram concedidos alguns direitos aos empregados domésticos, quais sejam:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; e,
XXIV – aposentadoria.”
Na mesma norma foi “vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada doméstica gestante desde a confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto.”
Com a Lei 10.208/01, passou a ser “facultadaa inclusão do empregado doméstico no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS”. Mas se procedida a citada inclusão o empregado passaria a ter direito ao Seguro Desemprego.
Agora, com a Emenda Constitucional 72, os domésticos alcançaram os seguintes direitos a partir da sua promulgação (03.04.13),que estão indicados no artigo 7º da Constituição Federal:
“VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943)
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; (Vide Del 5.452, art. 59 § 1º)
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
“I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - fundo de garantia do tempo de serviço;
IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culp.”
Com efeito, estes direitos estão condicionados à concessão de benefícios fiscais por parte do Governo Federal como forma de compensação e alívio no bolso dos empregadores.
Das Medidas que Serão Implementadas pelo Governo Federal
Alguns dias antes e logo após a promulgação da Emenda Constitucional 72, presenciamos muitas especulações, principalmente por intermédio da imprensa, com a participação, em especial, de advogados e representantes do Judiciário e do Ministério Público do Trabalho.
E não deveria ser diferente, considerando o impacto das novas medidas para a nossa sociedade.
Assim, foram apresentadas e discutidas as mais variadas opiniões e interpretações acerca do campo de abrangência dos direitos conquistados pela categoria, sendo que algumas delas, como é caso do momento do início de vigência das novas garantias, contrariavam o próprio texto da Emenda Constitucional. Esse fato ocorreu, por exemplo, em relação ao FGTS e Seguro Desemprego que para muitos passariam a vigorar imediatamente após a promulgação, uma vez que existe lei que trata destes assuntos.
Já de outro lago, embora o limite de duração da jornada de trabalho, que não pode superar 08 horas diárias ou 44 semanais, tenha passado a vigorar a partir de 03.04.13, muitas dúvidas se fazem presentes.
Dentre os inúmeros questionamentos acerca desse assunto, merecem destaque: (i) se a compensação pode ser feita mediante acordo individual de trabalho entre empregados e patrões (como ocorre com os empregados celetistas na forma do art. 59, caput, da CLT, combinado com o inciso I, da Súmula 85, do TST) ou somente deverá ser realizada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho (inciso XIII, do art. 7º, da CF); e (ii) como proceder em relação aos empregados que dormem nas residências dos seus empregadores.
Em razão das inseguranças surgidas e da própria necessidade de regulamentar algumas matérias, conforme anteriormente já mencionado, o Governo Federal editou notícia no dia 07.04.13[1] intitulada “Veja iniciativas do governo para sanar dúvidas e regulamentar dispositivos da nova lei dos trabalhadores domésticos”. Na ocasião, informou que “foi iniciado o trabalho de diversas áreas do governo federal para a regulamentação de alguns dispositivos da legislação. A meta é não só regulamentar os dispositivos pendentes, mas também esclarecer as dúvidas da população a respeito das alterações no dia a dia da relação entre patrões e trabalhadores domésticos.”
Adiante foi relatado que:
(i) “Desde a promulgação da emenda pelo Congresso Nacional, no início deste mês, o Ministério de Trabalho e Emprego (MTE) passou a receber uma média de 50 consultas diárias da população, pedindo esclarecimentos sobre diversos pontos da mudança. Para dirimir as principais dúvidas, o MTE lança, nos próximos dias uma cartilha, que ficará disponível no site do Ministério”;
(ii) “No Ministério da Previdência Social (MPS) será estudado o pagamento do salário-família aos empregados domésticos”, além da “instituição do seguro contra acidentes de trabalho para estes trabalhadores”; e,
(iii) “o Ministério da Fazenda estuda a criação de um regime tributário especial para simplificar o recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) dos empregados domésticos, como forma de facilitar a adequação das famílias às novas regras.”
Na matéria, o Ministro do Trabalho e Emprego, Manoel Dias, salientou que: “Alguns direitos, como hora-extra, FGTS e adicional noturno ainda necessitam alguma regulamentação para começar a valer e cabe a comissão criada pelo ministro dirimir as adaptações para que possam entrar em vigor.
O que se espera é que as dúvidas sejam efetivamente sanadas através das medidas que serão adotadas pelo Governo Federal.
Da Jornada de Trabalho e Do Contrato de Trabalho
Dentre os direitos que, em tese, passaram a ser exigidos de imediato, consoante mencionado, a fixação de jornada e a realização de horas extras vem causando grandes debates.
E até que venha a regulamentação prometida pelo Governo Federal, através do Ministro do Trabalho e Emprego, para maior segurança jurídica, recomenda-se que empregados e empregadores examinem a situação especifica de cada um deles e celebrem um contrato escrito, nos limites estabelecidos em lei, mas que atenda as necessidades de ambos, delimitando os horários e intervalos.
Do mesmo modo, recomenda-se, ainda, o registro de ponto do horário de entrada e saída, bem como do horário de intervalo, que não deve ser inferior à uma hora ou superior a duas horas diárias.
Lembre-se que a jornada contratual deve ser limitada a 44 horas semanais, ou seja, pode-se adotar a jornada de 8 horas diárias de segunda a sexta e 4 horas aos sábados.
Embora a lei não seja expressa no que tange ao doméstico, pensamos que é possível a celebração de um acordo individual de trabalho entre empregado e empregador, por escrito, prevendo compensação de jornada, como disposto no art. 59, caput, da CLT, combinado com o inciso I, da Súmula 85, do TST.
Dessa forma, ao invés do empregado trabalhar aos sábados, compensa-se 04 horas durante a semana, aumentando a jornada, proporcionalmente, de segunda a sexta. A jornada semanal não deverá ultrapassar 44 horas e o limite diário, incluindo a compensação e as horas extras, não pode superar 10 horas.
No entanto, questionamentos poderão surgir na direção de que a referida compensação somente é possível mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. Logo, o mais prudente é aguardar o posicionamento do Ministério do Trabalho e Emprego.
Cabe ressaltar de igual modo que é vedada a redução de salário e benefícios, inclusive em eventual nova contratação do mesmo empregado. Esse direito já era previsto anteriormente a Emenda Constitucional 72.
Por fim, cumpre asseverar que algumas questões precisam ser tratadas com muito cuidado, como é o caso dos cuidadores de idosos e das babás, que dormem na residência dos empregadores. O importante é não deixar margem para dúvidas ou incertezas quanto aos períodos que ocorrem a prestação de serviços e os períodos de descanso. Os horários devem constar nos livros de ponto ou outro meio eficaz de fazer o controle da jornada.
O que se espera é que tais questões sejam regulamentadas em breve e de forma simplificada, primeiro por parte das prometidas regulamentações a serem feitas pelo Governo Federal, e depois entre os sindicados de empregadores e de empregados, vez que consta como direito da categoria o “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.”
Da Conclusão.
Com o passar do tempo tornou-se necessário equiparar os empregados domésticos aos demais trabalhadores urbanos e rurais, até pela garantia de isonomia constitucional, prevista no artigo 5º.
Contudo, devem ser levadas em consideração as peculiaridades da relação de emprego do doméstico, a fim de se evitar maiores prejuízos ao empregador e ao empregado.
Espera-se, portanto, que o Governo Federal amenize os custos decorrentes, desonerando a folha de pagamento, possibilitando a contratação e o cumprimento dos direitos conquistados pelos empregados domésticos.
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