sexta-feira, 27 de março de 2015

Emenda Constitucional 72/2013 – Empregados Domésticos – Merecimento X Oneração

Orlando José de Almeida
Sócio do Escritório Homero Costa Advogados, Pós Graduado em Direito Processual - IEC
Alcione Rodrigues Silva
Estagiária do Homero Costa Advogados
*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 48 em 21/04/2013


Introdução

A Lei 5859, de 11 de dezembro de 1972, define no seu artigo 1º que o empregado doméstico é “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas”.

A própria definição contida na norma já revela que tais prestadores de serviços, em regra, desfrutam de total confiança daqueles que os contratam, considerando o local onde desenvolvem as suas atividades.

As tarefas são desempenhadas por trabalhadores que exercem, dentre outras, as funções de cuidadores, babas, faxineiras, cozinheiros, vigias e motoristas.


Portanto, são pessoas que na maioria das vezes guardam o patrimônio dos seus empregadores, quando estes se ausentam de suas residências, sítios e casas de campo. São trabalhadores que normalmente fazem parte da intimidade dos seus patrões, quando são contratados para cuidar de idosos, deficientes, crianças, ou, ainda, deles tornam-se verdadeiros confidentes.

Com efeito, a relação entre empregadores e empregados é bastante estreita, donde se conclui que é razoável e justo que estes desfrutem, pelo menos, dos mesmos direitos que os empregados comuns.

De outro lado, a capacidade de pagamento daqueles que necessitam dos serviços dos empregados domésticos, muitas das vezes, não permite realizar a contratação, principalmente nas regiões menos favorecidas do País.

Logo, é possível imaginar que quanto mais direitos forem conferidos aos empregados domésticos, mais difícil são as novas admissões, considerando a dificuldade ou impossibilidade do cumprimento das obrigações decorrentes.

Assim, se por um lado tem-se o aumento dos direitos e das garantias constitucionais, por outro, a tendência será o aumento da informalidade e a troca de empregados por diaristas, a fim de que o tomador dos serviços seja menos onerado. Ressalte-se que a jurisprudência vem posicionando no sentido de que não é empregado doméstico aquele que presta serviços até duas vezes por semana para o mesmo contratante.

Nesse contexto, o que infelizmente se visualiza é que nem sempre a concessão de direitos ou benefícios significa a garantia de novos postos de trabalho.

Da Conquista dos Direitos

A seguir será apresentada a evolução da conquista dos principais direitos alcançados pelos empregados domésticos.

A Lei 5.859/72 assegurou à categoria, basicamente, o direito a férias remuneradas de 20 dias úteis, após cada período de 12 (doze) meses de trabalho para o mesmo empregador, e a integração à previdência social.
Posteriormente, quando da promulgação da Constituição de 1988, foram concedidos alguns direitos aos empregados domésticos, quais sejam:


“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
 XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; e,
XXIV – aposentadoria.”

A Lei nº 11.324/06 pôs fim às dúvidas sobre as férias, esclarecendo que “o empregado doméstico terá direito a férias anuais remuneradas de 30 (trinta) dias com, pelo menos, 1/3 (um terço) a mais que o salário normal, após cada período de 12 (doze) meses de trabalho, prestado à mesma pessoa ou família”, deixando, assim, de ser questionado se seria aplicada a antiga disposição da Lei 5.859/72, quanto ao número de dias a serem gozados.

Na mesma norma foi “vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada doméstica gestante desde a confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto.”

Com a Lei 10.208/01, passou a ser “facultadaa inclusão do empregado doméstico no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS”. Mas se procedida a citada inclusão o empregado passaria a ter direito ao Seguro Desemprego.

Agora, com a Emenda Constitucional 72, os domésticos alcançaram os seguintes direitos a partir da sua promulgação (03.04.13),que estão indicados no artigo 7º da Constituição Federal:


“VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
 X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943)
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; (Vide Del 5.452, art. 59 § 1º)
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

Outros direitos insertos no artigo 7º da Constituição, que foram estendidos aos domésticos, dependerão de regulamentação.  São eles:


“I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - fundo de garantia do tempo de serviço;
IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
 XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culp.”

Essas garantias dependem de regulamentação, porque segundo disposto na nova redação do parágrafo único do art. 7º, da Constituição, para aplicação delas deverão ser “atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação do trabalho e suas peculiaridades, além da sua integração social”.

Com efeito, estes direitos estão condicionados à concessão de benefícios fiscais por parte do Governo Federal como forma de compensação e alívio no bolso dos empregadores.

Das Medidas que Serão Implementadas pelo Governo Federal

Alguns dias antes e logo após a promulgação da Emenda Constitucional 72, presenciamos muitas especulações, principalmente por intermédio da imprensa, com a participação, em especial, de advogados e representantes do Judiciário e do Ministério Público do Trabalho.

E não deveria ser diferente, considerando o impacto das novas medidas para a nossa sociedade.

Assim, foram apresentadas e discutidas as mais variadas opiniões e interpretações acerca do campo de abrangência dos direitos conquistados pela categoria, sendo que algumas delas, como é caso do momento do início de vigência das novas garantias, contrariavam o próprio texto da Emenda Constitucional. Esse fato ocorreu, por exemplo, em relação ao FGTS e Seguro Desemprego que para muitos passariam a vigorar imediatamente após a promulgação, uma vez que existe lei que trata destes assuntos.

Já de outro lago, embora o limite de duração da jornada de trabalho, que não pode superar 08 horas diárias ou 44 semanais, tenha passado a vigorar a partir de 03.04.13, muitas dúvidas se fazem presentes.

Dentre os inúmeros questionamentos acerca desse assunto, merecem destaque: (i) se a compensação pode ser feita mediante acordo individual de trabalho entre empregados e patrões (como ocorre com os empregados celetistas na forma do art. 59, caput, da CLT, combinado com o inciso I, da Súmula 85, do TST) ou somente deverá ser realizada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho (inciso XIII, do art. 7º, da CF); e (ii) como proceder em relação aos empregados que dormem nas residências dos seus empregadores.

Em razão das inseguranças surgidas e da própria necessidade de regulamentar algumas matérias, conforme anteriormente já mencionado, o Governo Federal editou notícia no dia 07.04.13[1] intitulada “Veja iniciativas do governo para sanar dúvidas e regulamentar dispositivos da nova lei dos trabalhadores domésticos”. Na ocasião, informou que “foi iniciado o trabalho de diversas áreas do governo federal para a regulamentação de alguns dispositivos da legislação. A meta é não só regulamentar os dispositivos pendentes, mas também esclarecer as dúvidas da população a respeito das alterações no dia a dia da relação entre patrões e trabalhadores domésticos.”

Adiante foi relatado que:


(i) “Desde a promulgação da emenda pelo Congresso Nacional, no início deste mês, o Ministério de Trabalho e Emprego (MTE) passou a receber uma média de 50 consultas diárias da população, pedindo esclarecimentos sobre diversos pontos da mudança. Para dirimir as principais dúvidas, o MTE lança, nos próximos dias uma cartilha, que ficará disponível no site do Ministério”;
(ii) “No Ministério da Previdência Social (MPS) será estudado o pagamento do salário-família aos empregados domésticos”, além da “instituição do seguro contra acidentes de trabalho para estes trabalhadores”; e,
(iii) “o Ministério da Fazenda estuda a criação de um regime tributário especial para simplificar o recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) dos empregados domésticos, como forma de facilitar a adequação das famílias às novas regras.”

No site do Ministério do Trabalho e Emprego[2], foi veiculada notícia no dia 04.04.13, cujo título é “Ministro instala comissão do trabalho doméstico”, com a finalidade de esclarecer dúvidas quanto aos itens a serem regulamentados”.

Na matéria, o Ministro do Trabalho e Emprego, Manoel Dias, salientou que: “Alguns direitos, como hora-extra, FGTS e adicional noturno ainda necessitam alguma regulamentação para começar a valer e cabe a comissão criada pelo ministro dirimir as adaptações para que possam entrar em vigor.

O que se espera é que as dúvidas sejam efetivamente sanadas através das medidas que serão adotadas pelo Governo Federal.

Da Jornada de Trabalho e Do Contrato de Trabalho

Dentre os direitos que, em tese, passaram a ser exigidos de imediato, consoante mencionado, a fixação de jornada e a realização de horas extras vem causando grandes debates.

E até que venha a regulamentação prometida pelo Governo Federal, através do Ministro do Trabalho e Emprego, para maior segurança jurídica, recomenda-se que empregados e empregadores examinem a situação especifica de cada um deles e celebrem um contrato escrito, nos limites estabelecidos em lei, mas que atenda as necessidades de ambos, delimitando os horários e intervalos.

Do mesmo modo, recomenda-se, ainda, o registro de ponto do horário de entrada e saída, bem como do horário de intervalo, que não deve ser inferior à uma hora ou superior a duas horas diárias.

Lembre-se que a jornada contratual deve ser limitada a 44 horas semanais, ou seja, pode-se adotar a jornada de 8 horas diárias de segunda a sexta e 4 horas aos sábados.

Embora a lei não seja expressa no que tange ao doméstico, pensamos que é possível a celebração de um acordo individual de trabalho entre empregado e empregador, por escrito, prevendo compensação de jornada, como disposto no art. 59, caput, da CLT, combinado com o inciso I, da Súmula 85, do TST.

Dessa forma, ao invés do empregado trabalhar aos sábados, compensa-se 04 horas durante a semana, aumentando a jornada, proporcionalmente, de segunda a sexta. A jornada semanal não deverá ultrapassar 44 horas e o limite diário, incluindo a compensação e as horas extras, não pode superar 10 horas.

No entanto, questionamentos poderão surgir na direção de que a referida compensação somente é possível mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. Logo, o mais prudente é aguardar o posicionamento do Ministério do Trabalho e Emprego.

Cabe ressaltar de igual modo que é vedada a redução de salário e benefícios, inclusive em eventual nova contratação do mesmo empregado. Esse direito já era previsto anteriormente a Emenda Constitucional 72.
Por fim, cumpre asseverar que algumas questões precisam ser tratadas com muito cuidado, como é o caso dos cuidadores de idosos e das babás, que dormem na residência dos empregadores. O importante é não deixar margem para dúvidas ou incertezas quanto aos períodos que ocorrem a prestação de serviços e os períodos de descanso. Os horários devem constar nos livros de ponto ou outro meio eficaz de fazer o controle da jornada.

O que se espera é que tais questões sejam regulamentadas em breve e de forma simplificada, primeiro por parte das prometidas regulamentações a serem feitas pelo Governo Federal, e depois entre os sindicados de empregadores e de empregados, vez que consta como direito da categoria o “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.”

Da Conclusão.

Com o passar do tempo tornou-se necessário equiparar os empregados domésticos aos demais trabalhadores urbanos e rurais, até pela garantia de isonomia constitucional, prevista no artigo 5º.

Contudo, devem ser levadas em consideração as peculiaridades da relação de emprego do doméstico, a fim de se evitar maiores prejuízos ao empregador e ao empregado.

Espera-se, portanto, que o Governo Federal amenize os custos decorrentes, desonerando a folha de pagamento, possibilitando a contratação e o cumprimento dos direitos conquistados pelos empregados domésticos.

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