sexta-feira, 27 de março de 2015

Das Particularidades sobre o Atraso na Entrega de Imóvel Adquirido na Planta

Bernardo José Drumond Gonçalves

Sócio do Escritório Homero Costa Advogados e especialista em Direito Processual
*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 43 em 31/07/2012

Apesar de o sonho da casa própria ser praticamente inerente ao sentimento comum da população brasileira, o atraso na entrega das obras acompanhou de forma inversa o alto volume de vendas, tornando-se uma prática reiterada das Construtoras o overbooking imobiliário.


Conforme levantamento do PROCON de Belo Horizonte, apenas em 2011, mais de 3.000 ocorrências dessa natureza foram registradas. O Legislativo também tem se movimentado com projetos de lei que visam criar obstáculos a essa violação de direitos.

O Judiciário, que está sendo acionado tanto individual, quanto coletivamente, vem firmando entendimento de forma a reequilibrar a relação contratual, na qual o contratante (Consumidor) geralmente é prejudicado nessas circunstâncias.

Quando o pacto celebrado não se silencia a respeito dessa hipótese de atraso na entrega da obra, prevê a aplicação de multa mensal até o habite-se, em média, no valor de 0,5% da quantia paga pelo Consumidor. Alguns instrumentos chegam a restringir o pagamento dessa multa à época da entrega do imóvel. Além disso, é comum a inclusão do prazo de tolerância/carência – variável entre 120 e 180 dias.

Primeiramente, impõe-se a aplicação da boa-fé objetiva e alguns princípios básicos do direito consumerista, como a análise de cláusulas contratuais sempre de forma a favorecer o Consumidor. Também sob pena de serem “riscadas”, as disposições limitativas dos direitos do adquirente devem ser redigidas de forma destacada, permitindo-se a sua imediata e fácil compreensão pelo designado “hipossuficiente”.

Partindo-se dessas premissas, deve-se verificar se a culpa pelo atraso atribui-se única e exclusivamente à Construtora. Ou seja, é preciso checar se houve algum caso “fortuito” ou “de força maior” capaz de justificar a postergação da data de entrega e afastar a responsabilidade da Construtora pelo ressarcimento dos prejuízos.

O recente posicionamento da Jurisprudência firmou-se no sentido de que a inserção do prazo de carência configura uma ilegalidade, haja vista seu caráter abusivo, afinal provoca o desequilíbrio do contrato, permitindo-se que apenas uma das partes incorra em mora, sem que qualquer ônus lhe recaia.

Naturalmente, se o adquirente inadimplir suas obrigações assumidas perante a Construtora, nenhuma carência ser-lhe-á concedida. Por isso, atribui-se a nulidade dessa previsão.

Decerto que a excludente de responsabilidade decorrente de caso fortuito ou força maior apenas poderia ser utilizada em situações extremas, inevitáveis ou impossíveis de serem impedidas – o que não se confunde com volume de chuvas, instabilidade econômica ou escassez de mão-de-obra.

Inexiste imprevisibilidade nessas circunstâncias que, além de também atingirem grande parte das demais atividades econômicas, apenas refletem a ausência de planejamento para lidar com o risco negocial assumido.
Sob essa ótica, o prazo de tolerância/carência não pode ser aplicado inadvertidamente, frente a meras situações evitáveis, sob pena de configurar ato abusivo.

Logo, uma vez ultrapassado o prazo de entrega da obra – o que deve ser cabalmente comprovado –, sem que tenha ocorrido um fato imprevisível ou inevitável, caberá à Construtora o pagamento da multa moratória (pelo inadimplemento incorrido) e, ainda, da compensatória mensal até a efetiva entrega do imóvel (comhabite-se). Parte da jurisprudência tem denominado essa reparação de indenização por dano material ou, até mesmo, lucros cessantes.

O valor dessa multa/indenização varia conforme a configuração do imóvel envolvido, levando-se em consideração tanto o preço, como a quantia que o Consumidor receberia se o alugasse ou, ainda, a que pagaria a terceiro, se dependesse daquela entrega para constituição da sua “residência própria” – no caso de não haver anterior ou desta ser alugada. Esse montante tem chegado até a 1,0% do valor total do bem.

Consoante o posicionamento dos Tribunais, (i) a cumulação dessas verbas não representa bis in idem e (ii) o início do pagamento pode ser exigido tão logo configurada a mora da Construtora, sendo dispensável aguardar a entrega do imóvel, mediante reparação pro rata die tempore – como previsto em alguns pactos.

Também é direito do Consumidor, caso prefira, a rescisão (resilição) contratual, com a consequente restituição dos valores pagos. As Construtoras normalmente impõem descontos em razão do custeio de corretagem, impostos e despesas cartorárias. Entretanto, os julgadores vêm, em sua maioria, determinando a devolução integral das quantias pagas pelo adquirente, sobretudo porque a unidade pode ser novamente alienada a terceiros.

Quanto à possibilidade de indenização por dano moral, o Judiciário tem afastado a máxima de que o mero descumprimento de obrigação não gera o dever de reparação.

No julgamento de um Recurso Especial relacionado à essa matéria, a Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, reconheceu que o direito constitucional da moradia deve ser preservado, sendo que a sua violação caracterizaria afronta, inclusive, à integridade moral e à dignidade – atributos do direito à personalidade, o que justifica reparação no âmbito moral.

Inaplicável, destarte, a defesa das Construtoras de que se trataria de mero dissabor ou aborrecimento do Consumidor. Cuida-se, ao contrário, da legítima expectativa do adquirente, sob a veste de “sonho da casa própria”, frustrado após a longa programação do orçamento familiar para realizar a concretização da sua almejada pretensão. Deduz-se, então, que o dano experimentado pelo Consumidor prescinde de comprovação, sendo presumível nesses casos.

Por fim, a indenização deve acompanhar a extensão do dano e as peculiaridades de cada situação, tais como a capacidade econômica da Construtora e do adquirente, o momento de vida do Consumidor, como a proximidade do casamento/constituição da primeira moradia ou, até mesmo, a readaptação do padrão de vida, sem também perder a função inibidora deste instituto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário