sexta-feira, 27 de março de 2015

Curatela Mandato

Bernardo José Drumond Gonçalves
Sócio do Escritório Homero Costa Advogados e especialista em Direito Processual
Izabelle Fernandes de Paula
Estagiária do Homero Costa Advogados
*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 47 em 07/03/2013

A interdição é um processo de jurisdição voluntária por meio do qual o juiz declara a incapacidade de pessoa sem discernimento, incapaz de gerir seus próprios bens e de praticar atos da vida civil e nomeia-lhe um curador que irá gerir os interesses daquele, através de representação ou assistência, de acordo com o grau de incapacidade aferido.


Podem ser interditados os que (i) por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil, os que, (ii) por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade, (iii) os pródigos, (iv) os deficientes mentais, (v) os ébrios habituais, (vi) os viciados em tóxicos e os excepcionais com insuficiência mental, conforme dispõe o artigo 1.767 do Código Civil, sendo a legitimidade para requerer a interdição atribuída às pessoas elencadas no artigo 1.768 do mesmo diploma legal, ressaltando que o Código estabelece uma ordem de preferência entre elas (artigo 1.775 do Código Civil), que, no entanto, considerando que a referida medida tem caráter protetivo, não necessariamente deve ser aplicada de forma rigorosa, devendo ser nomeada a pessoa que melhor atenderá aos interesses do interditando, especialmente no que tange a sua pessoa.

Vale ressaltar que o companheiro, não separado de fato, também possui legitimidade para pleitear a interdição, ex vi artigo 1.775 do Código Civil.

Por sua vez, a curatela constitui um múnus públicoo que para Washington de Barros Monteiro pode ser definido como um “encargo deferido por lei a alguém para reger uma pessoa e administrar seus bens, quando esta não pode fazê-lo por si mesma”. (MONTEIRO, p.400, 2006).

Em regra, a curatela está ligada à incapacidade, entretanto,  o atual Código Civil introduziu nova modalidade de curatela, até então pouco utilizada, como regulamenta seu artigo 1.780:

Art. 1.780. A requerimento do enfermo ou portador de deficiência física, ou, na impossibilidade de fazê-lo, de qualquer das pessoas a que se refere o art. 1.768, dar-se-lhe-á curador para cuidar de todos ou alguns de seus negócios ou bens. (grifamos)

Trata o referido artigo, da “curatela-mandato” ou “curatela administrativa”, que é considerada como curatela de menor extensão, tendo em vista que,neste caso, o curatelado não possui condições materiais ou físicas para administrar seus bens e interesses ou apenas parte deles, não sendo, portanto, incapaz para os atos da vida civil como na curatela do artigo 1.767 do Código Civil.

A curatela administrativa é um tipo de curatela especial, pois, distancia-se do conceito de curatela até então utilizado, qual seja: instituto protetivo aos “maiores de idade, mas incapazes, isto é, aqueles sem condições de zelar por seus próprios interesses, reger sua vida e administrar seus patrimônios” (DIAS, p. 483, 2006).
Na curatela administrativa, por não envolver incapacidade propriamente dita, mas apenas uma incapacidade momentânea ou motora, não há a interdição dos direitos do curatelado, mas apenas a nomeação de um curador para administrar, total ou parcialmente, os bens e negócios paraquem “não possui plenas condições físicas ou materiais para exercer seu papel negocial e cuidar de seus próprios interesses” (VENOSA, P.431, 2007).

A corroborar o exposto acima, colacionam-se julgados do Col. Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

Deficiência física. Curatela especial por representação parcial. Hipótese legal concretizada. Recurso parcialmente provido.
1. A curatela especial por representação, regulada no art. 1.780 do Código Civil de 2002, visa proteger a pessoa natural portadora de enfermidade ou deficiência física, possibilitando à mesma a nomeação de curador para cuidar de todos ou alguns de seus negócios ou bens.
2. A incapacidade física, uma vez preservadas as funções psíquicas, não é causa para a interdição, mas serve como base para a curatela especial por representação.
3. Apelação cível conhecida e parcialmente provida, para conceder curatela especial parcial para a deficiente física. (TJMG. Rel. Des. Caetano Levi Lopes. Apelação Cível n° 1.0024.10.061932-9/001. Julg. 27.11.12; Publ. 07.12.12)(Grifos nossos).
PEDIDO DE CURATELA - 'ENFERMO OU PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA' - PESSOA IDOSA COM GRAVE LIMITAÇÃO DE LOCOMOÇÃO - DIFICULDADE DE DESEMPENHAR ATIVIDADES COTIDIANAS, SEM AJUDA DE TERCEIROS - NOMEAÇÃO DE CURADORA PARA CUIDAR DE SEUS NEGÓCIOS E BENS - POSSIBILIDADE - ART. 1.780, DO CÓDIGO CIVIL - 'CURATELA-MANDATO', DE MENOR EXTENSÃO. INTERDIÇÃO - DESCABIMENTO - CAPACIDADE MENTAL PRESERVADA. 
O Código Civil, em seu art. 1.780, prevê modalidade mais restrita de 'curatela',distinta daquela disposta nos artigos 1.767e 1.779voltada à proteção do enfermo e do portador de deficiência física, que, embora estejam em pleno gozo de suas faculdades mentais, encontrem-se impedidos de se locomover e de desempenhar suas atividades, afigurando-se possível e recomendável, nessas hipóteses, a nomeação de curador para cuidar de seus bens e negócios, sem que haja, todavia, interdição do curatelado.
- No presente caso, restando comprovado, inclusive por meio de perícia médica judicial, que a curatelanda, embora lúcida e hígida mentalmente, é pessoa idosa - 92 anos -, com grave impossibilidade de deambulação, devido a problemas reumáticos, necessitando acompanhamento permanente de terceiros para os atos da vida cotidiana, a nomeação de sua filha como sua curadora para cuidar de seus negócios e bens - inclusive para receber em seu nome benefício previdenciário a que faz jus -, é medida salutar e plenamente viável, na forma do art. 1.780, do Código Civil, não havendo se falar, todavia, em interdição da mesma. (TJMG. Rel. Des. Eduardo Andrade. Apelação Cível n° 1.0024.10. 132636-1/001. Julg. 25.10.11; Publ. 11.11.11)(Grifos nossos).

Além do rol exemplificativo estabelecido pelo artigo 1.768 do Código Civil, o próprio curatelado pode requerer a curatela especial prevista no artigo 1.780, evidenciando que,nesta modalidade,sua vontade é levada em consideração, podendo indicar seu curador e delimitar ainda, a extensão do encargo atribuído ao mesmo. O curatelado, na hipótese do artigo 1.780, podelevantar a curatela a qualquer momento, enquanto a curatela do artigo 1.767, só pode ser levantada quando cessada a causa que a originou.

Um exemplo de aplicação da curatela prevista no artigo 1.780 do Código Civil é a necessidade de nomear um responsável para cuidar dos negócios e bens de pessoa idosa, mas não necessitando de um processo de interdição e a consequente declaração de sua incapacidade civil, pois, na maioria dos casos de idade avançada,a mobilidade naturalmente é reduzida, mas o que não necessariamente implica na redução do intelecto, ou seja, a capacidade cognitiva fica preservada, podendo o curatelado agir em conjunto com o seu curador nas tomadas de decisões.

Alguns autores entendem que a curatela administrativa é um instituto inócuo, poispode ser substituída pelo contrato de mandato, por ambos se tratarem de uma transferência de poderes,semelhança esta que pode ser percebida pela redação do artigo 653 e seguintes do Código Civil:

Art. 653.Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.

 Neste sentido, elucida Sílvio de Salvo Venosa[1]:

"O novo código introduz nova modalidade de curatela destinada ao enfermo ou portador de deficiência física, a fim de que o curador cuide de todos ou de alguns de seus negócios. O próprio enfermo ou deficiente pode requerer essa curatela ou, se não puder fazê-lo, terão legitimidade as pessoas descritas no art. 1.768 (pais ou tutores; cônjuge ou qualquer parente ou o Ministério Público).
                          (...)
Essa curatela de menor extensão somente ganhará utilidade quando não for conveniente ao agente nomear procurador para determinados atos. (grifamos)
(...)
Essa curadoria não se destina, portanto, tipicamente a um incapaz, mas a alguém que não possui plenas condições físicas ou materiais para exercer seu papel negocial e cuidar de seus próprios interesses.

De fato, há situações em que o contrato de mandato pode suprir de maneira satisfatória às funções da curatela. Entretanto, as especificidades deste instituto protetivo conferem ao enfermo ou portador de deficiência física uma segurança maior do que um simples mandato: a responsabilidade do curador é mais rigorosa do que a do mandatário, pois este deve prestar contas diretamente ao mandante (art. 668, CC), não tendo responsabilidade sobre o negócio realizado, salvo se extrapolar os limites do mandato, situação em que responderá por perdas e danos(art. 663 e 679, CC). Em contrapartida, o curador, representante legalmente instituído, responde na integralidade pelos atos que praticar, devendo ainda, prestar contas de sua administração ao Juízo, sendo que os limites da curatela são deferidos por sentença.

Outra diferença é que o mandato é um contrato convencionado entre as partes, podendo ser revogado a qualquer momento, enquanto a curatela administrativa, apesar de poder ser levantada a qualquer momento, depende de procedimento judicial. Cumpre ressaltar, por sua vez, que, em ambos os casos, há possibilidade de substituição do representante, sendo que,na curatela se faz por pedido judicial, e no mandato, por revogação ou substabelecimento.

Considerando as importantes diferenças supra ressaltadas, podemos exemplificar uma situação, na qual o contrato de mandato não pode substituir a curatela especial do artigo 1.780 do Código Civil, como por exemplo, um enfermo no Centro de Tratamento Intensivo (“CTI”), incapaz deoutorgar procuração, mas necessitando de realizar movimentações financeiras para pagamento das custas hospitalares.

Em suma, o âmbito de proteção conferido pela curatela do artigo 1.780 do Código Civil é maior, mais apropriada e gera mais segurança aos negócios jurídicos do que o mandato, protegendo mais amplamente os interesses do enfermo ou deficiente físico, e ainda, preservando sua autonomia de vontade,uma vez que a interdição dos direitos civis é medida extrema e rigorosa, devendo ser adotada apenas quando o caso não comportar medida diversa.


[1](Direito civil: direito família. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 418/419)

Nenhum comentário:

Postar um comentário